Com IA e pouco interesse de deputados, ‘PL das Fake News’ tem tudo para subir no telhado de vez

Por Alexandre Aragão

13 de março de 2024, 18h55

E o “PL das Fake News”, hein?

Tem tudo para subir no telhado de vez.

Vendido como uma das prioridades do Legislativo nos primeiros meses do governo Lula (PT), como reação à tentativa de golpe de Estado abastecida por ódio nas redes, o projeto de lei foi esmagado sob o peso econômico das empresas interessadas, que trabalharam para viralizar mentiras e celebraram alianças com parlamentares extremistas.

A aprovação do PL 2.630/2020 parece ainda menos provável agora que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) publicou resoluções para as eleições deste ano — que tratam de diversos temas, incluindo o uso de inteligência artificial, debate regulatório que furou a fila em relação à moderação de redes também no Congresso.

Enquanto Arthur Lira (PP-AL) adotou a regulação de IA como prioridade, não há previsão de que o “PL das Fake News” sequer entre em pauta.

“Chance sempre existe”, disse à repórter Gisele Lobato o relator do PL 2.630/2020, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), sem largar a mão do otimismo. “Depende do desenrolar das negociações em curso.”

Para ele, as resoluções do TSE não esvaziam o texto. “O PL trata de eleições em apenas dois artigos. Importante é a mudança no regime de responsabilidades, obrigações de transparência, defesa da liberdade de expressão e normas para o setor público.”


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👋 E o ‘PL das Fake News’, hein?

Apesar de a política nacional ser o tema relacionado a desinformação que mais gera debate — sobretudo em período eleitoral —, as redes estão coalhadas de machismo, golpes financeiros, comércio de conteúdo de abuso infantil, campanhas de governos estrangeiros. Tem de tudo.

Há casos que unem mais de um problema, como reportagem de Marco Faustino mostrou no Aos Fatos nesta quarta (13): criminosos vendem imagens de abuso infantil no Telegram e recebem pagamentos por meio de chaves Pix registradas em nome de pessoas que tiveram dados roubados.

O “PL das Fake News” busca mitigar todos esses crimes, o que não é o caso das resoluções do TSE, como apontou Orlando Silva.

O conteúdo das novas determinações não pegou ninguém de surpresa. Em público e nos bastidores, ministros da corte eleitoral — inclusive o presidente Alexandre de Moraes — já sinalizavam o sentido do que seria decidido.

A reação dos parlamentares, por sua vez, também chocou zero pessoas. Como ocorre em todo ano eleitoral, políticos acusaram o TSE de avançar sobre prerrogativas do Legislativo e desrespeitar o princípio da anualidade — que determina que as regras eleitorais devem ser definidas até um ano antes do primeiro turno.

O deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), pré-candidato do MBL (Movimento Brasil Livre) à prefeitura paulistana, apresentou um projeto de decreto legislativo para suspender a resolução sobre propaganda eleitoral e uso de IA, segundo informou a Folha de S.Paulo. A iniciativa deve gerar mais conteúdo nas redes e exposição na mídia do que resultados. (Quiçá posts e entrevistas eram mesmo o objetivo final.)

Parte interessada, parlamentares que usam a desinformação de forma recorrente têm incentivos para deixar tudo como está — como Caroline de Toni (PL-SC) e Nikolas Ferreira (PL-MG), deputados recém-escolhidos para presidir a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e a Comissão de Educação.

Não à toa, a possibilidade de estender a imunidade parlamentar às redes é o único trecho do “PL das Fake News” que excita a maioria dos frequentadores do Salão Verde.

O TSE busca ao menos criar ferramentas para que juízes de primeira instância combatam a desinformação nas eleições municipais, mas os políticos que têm os interesses de apadrinhados e correligionários em mente não viram motivo suficiente para legislar.

O “PL das Fake News” quase foi votado na Câmara, mas a opção dos deputados foi pela omissão. Uma decisão coletiva, que se mantém até agora, apesar de só Lira escolher o que entra na pauta ou não.

Na época, o presidente da Casa colocou a culpa nas empresas mais poderosas do mundo. “Uma mobilização das chamadas big techs, que ultrapassou os limites do contraditório democrático, ao lado da interpretação de alguns quanto a possíveis restrições à liberdade de expressão, não nos facultou reunir as condições políticas necessárias para levar este projeto à votação”, ele disse.

É esperado que corporações despendam o que for necessário em lobby e comunicação para garantir seus interesses. Caso abusem do poder econômico, como a Polícia Federal aponta que ocorreu neste caso, devem ser responsabilizadas pelo Judiciário. Ao mesmo tempo, porém, chama a atenção que o presidente da Câmara aponte os limites que interesses financeiros são capazes de impor ao cargo que ele ocupa.

Os únicos momentos em que o “PL das Fake News” pareceu ter chances de avançar foi quando ocorreram tiroteios em escolas, que resultaram em mortes e foram incentivados em fóruns na internet. Nem isso, porém, foi suficiente para o projeto seguir.

Cenários com excesso de otimismo, como os que chegaram a ser vislumbrados sobre o “PL das Fake News”, agora são traçados em relação a projetos que tratam do uso de IA. Pacheco prometeu aprovar o projeto de sua autoria até o final de abril.

Em entrevistas ao Aos Fatos, o presidente e o relator da comissão especial criada no Senado para debater o tema disseram estar alinhados ao prazo. Hoje é dia 13 de março.

Enquanto isso, a pauta da Câmara ficará travada a partir de terça (19) por quatro propostas do governo enviadas com urgência constitucional — estacionando outros projetos relacionados à economia, como o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) e a desoneração dos municípios.

No Senado, a CCJ aprovou hoje o projeto que foi acelerado como reação ao julgamento no STF da descriminalização das drogas. Um breve capítulo das instituições funcionando.

Após o recesso parlamentar, a partir de agosto, o Congresso entrará em clima de eleições.

O machismo, o abuso infantil, os crimes financeiros — enfim, a internet permanece infestada.

E o “PL das Fake News”, hein?

Tem tudo para subir no telhado de vez.

Colaborou Gisele Lobato.

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