Deputados do PL já publicaram desinformação sobre temas de comissões que irão presidir

Por Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes

7 de março de 2024, 17h45

Escolhidos na última quarta-feira (6) para presidir a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e a Comissão de Educação da Câmara, os deputados federais Caroline de Toni (PL-SC) e Nikolas Ferreira (PL-MG) já publicaram desinformação sobre temas relacionados às suas futuras funções. A escolha dos parlamentares foi vista como uma derrota do governo federal na Casa.

De Toni, que presidirá a comissão que decide sobre a constitucionalidade dos projetos apresentados, já publicou informações enganosas sobre assuntos como o direito à vacinação e o marco temporal, tese que busca restringir a demarcação de terras indígenas.

Já Ferreira usou desinformação para defender o legado educacional do governo Bolsonaro e para atacar medidas que buscavam ampliar a inclusão da população LGBTQIA+ em escolas.

Abaixo, Aos Fatos detalha as desinformações publicadas pelos parlamentares.

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CAROLINE DE TONI

Caroline de Toni é advogada e está em seu segundo mandato como deputada federal. Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), foi crítica às medidas de enfrentamento à Covid-19 e usou argumentos enganosos para defender os posicionamentos do ex-presidente.

Em abril, por exemplo, a deputada publicou, no X (ex-Twitter), que os governadores estariam “rasgando a Constituição da República” ao implementar “estado de exceção” nos estados. O argumento, semelhante ao usado por Bolsonaro para dizer que o STF (Supremo Tribunal Federal) teria retirado seus poderes para combater a pandemia de Covid-19, vai contra o artigo 18 da Constituição, que garante autonomia dos entes federativos.

Em 2020, o Supremo entendeu que os artigos da lei 13.979/2020, que dispunha sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, deveriam ser interpretados conforme a competência estabelecida pela Constituição, respeitando as autonomias estaduais, municipais e distritais. A Corte também decidiu que as administrações estaduais e municipais não dependem de autorização da União para tomar medidas de restrição de circulação durante a pandemia.

Recentemente, De Toni também tem defendido que a vacinação de crianças contra a Covid-19 deveria ser uma decisão dos pais e que a obrigatoriedade seria inconstitucional. Além de usar o argumento falso de que os imunizantes não têm eficácia comprovada, a fala da deputada também contraria o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e posicionamentos do STF sobre o assunto.

Tuíte de Carol de Toi diz que Constituição delega aos pais a obrigação de decidir ou não pela vacinação de seus filhos
Obrigatoriedade. De Toni defende que Constituição delegava aos pais decidir ou não pela vacinação, mas STF tem entendimento contrário desde 2020 (Reprodução/X)

Em um julgamento sobre pais veganos que se recusaram a vacinar o filho em 2020, o STF entendeu que crenças pessoais não se sobrepõem ao direito de defesa da vida e da saúde. Além disso, conforme a jurisprudência, “o direito brasileiro prevê a obrigatoriedade da vacinação. Atualmente, ela está prevista em diversas leis vigentes, como, por exemplo, a lei 6.259/1975 e a lei 8.069/1990. Tal previsão jamais foi reputada inconstitucional (…). É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico”.

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Marco Temporal. Coordenadora jurídica da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), De Toni tem como uma de suas principais bandeiras a defesa do marco temporal — tese que defende que apenas territórios que eram habitados por indígenas no momento da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988) podem ser demarcados.

Durante a discussão sobre o tema no STF, em setembro de 2023, a deputada chegou a dizer que “a decisão do Marco Temporal, que vem relativizar a propriedade privada e gerar uma imensa insegurança jurídica, vai trazer um banho de sangue no campo brasileiro. Temos milhares e milhares de famílias de pequenos agricultores que serão expropriadas de suas terras sem direito à indenização. E eles não querem indenização, eles querem ficar na terra”.

O argumento da deputada era que, caso a tese não fosse aprovada, 30% do território nacional passaria a ser ocupado por terras indígenas. A alegação é enganosa porque:

  1. A rejeição ao marco temporal não leva à aprovação automática de novos processos de demarcação;
  2. Ainda que houvesse uma aprovação automática dos processos em tramitação, a área destinada aos povos originários chegaria a 13,75% do território nacional.

Quando questionada pelo Aos Fatos em reportagem anterior, De Toni disse que a estimativa de 30% foi publicada pelo Observatório Jurídico do Agronegócio e se baseia na área média dos territórios indígenas já demarcados. A própria parlamentar, no entanto, admitiu que as terras em estudo não possuem polígono definido. “Qualquer afirmação antecipada do total de hectares de terras em estudo é precipitada e não oficial.”

O marco temporal foi aprovado pelo Congresso e promulgado no início deste ano. A legislação, no entanto, é contestada na Justiça porque o STF possui um entendimento anterior à lei de que a tese seria inconstitucional.

Além da Constituição. A deputada também publicou uma peça de desinformação referente ao direito ao aborto legal no Brasil que distorcia o Código Penal. Na semana passada, De Toni disse que o governo teria liberado o aborto em qualquer tempo gestacional por meio de uma nota técnica do Ministério da Saúde.

Publicação no Instagram de De Toni diz que ‘governo lula libera aborto em qualquer tempo gestacional para casos previstos em lei’
‘Liberou.’ Deputada foi uma das parlamentares que publicou desinformação sobre nota do Ministério da Saúde sobre aborto legal (Reprodução/Instagram)

Apesar de a nota ter sido suspensa, o texto não criava nenhuma nova lei. A proposta do documento era apenas esclarecer o que já é norma desde 1940 no país: que não há um prazo máximo na legislação brasileira para a interrupção de gravidez em casos previstos em lei — casos em que há risco de vida à mãe, em que a gravidez foi resultado de estupro ou que o feto é anencéfalo.

Vale ressaltar que De Toni também ajudou a disseminar uma suposta denúncia feita por Bolsonaro em março de 2020 de que ele teria sido eleito no primeiro turno das eleições de 2018. O ex-presidente nunca provou suas acusações.

De Toni compartilhou trecho de fala de Bolsonaro no qual ele diz que foi eleito no primeiro turno de 2018
Fraude. De Toni compartilhou acusação de fraude eleitoral que nunca foi provada por Bolsonaro (Reprodução/X)

Em agosto de 2021, a deputada também publicou que Bolsonaro havia feito revelações bombásticas sobre o sistema eleitoral brasileiro que justificariam a abertura de uma CPI da Urna Eletrônica.

A fala do ex-presidente ao qual De Toni se refere, no entanto, também era recheada de desinformação: Bolsonaro e o deputado Filipe Barros (PL-PR) distorceram informações de um inquérito sigiloso sobre uma suposta invasão do sistema do TSE em 2018 para sugerir fraude. O documento, no entanto, não apontava nenhuma alteração nos dados da urna.

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NIKOLAS FERREIRA

Eleito para seu primeiro mandato como deputado federal em 2022, Nikolas Ferreira tem formação em direito e foi vereador de Belo Horizonte (MG) entre 2020 e 2022. Sua atuação na área da educação se concentra na defesa de pautas morais, como o combate à “ideologia de gênero” e à doutrinação em escolas. Autor de declarações preconceituosas, o parlamentar também já usou desinformação para atacar medidas que previam a inclusão da população LGBTQIA+ em ambiente escolar.

Em vídeo publicado em 22 de setembro do ano passado, Ferreira compartilhou a desinformação de que o governo Lula (PT) teria “decretado os banheiros unissex” em escolas. A suposta prova apresentada pelo parlamentar era a resolução nº 2 do CNLGBTQIA+ (Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+), ligado ao MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania).

O documento, no entanto, não tinha poder de lei e apenas trazia recomendações para garantir a inclusão de pessoas transgênero, travestis, transexuais e de gênero não-binário em instituições de ensino.

 Vídeo mostra deputado Nikolas Ferreira lendo resolução que orienta governo a implementar banheiros de acordo com a identidade de gênero dos estudantes. Em legenda, parlamentar mente ao dizer que governo decretou obrigatoriedade da medida.
‘Ideologia de gênero.’ Em vídeo, parlamentar mente ao afirmar que governo Lula implementou banheiros unissex em escolas (Reprodução/Instagram)

Dias antes de publicar o vídeo enganoso, Ferreira também protocolou na Câmara um projeto de decreto legislativo que buscava sustar os efeitos da resolução. Na justificativa, ele afirma que o governo “extrapolou o seu poder de regulamentar” com o texto, que seria um atentado contra a dignidade humana.

Dentro do contexto de combate à “ideologia de gênero”, Ferreira também protagonizou uma cena transfóbica no plenário da Câmara durante o Dia Internacional da Mulher. A fala fez viralizar nas redes uma série de publicações transfóbicas em apoio ao parlamentar.

O parlamentar também usou desinformação para defender o legado educacional do governo Bolsonaro (PL). Em publicação no X em 9 de junho de 2022, Ferreira afirmou que “o governo federal realizou o maior aumento no piso salarial dos professores, desde o surgimento da lei do piso”.

Post em que o deputado Nikolas Ferreira afirma que Bolsonaro concedeu o maior aumento da história do piso salarial dos professores
Reajuste recorde. Em publicação, Nikolas Ferreira omite que aumento do piso do magistério determinado por Bolsonaro já era previsto em lei (Reprodução/X)

A fala, que faz referência ao aumento de 33,24% no piso salarial do magistério público determinada pelo governo Bolsonaro em 2022, omite que o governo apenas cumpriu o que era previsto na legislação. O reajuste anual do piso é determinado pela lei nº 11.738 e sua variação está vinculada ao aumento no valor anual por aluno no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

Projetos. Durante seu primeiro ano como parlamentar, Nikolas Ferreira também apresentou uma série de propostas que visavam combater uma suposta doutrinação ideológica nas escolas:

  • O deputado foi um dos responsáveis pelo PDL 204/2023, que pedia pela anulação de um trecho do decreto que criava o Programa Saúde na Escola para impedir ações de “promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva”. O projeto tramita atualmente na Comissão de Saúde;
  • Na justificativa, os parlamentares alegam que o ensino sobre saúde sexual e reprodutiva afronta o Estado Democrático de Direito, que proíbe o aborto, e que “inserir abordagem ideológica em conteúdos de ensino educacional extrapola o dever funcional do Estado”. A justificativa ainda mente para alegar que, apesar dos excludentes previstos em lei, não existe o direito ao aborto na legislação brasileira;
  • Em novembro de 2023, o deputado protocolou junto de outros parlamentares um requerimento de convocação do ministro da Educação, Camilo Santana, para “prestar esclarecimentos sobre questões político-ideológicas constantes na prova do ENEM que desqualificam o agronegócio brasileiro”;
  • A proposta foi acatada e, na audiência, realizada no fim daquele mês, Santana afirmou que as questões haviam sido produzidas durante o governo Bolsonaro;
  • Ferreira também foi um dos responsáveis por protocolar pedidos para a criação de duas frentes parlamentares: a da Defesa da Educação Sem Doutrinação Ideológica e a Contra a Sexualização Precoce de Crianças e Adolescentes.

Outro lado

Aos Fatos entrou em contato com os dois deputados na tarde desta quinta-feira (7). Até a publicação desta reportagem, no entanto, nenhum deles havia se posicionado.

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