Deputados do PL já publicaram desinformação sobre temas de comissões que irão presidir
Escolhidos na última quarta-feira (6) para presidir a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e a Comissão de Educação da Câmara, os deputados federais Caroline de Toni (PL-SC) e Nikolas Ferreira (PL-MG) já publicaram desinformação sobre temas relacionados às suas futuras funções. A escolha dos parlamentares foi vista como uma derrota do governo federal na Casa.
De Toni, que presidirá a comissão que decide sobre a constitucionalidade dos projetos apresentados, já publicou informações enganosas sobre assuntos como o direito à vacinação e o marco temporal, tese que busca restringir a demarcação de terras indígenas.
Já Ferreira usou desinformação para defender o legado educacional do governo Bolsonaro e para atacar medidas que buscavam ampliar a inclusão da população LGBTQIA+ em escolas.
Abaixo, Aos Fatos detalha as desinformações publicadas pelos parlamentares.
CAROLINE DE TONI
Caroline de Toni é advogada e está em seu segundo mandato como deputada federal. Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), foi crítica às medidas de enfrentamento à Covid-19 e usou argumentos enganosos para defender os posicionamentos do ex-presidente.
Em abril, por exemplo, a deputada publicou, no X (ex-Twitter), que os governadores estariam “rasgando a Constituição da República” ao implementar “estado de exceção” nos estados. O argumento, semelhante ao usado por Bolsonaro para dizer que o STF (Supremo Tribunal Federal) teria retirado seus poderes para combater a pandemia de Covid-19, vai contra o artigo 18 da Constituição, que garante autonomia dos entes federativos.
Em 2020, o Supremo entendeu que os artigos da lei 13.979/2020, que dispunha sobre medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública, deveriam ser interpretados conforme a competência estabelecida pela Constituição, respeitando as autonomias estaduais, municipais e distritais. A Corte também decidiu que as administrações estaduais e municipais não dependem de autorização da União para tomar medidas de restrição de circulação durante a pandemia.
Recentemente, De Toni também tem defendido que a vacinação de crianças contra a Covid-19 deveria ser uma decisão dos pais e que a obrigatoriedade seria inconstitucional. Além de usar o argumento falso de que os imunizantes não têm eficácia comprovada, a fala da deputada também contraria o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e posicionamentos do STF sobre o assunto.
Em um julgamento sobre pais veganos que se recusaram a vacinar o filho em 2020, o STF entendeu que crenças pessoais não se sobrepõem ao direito de defesa da vida e da saúde. Além disso, conforme a jurisprudência, “o direito brasileiro prevê a obrigatoriedade da vacinação. Atualmente, ela está prevista em diversas leis vigentes, como, por exemplo, a lei 6.259/1975 e a lei 8.069/1990. Tal previsão jamais foi reputada inconstitucional (…). É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico”.
Marco Temporal. Coordenadora jurídica da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), De Toni tem como uma de suas principais bandeiras a defesa do marco temporal — tese que defende que apenas territórios que eram habitados por indígenas no momento da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988) podem ser demarcados.
Durante a discussão sobre o tema no STF, em setembro de 2023, a deputada chegou a dizer que “a decisão do Marco Temporal, que vem relativizar a propriedade privada e gerar uma imensa insegurança jurídica, vai trazer um banho de sangue no campo brasileiro. Temos milhares e milhares de famílias de pequenos agricultores que serão expropriadas de suas terras sem direito à indenização. E eles não querem indenização, eles querem ficar na terra”.
O argumento da deputada era que, caso a tese não fosse aprovada, 30% do território nacional passaria a ser ocupado por terras indígenas. A alegação é enganosa porque:
- A rejeição ao marco temporal não leva à aprovação automática de novos processos de demarcação;
- Ainda que houvesse uma aprovação automática dos processos em tramitação, a área destinada aos povos originários chegaria a 13,75% do território nacional.
Quando questionada pelo Aos Fatos em reportagem anterior, De Toni disse que a estimativa de 30% foi publicada pelo Observatório Jurídico do Agronegócio e se baseia na área média dos territórios indígenas já demarcados. A própria parlamentar, no entanto, admitiu que as terras em estudo não possuem polígono definido. “Qualquer afirmação antecipada do total de hectares de terras em estudo é precipitada e não oficial.”
O marco temporal foi aprovado pelo Congresso e promulgado no início deste ano. A legislação, no entanto, é contestada na Justiça porque o STF possui um entendimento anterior à lei de que a tese seria inconstitucional.
Além da Constituição. A deputada também publicou uma peça de desinformação referente ao direito ao aborto legal no Brasil que distorcia o Código Penal. Na semana passada, De Toni disse que o governo teria liberado o aborto em qualquer tempo gestacional por meio de uma nota técnica do Ministério da Saúde.
Apesar de a nota ter sido suspensa, o texto não criava nenhuma nova lei. A proposta do documento era apenas esclarecer o que já é norma desde 1940 no país: que não há um prazo máximo na legislação brasileira para a interrupção de gravidez em casos previstos em lei — casos em que há risco de vida à mãe, em que a gravidez foi resultado de estupro ou que o feto é anencéfalo.
Vale ressaltar que De Toni também ajudou a disseminar uma suposta denúncia feita por Bolsonaro em março de 2020 de que ele teria sido eleito no primeiro turno das eleições de 2018. O ex-presidente nunca provou suas acusações.
Em agosto de 2021, a deputada também publicou que Bolsonaro havia feito revelações bombásticas sobre o sistema eleitoral brasileiro que justificariam a abertura de uma CPI da Urna Eletrônica.
A fala do ex-presidente ao qual De Toni se refere, no entanto, também era recheada de desinformação: Bolsonaro e o deputado Filipe Barros (PL-PR) distorceram informações de um inquérito sigiloso sobre uma suposta invasão do sistema do TSE em 2018 para sugerir fraude. O documento, no entanto, não apontava nenhuma alteração nos dados da urna.
NIKOLAS FERREIRA
Eleito para seu primeiro mandato como deputado federal em 2022, Nikolas Ferreira tem formação em direito e foi vereador de Belo Horizonte (MG) entre 2020 e 2022. Sua atuação na área da educação se concentra na defesa de pautas morais, como o combate à “ideologia de gênero” e à doutrinação em escolas. Autor de declarações preconceituosas, o parlamentar também já usou desinformação para atacar medidas que previam a inclusão da população LGBTQIA+ em ambiente escolar.
Em vídeo publicado em 22 de setembro do ano passado, Ferreira compartilhou a desinformação de que o governo Lula (PT) teria “decretado os banheiros unissex” em escolas. A suposta prova apresentada pelo parlamentar era a resolução nº 2 do CNLGBTQIA+ (Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+), ligado ao MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania).
O documento, no entanto, não tinha poder de lei e apenas trazia recomendações para garantir a inclusão de pessoas transgênero, travestis, transexuais e de gênero não-binário em instituições de ensino.
Dias antes de publicar o vídeo enganoso, Ferreira também protocolou na Câmara um projeto de decreto legislativo que buscava sustar os efeitos da resolução. Na justificativa, ele afirma que o governo “extrapolou o seu poder de regulamentar” com o texto, que seria um atentado contra a dignidade humana.
Dentro do contexto de combate à “ideologia de gênero”, Ferreira também protagonizou uma cena transfóbica no plenário da Câmara durante o Dia Internacional da Mulher. A fala fez viralizar nas redes uma série de publicações transfóbicas em apoio ao parlamentar.
O parlamentar também usou desinformação para defender o legado educacional do governo Bolsonaro (PL). Em publicação no X em 9 de junho de 2022, Ferreira afirmou que “o governo federal realizou o maior aumento no piso salarial dos professores, desde o surgimento da lei do piso”.
A fala, que faz referência ao aumento de 33,24% no piso salarial do magistério público determinada pelo governo Bolsonaro em 2022, omite que o governo apenas cumpriu o que era previsto na legislação. O reajuste anual do piso é determinado pela lei nº 11.738 e sua variação está vinculada ao aumento no valor anual por aluno no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).
Projetos. Durante seu primeiro ano como parlamentar, Nikolas Ferreira também apresentou uma série de propostas que visavam combater uma suposta doutrinação ideológica nas escolas:
- O deputado foi um dos responsáveis pelo PDL 204/2023, que pedia pela anulação de um trecho do decreto que criava o Programa Saúde na Escola para impedir ações de “promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva”. O projeto tramita atualmente na Comissão de Saúde;
- Na justificativa, os parlamentares alegam que o ensino sobre saúde sexual e reprodutiva afronta o Estado Democrático de Direito, que proíbe o aborto, e que “inserir abordagem ideológica em conteúdos de ensino educacional extrapola o dever funcional do Estado”. A justificativa ainda mente para alegar que, apesar dos excludentes previstos em lei, não existe o direito ao aborto na legislação brasileira;
- Em novembro de 2023, o deputado protocolou junto de outros parlamentares um requerimento de convocação do ministro da Educação, Camilo Santana, para “prestar esclarecimentos sobre questões político-ideológicas constantes na prova do ENEM que desqualificam o agronegócio brasileiro”;
- A proposta foi acatada e, na audiência, realizada no fim daquele mês, Santana afirmou que as questões haviam sido produzidas durante o governo Bolsonaro;
- Ferreira também foi um dos responsáveis por protocolar pedidos para a criação de duas frentes parlamentares: a da Defesa da Educação Sem Doutrinação Ideológica e a Contra a Sexualização Precoce de Crianças e Adolescentes.
Outro lado
Aos Fatos entrou em contato com os dois deputados na tarde desta quinta-feira (7). Até a publicação desta reportagem, no entanto, nenhum deles havia se posicionado.