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STF diminui o próprio alcance ao refutar mentira sobre o artigo 142 no plenário virtual

Por Alexandre Aragão

3 de abril de 2024, 18h52

Durante quatro anos, a editora Amanda Ribeiro analisou todos os dias as principais declarações do então presidente Jair Bolsonaro (PL) — o que a tornou uma especialista no discurso dele, uma “bolsonaróloga” consultada por todos do Aos Fatos.

Em 1.459 dias como presidente, Bolsonaro deu 6.685 declarações falsas ou distorcidas, boa parte checadas por Ribeiro, que foi a principal responsável por manter o contador de declarações.

Por incrível que pareça, uma das pedras-angulares do bolsoverso — a de que o artigo 142 da Constituição Federal prevê que as Forças Armadas atuem como uma espécie de poder moderador — não apareceu em discursos e entrevistas do ex-presidente.

A única declaração garimpada pela editora do Aos Fatos em que Bolsonaro cita explicitamente o “artigo 142” é da época em que ele ainda era deputado, durante protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT). Na ocasião, ele disse: “Em 2019, quem chegar lá [na Presidência] de boa fé vai precisar do apoio das Forças Armadas para governar, o artigo 142 ao seu lado, para a manutenção da lei e da ordem”.

Apesar de ter sido uma das lorotas mais espalhadas nas redes a fim de insuflar um golpe de Estado — com alcance incalculável —, a versão falsa sobre o que diz a Constituição se tornou verdade entre apoiadores com o empuxo dos algoritmos, mas sem que o ex-presidente precisasse citar o termo específico ou o trecho da lei.

Agora, em abril de 2024, o Supremo Tribunal Federal busca consagrar em papel timbrado o que muita gente já repete há bastante tempo — não, o artigo 142 da Constituição não permite que quem estiver na Presidência da República decrete intervenção militar.

Em momentos convenientes, ministros do STF aproveitaram julgamentos transmitidos pela TV Justiça para passar recados a atores políticos e instituições, como a Plataforma #11 mostrou (🎬 Luz, câmera, ação penal).

Quando o Supremo ampliou o uso do plenário virtual para julgar todos os tipos de ações, durante a pandemia de Covid-19, dezenas de advogados, incluindo seis ex-ministros do tribunal, criticaram a escolha por entender que ela diminui a publicidade e tende a cercear o direito da defesa. O mecanismo foi aprimorado, mas agora faz parte do novo normal.

Desta forma, o plenário em que um julgamento se dará — o físico, que foi destruído durante a tentativa de golpe de Estado, ou o virtual, que fica onde os ministros estiverem — influencia também como ele repercutirá, principalmente nas redes. Não haverá cortes dos ministros falando sobre artigo 142 por aí, mas os votos escritos estão disponíveis para quem quiser ler ou apurar reportagens.

Em uma análise sobre a atuação do tribunal no auge da pandemia, publicada no JOTA, Flávia Maia e Felipe Recondo escreveram que “várias questões sensíveis foram direcionadas para o plenário virtual pelos relatores, fazendo com que a decisão resultasse do somatório de votos escritos disponibilizados no sistema eletrônico do tribunal e, portanto, sem interação dos ministros em público, sem debates, mas não necessariamente sem a devida publicidade e debate na opinião pública”.

Mesmo que reportagens na imprensa reforcem o que os ministros pensam e decidiram sobre o tema, a falta do elemento audiovisual é determinante para que algo circule ou deixe de circular nas redes.

No caso do julgamento sobre o artigo 142, a escolha pelo plenário virtual também é uma forma de não desagradar militares, como o comandante do Exército, general Tomás Paiva, que mantém conversas frequentes com o ministro Alexandre de Moraes, conforme reportagem do Globo.

Em entrevista ao jornal, Paiva disse concordar com o Supremo: “É um entendimento sem questionamento. Mostra que o texto constitucional está consolidado e não existe poder moderador no Brasil. Esse entendimento, na minha opinião, fortalece o texto constitucional, com aquilo que pode e não pode ser feito pelas Forças. As Forças não são poder de nada”.

Se em alguns casos a opção pelo plenário virtual pode ajudar na harmonia entre os atores institucionais, o outro lado da moeda é que o STF abre mão do alcance que poderia dar a suas decisões por escolhas estratégicas. Agora que a poeira do 8 de Janeiro baixou, parece mais conveniente deixar a TV Justiça fora disso — e desmentir a lorota sobre o artigo 142 apenas nos autos.

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