🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Argentina é novo laboratório de velhas mentiras sobre fraude eleitoral

Por Tai Nalon

17 de novembro de 2023, 11h30

Aviso: este texto é uma análise e foi publicado originalmente na newsletter O Digital Disfuncional.

#16 | 🇦🇷 Mentiras hermanas

A Argentina conhecerá seu novo presidente a partir de domingo (19), mas muitas das mentiras que circulam nas redes sociais são velhas conhecidas nossas. A retórica da fraude eleitoral, antes mesmo de abrirem as urnas, é familiar a quem viveu o Brasil dos últimos cinco anos, no mínimo.

Os tipos de desinformação mais populares nas redes exploram a vulnerabilidade do voto em cédula, manual. Diferentemente dos brasileiros, os argentinos votam em papéis (sim, no plural), e isso abre todo um novo horizonte desinformativo com o objetivo de desacreditar a segurança do voto. No entanto, a disseminação de boatos sobre fraude eleitoral pouco tem a ver com o sistema de votação, mas com a retórica inaugurada pelo bolso-trumpismo no continente, usada como vacina para desfechos pouco favoráveis ao candidato identificado com essa ala da direita contemporânea. Há tantas semelhanças, que até as mesmas histórias são usadas para enganar.

De acordo com o site de checagem de fatos argentino Chequeado, as narrativas mentirosas sobre fraude eleitoral envolvem imagens de cédulas rasuradas, rasgadas ou substituídas por versões falsas, além de urnas abertas de modo supostamente incorreto. Apesar do alcance da ordem dos milhões de tais mentiras, a Justiça Eleitoral da Argentina recebeu apenas 105 denúncias de fraude no primeiro turno, em outubro, número considerado dentro da normalidade.

Nas redes como um todo, mas sobretudo no Tiktok, um vídeo que mostra uma ficha com resultados parciais sem que haja votos para o candidato da extrema-direita, Javier Milei, levanta suspeitas de fraude. Só que isso não prova nada: "os dados completos da apuração provisória revelam que em mais de 7 mil mesas, pelo menos um partido político não obteve votos, e os três principais candidatos terminaram com zero votos em quase 1.700 mesas cada um: 1,5% do total de mais de 108 mil mesas habilitadas", diz a coalizão de checagem Reverso.

A estratégia de levantar suspeita com informações incompletas sobre a contagem dos votos foi usada durante as eleições de 2022 e de 2018 no Brasil. Em 2018, boletins de urna alterados digitalmente circularam no Facebook, no Twitter e no WhatsApp dando a entender que haveria mais votos do que votantes em determinada seção – o que atestaria fraude e foi provado ser falso. Em 2022, Aos Fatos checou quase uma dezena de alegações de fraude como essas, em que boletins de urna teriam mais votos do que eleitores ou não teriam registrado votos, além de outras suspeitas indigentes. De Sete Lagoas a Toronto, de Petrópolis a Miami, eleitores brasileiros acreditavam ser fraude um procedimento normal de totalização de votos.


Primeira vez por aqui? Assine de graça 'O Digital Disfuncional' e receba análises exclusivas e bastidores sobre a relação entre a tecnologia e a política.


Outra desinformação comum, segundo o Chequeado, foi a atribuição enganosa de imagens de pessoas com camisas da seleção argentina a uma ilusória "marcha contra a fraude eleitoral" multitudinária. Tratava-se, no entanto, de uma comemoração pela Copa do Mundo de 2022 na cidade de Rosário. Embora tenha de fato existido tal marcha, não reuniu quantidade equivalente de pessoas – pelo contrário.

Falsas atribuições de multidões vestidas com a camisa da seleção brasileira são mato. Neste caso, porém, tal patriotada tem menos a ver com futebol e mais a ver com o fato de a cor amarela ter sido apropriada por setores da direita brasileira como uniforme em manifestações golpistas. Foram várias as desinformações acerca da quantidade de pessoas vestidas de amarelo que de fato apoiavam, em determinadas circunstâncias, a agenda antidemocrática do bolsonarismo. Já teve ato do Sete de Setembro atribuído a manifestação posterior à eleição de Lula; teve manifestação de 2018 atribuída a ato contra fraude eleitoral que nunca existiu; teve um monte de manifestação de 2021 atribuída a 2022, e o inverso também; teve até manifestação pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff atribuída à pauta bolsonarista.

Até o Spotify tem suas versões hermanas de Allan dos Santos e Monark: Marcos Keppes, apresentador de um podcast hospedado na plataforma, diz que houve fraude eleitoral na eleição argentina. No podcast Mira quién habla, seu apresentador denuncia irregularidades inexistentes durante a votação. A ausência de moderação é também um ponto em comum.

De acordo com o Chequeado, com dados da consultoria de comunicação argentina AdHoc, publicações em redes sociais com a palavra "fraude" cresceram 400% entre 22 e 31 de outubro – semana seguinte ao primeiro turno. Incremento nessa retórica também foi visto no Brasil antes das eleições de 2022: a partir de junho do ano passado até janeiro deste ano, o Radar Aos Fatos, em parceria com o Washington Post, havia detectado aumento de 1.278% em publicações golpistas no Twitter, 281% no WhatsApp, 115% no YouTube e 71% no Facebook. Esses conteúdos incluem porém não se resumem a alegações de fraude eleitoral.

A repetição dessas estratégias não é mera coincidência, ainda mais porque o principal embaixador da desinformação eleitoral deste continente chefia a campanha de Javier Milei. Fernando Cerimedo esteve no centro da conspiração bolsonarista contra o resultado das eleições presidenciais de 2022 no Brasil. Protagonizou um vídeo com mais de 400 mil visualizações simultâneas no YouTube, a partir do canal do site Derecha Diario, em que dizia, entre outras coisas, que as urnas eletrônicas brasileiras de antes de 2020 não eram passíveis de auditoria – o que lançava dúvida sobre a segurança do voto da parcela de eleitores que usou esses modelos. Essa credencial, aliada à proximidade com a família Bolsonaro, alçou Cerimedo à campanha presidencial argentina.

À reportagem colaborativa coordenada pelo CLIP (Centro Latinoamericano de Investigación Periodística), Cerimedo admitiu usar "muitos trolls". Ele afirma, todavia, que não os emprega para atacar adversários políticos ou dar likes em publicações de seus candidatos, mas sim para enganar os algoritmos e, dessa forma, aumentar a visibilidade de seus clientes nas redes.

É difícil prever o resultado das eleições argentinas. O candidato peronista Sergio Massa e seu adversário, Javier Milei, estão separados por algo em torno de um a seis pontos percentuais, a depender da pesquisa. Até a liderança não está clara. O que se sabe, porém, é que estratégias eleitorais baseadas em mentiras industriais não são mais tão imprevisíveis assim. O golpe tá aí, cai quem quer – e salve-se quem puder

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.