🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2022. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

As mentiras sobre a urna eletrônica divulgadas por site argentino a partir de texto apócrifo

Por Amanda Ribeiro, João Barbosa e Luiz Fernando Menezes

7 de novembro de 2022, 15h44

Diversas alegações falsas sobre a urna eletrônica e o sistema eleitoral brasileiro, com o objetivo de colocar em dúvida o resultado da eleição presidencial, foram disseminadas a partir de um texto apócrifo de 70 páginas que ganhou projeção na sexta-feira (4), durante transmissão do site argentino La Derecha Diario, no YouTube, com mais de 400 mil visualizações simultâneas.

O pretenso relatório afirma de forma enganosa que os modelos de urna pré-2020 não são passíveis de auditoria — o que é falso, já que todos eles passaram por testes públicos de segurança e foram validados por auditores independentes. Não há relação entre os modelos de urnas e as votações unânimes para Jair Bolsonaro (PL) ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em determinadas seções eleitorais, e o código-fonte é o mesmo independentemente do equipamento utilizado.

Desinformações disseminadas pelo La Derecha Diario sobre a pandemia, o atentado contra a vice-presidente argentina Cristina Kirchner e as eleições brasileiras já foram checadas outras vezes. A transmissão de sexta (4) foi derrubada pelo YouTube, e o canal não está mais disponível no Brasil, por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Confira, abaixo, o que checamos:

  1. Não é verdade que todos os modelos de urnas eletrônicas usados nas eleições de 2022, exceto o mais atual (UE2020), não foram auditados;
  2. Também é incorreta a relação feita pelo relatório entre os modelos das urnas eletrônicas e os percentuais de votação de Lula e Bolsonaro. O presidente, no segundo turno, conseguiu uma votação unânime em duas seções que utilizaram urnas antigas;
  3. É falso que diferenças nos logs das urnas mostram que foram utilizados dois software e dois códigos-fonte diferentes nas eleições.


Selo falso

As eleições de 2022 usaram modelos de urna antigos que não são passíveis de auditoria.

Uma das principais alegações do texto apócrifo é que a maior parte dos modelos de urna eletrônica usados no pleito não passaram por testes de segurança e não são passíveis de auditoria, o que é falso. De acordo com o TSE, foram usadas nas últimas eleições os modelos de urna 2020, 2015, 2013, 2011, 2010 e 2009. À exceção do modelo mais recente, que foi auditado apenas por especialistas de universidades públicas, todas as versões do equipamento passaram pelo TPS (Teste Público de Segurança) do TSE e foram consideradas seguras por auditores independentes.

Na última edição do TPS, realizada em 2021, foram avaliadas as urnas de modelo 2015. As versões anteriores, 2013, 2011 e 2009, passaram pelo mesmo teste em anos anteriores. Após os testes, as possíveis vulnerabilidades apontadas são examinadas pelo TSE, que implementa as mudanças necessárias e submete os equipamentos a um novo Teste de Confirmação com especialistas.

A urna modelo 2020, que é apontada pelo texto apócrifo como a única passível de auditoria, não passou pelo TPS, mas foi examinada por especialistas da USP (Universidade de São Paulo), da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), que não verificaram qualquer código malicioso ou indício de corrupção no código-fonte. A análise foi feita a partir de pedido do Ministério da Defesa, que reconheceu os resultados da auditoria.

Em nota enviada ao Aos Fatos, o TSE ressaltou que todas as urnas, à exceção do modelo 2020, foram usadas nas eleições de 2018, vencidas por Bolsonaro. O tribunal também afirmou que “o software em uso nos equipamentos antigos é o mesmo empregado nos equipamentos mais novos (UE2020) e que esse sistema foi amplamente aberto para auditoria dentro e fora do TSE desde o ano passado”.


Selo falso

Bolsonaro não recebeu nenhum voto em urnas antigas, que não passaram por auditoria

Além de partir de uma premissa falsa, já que todos os modelos de urna utilizados nas eleições de 2022 foram auditados, a alegação também engana ao estabelecer uma relação falsa entre votações unânimes em determinados candidatos e o modelo do equipamento naquelas seções. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), “a votação em cada local se dá de acordo com realidade daquela região, sem qualquer vínculo com o modelo de urna empregado”. Além disso, Aos Fatos apurou que urnas antigas, de 2009 e 2010, registraram 100% dos votos tanto para Lula como para Bolsonaro.

No primeiro turno, Lula recebeu todos os votos em 36 seções, de acordo com levantamento do Nexo, enquanto Bolsonaro não recebeu votação unânime em nenhuma. No segundo turno, o petista angariou todos os votos em 71 seções eleitorais e Bolsonaro conseguiu 100% em três seções: uma em Charrua (RS) e duas em Caracas, na Venezuela. Nessas urnas, foram utilizadas, respectivamente, os modelos de 2010 e de 2009. Duas das seções em que Lula teve votação unânime também utilizaram esses modelos: Itinga (MG) usou a de 2009 e Pilão Arcado (BA), a de 2010.

A seção de Confresa (MT) citada pelo relatório, em que Lula recebeu 100% dos votos no primeiro turno, fica em uma comunidade indígena e seus representantes confirmaram a votação unânime em nota divulgada nas redes sociais.


Selo falso

Diferenças nos logs das urnas mostram que foram usados dois software e dois códigos-fonte diferentes

O texto apócrifo também usa uma suposta diferença em linhas nos logs de duas urnas eletrônicas para dizer que foram usados software e códigos-fonte diferentes, o que é falso. O log de uma urna eletrônica é o conjunto de registros cronológicos de todas as operações realizadas nela. O TSE explicou ao Aos Fatos que as diferenças podem estar associadas aos comandos aplicados na operação daquela urna em específico e ao modelo do equipamento.

“O software é único para todas as urnas. E essa unicidade e autenticidade são garantidas pelo próprio equipamento, que conta com hardware de segurança especialmente projetado para validar assinaturas digitais, de modo a garantir que a urna só funciona com o software auditado e submetido à cerimônia de lacração”, disse o tribunal em nota.

O mestre em engenharia da computação Lucas Lago corrobora as alegações do TSE. “Esses logs aparentemente se referem a um momento que o usuário está carregando informações na urna, ocorrem inclusive uma semana antes das eleições. Por serem logs da interação da urna com o usuário do TSE é claro que podem haver divergências em como a urna se comporta. Afinal, podem ter divergências em como o usuário se comporta”, ele escreveu no Twitter.

Os sistemas eleitorais são apresentados às entidades fiscalizadoras nas cerimônias de assinatura digital e lacração. Depois, os cartórios começam a carregar os sistemas das urnas — não é possível colocar outro tipo de software além dos assinados e lacrados, pois isso faz com que a urna pare de funcionar.


os responsáveis pela live

O texto apócrifo circulava em grupos de Telegram e WhatsApp bolsonaristas após a derrota do presidente no segundo turno, em 30 de outubro, mas ganhou relevância após ser divulgado no canal de YouTube argentino La Derecha Diario, que tem 116 mil inscritos e se descreve como um “meio alternativo à hegemonia da esquerda”. O conteúdo foi retirado do ar pelo TSE e o canal está atualmente indisponível no Brasil, mas trechos do vídeo seguem circulando nas redes.

O responsável pelo canal, Fernando Cerimedo, é apoiador de Bolsonaro e disse em entrevista ser amigo do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) desde 2010. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, Eduardo Bolsonaro se encontrou com Cerimedo em Buenos Aires entre o primeiro e o segundo turno da eleição, no dia 13 de outubro. O parlamentar já concedeu entrevista ao canal argentino em duas ocasiões, neste ano e no ano passado. O presidente Jair Bolsonaro falou ao canal em setembro de 2021.

Em outras ocasiões, o canal divulgou desinformação sobre a pandemia e a política argentina. Em maio de 2020, a agência Chequeado desmentiu um vídeo descontextualizado atribuído a um protesto contra as medidas de restrição de atividades. Em setembro deste ano, após o atentado contra a vice-presidente Cristina Kirchner, a agência desmentiu uma postagem do La Derecha Diario que alegava que um veículo havia noticiado a tentativa de assassinato horas antes de esta ocorrer.

O La Derecha Diario também publicou desinformação sobre as eleições presidenciais brasileiras. Em 20 de outubro, pouco antes do segundo turno, o Chequeado desmentiu um recorte descontextualizado do debate da Band, ocorrido no dia 16, que afirmava que Lula teria ficado nervoso e sem palavras diante de Bolsonaro.

Referências:

1. O Globo (1 e 2)
2. TSE (1, 2 e 3)
3. Justiça Eleitoral (1, 2 e 3)
4. O Estado de S. Paulo (1 e 2)
5. Correio Braziliense
6. Nexo (1 e 2)
7. Aos Fatos (1 e 2)
8. Twitter (@lucaslago)
9. Noticias
10. Chequeado (1, 2 e 3)

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