O número de casos confirmados de Covid-19 no Brasil já passa de 7 milhões e o de óbitos se aproxima de 190 mil desde que a primeira infecção foi confirmada no país, em 26 de fevereiro de 2020. Entretanto, muitos ainda questionam as medidas de prevenção, difundem desinformação sobre medicamentos sem eficácia comprovada, duvidam das vacinas e minimizam os impactos da doença. Neste cenário, o Aos Fatos reuniu informações atualizadas sobre o que, de fato, se sabe sobre quatro temas que recorrentemente são questionados por nossos leitores:
1. Medicamentos podem prevenir ou tratar a Covid-19?
2. As vacinas testadas causam modificações no organismo?
3. O uso de máscaras pode prejudicar a saúde?
4. A Covid-19 é só uma gripezinha?
1. Medicamentos podem prevenir ou tratar a Covid-19?
Não há nenhum remédio recomendado para prevenir a Covid-19, segundo entidades como OMS (Organização Mundial da Saúde), FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora de medicamentos e alimentos dos EUA) e CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), órgão de saúde dos EUA. As orientações para a prevenção continuam sendo distanciamento físico, uso de máscaras, presença em ambientes bem ventilados e higienização das mãos.
Ou seja, apesar de propagadas por políticos e difundidas por peças de desinformação, diversas substâncias ainda estão sendo estudadas contra o novo coronavírus e a maioria delas não tem apresentado resultados promissores para tratar ou prevenir a infecção.
Corticosteróides. Desde setembro, a OMS recomenda para o tratamento de pacientes em estado grave e crítico o uso de corticosteróides como dexametasona e prednisona. A recomendação foi implementada após o projeto Recovery, maior ensaio clínico do Reino Unido, mostrar que, para pacientes com ventiladores mecânicos, o tratamento reduziu a mortalidade em quase um terço, e, para os que requerem apenas oxigênio, caiu em cerca de um quinto. No Brasil, médicos já têm receitado corticosteróides para pacientes graves com Covid-19.
Cloroquina e hidroxicloroquina. Apesar do uso autorizado no Brasil para tratar Covid-19, a cloroquina e sua derivada, a hidroxicloroquina, continuam sem resultados satisfatórios em pesquisas para tratar a enfermidade. Em junho, o fármaco foi retirado do Solidarity Trial, programa de pesquisas com remédios que a OMS coordena com 21 países, por não ter apresentado redução na mortalidade de pacientes hospitalizados. A última publicação feita pelo Recovery, em outubro, também demonstra ineficácia para tratar a Covid-19. A droga tem comprovação científica para tratar malária, lúpus e artrite reumatóide.
Ivermectina. Indicada para tratar verminoses e infestação de ácaros e insetos, como o piolho, a droga não tem evidências comprovadas de que pode ser benéfica para tratar a Covid-19. Em 9 de dezembro, a Sociedade Brasileira de Infectologia reforçou que não recomenda o seu uso contra o coronavírus, porque os estudos clínicos randomizados com grupo controle já feitos não mostraram resultados positivos.
Azitromicina. Resultados preliminares divulgados pelo Recovery em 14 de dezembro apontam que a droga não trouxe benefícios a pacientes com Covid-19. Como é um antibiótico, ela atua contra bactérias, não contra vírus, caso do Sars-CoV-2, causador da Covid-19. De acordo com a OMS, os antibióticos podem ser usados por pacientes com novo coronavírus quando há algum caso de coinfecção por bactérias.
Remdesivir. Em novembro, a OMS desaconselhou o uso do antiviral remdesivir, por não ter apresentado resultados significativos na diminuição da mortalidade nem na redução do tempo de internação. Além disso, o custo é elevado. No entanto, o antiviral é usado nos EUA desde outubro em pacientes internados.
Anitta. Em outubro, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação divulgou que o vermífugo nitazoxanida, conhecido comercialmente como annita, havia demonstrado eficácia contra Covid-19 por reduzir a carga viral. O estudo foi publicado em pré-print, quando ainda precisa de revisão de pares, e recebeu críticas de outros pesquisadores por apresentar falhas, como a exclusão de voluntários que apresentaram eventos adversos. A Sociedade Brasileira de Infectologia não recomenda o uso da annita. Além disso, a droga ainda não aparece nos protocolos do Ministério da Saúde.
2. As vacinas testadas para Covid-19 podem causar alguma modificação no corpo?
O Aos Fatos desmentiu ao longo do ano publicações que difundiam que as vacinas contra a Covid-19 que estão sendo desenvolvidas podem causar mais danos do que benefícios, modificando até mesmo o nosso material genético. Veja a seguir o que é ou não verdade sobre as imunizações.
DNA. Nenhuma das vacinas em desenvolvimento provoca alteração no DNA humano. O que alguns imunizantes, como os da Pfizer e da Moderna, fazem é apenas inserir um gene do Sars-CoV-2 no corpo para estimular o sistema imune. Esse mecanismo não interfere no nosso código genético, e o RNA, composto do vírus inserido, se decompõe rapidamente após cumprir sua função. Apesar de ser a primeira vez que esse tipo de tecnologia é usada para humanos, ela já é aplicada na veterinária e não interfere no genoma do receptor.
Chip. As vacinas que estão em estudos ou produção também não contêm chips em suas composições. Fernando Hellmann, professor do departamento de saúde pública da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) que atua na área de bioética, explicou ao Aos Fatos que, mesmo que um nanochip fosse inserido no corpo humano, ainda não haveria possibilidade técnica de controlar pessoas por meio desses dispositivos.
Efeitos colaterais. Muitos questionamentos também têm sido feitos sobre os efeitos colaterais das vacinas, principalmente sobre as que estão sendo testadas no Brasil, CoronaVac e a de Oxford/AstraZeneca, e a da Pfizer, que já está sendo aplicada em alguns países. Até o momento, nenhuma delas apresentou efeito colateral relevante ou em grande escala.
Em relação à CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, não houve efeitos adversos graves nas duas primeiras fases do ensaio clínico. Um estudo publicado na revista científica The Lancet em novembro mostrou que na fase 1 a taxa de efeitos adversos ficou entre 13% e 38%, com predomínio de sintomas leves, como dor no local da injeção. Foi classificado como grave e possivelmente relacionado à vacina um caso de urticária. O participante foi medicado, se recuperou e não apresentou reação na segunda dose.
Resultados publicados em 8 de dezembro na The Lancet mostram que a vacina de Oxford, que poderá ser produzida em parceria com a Fiocruz, não apresentou nenhum efeito adverso grave ou morte. Durante os testes, 175 eventos graves foram observados, dos quais três poderiam ter relação com a vacinação.
A vacina da Pfizer, que começou a ser aplicada no Reino Unido em 8 de dezembro e nos EUA, no dia 14, teve como principais eventos adversos dor no local da injeção (84,1%), fadiga (62,9%), dor de cabeça (55,1%) e dor muscular (38,3%). Um efeito grave observado em quatro participantes do grupo vacinado durante a pesquisa foi paralisia facial, geralmente temporária e não grave. Ainda não há como concluir que haja relação com a vacina. O CDC (Centers for Disease Control and Prevention, ou Centro para Controle e Prevenção de Doenças) informou no dia 19 que seis pessoas desenvolveram anafilaxia, reação alérgica grave, após receberem a vacina. Os casos estão sendo investigados, assim como uma eventual ligação com o medicamento. O FDA, que liberou o imunizante nos EUA, recomendou vigilância na população em geral.
3. O uso de máscaras pode prejudicar a saúde?
O uso de máscaras de proteção é recomendado pela OMS e pelo CDC como uma estratégia complementar para evitar que o novo coronavírus se espalhe, uma vez que ele está presente em gotículas respiratórias. Artigo publicado na revista científica Nature em outubro mostrou em uma projeção que, se 95% da população dos EUA usasse máscara em público, 129.574 mortes causadas por Covid-19 poderiam ser evitadas até o fim de fevereiro de 2021.
Estudo publicado em agosto aponta que o grau de contaminação depende de um conjunto de fatores. Por exemplo, se alguém de máscara estiver em um lugar lotado, com pouca ventilação e pessoas falando alto ou cantando, há um risco de transmissão que aumenta conforme a pessoa fica mais tempo no local. A publicação apresenta um quadro explicativo sobre os riscos em diferentes situações e ambientes.
As máscaras recomendadas são as N95 (Pff2), cirúrgicas e de tecido. Em entrevista para Aos Fatos, Vitor Mori, físico e engenheiro biomédico, disse que independente do tipo, é importante que elas sejam bem ajustadas no rosto para evitar vazamentos. Em relação às caseiras, é necessário ter mais de uma camada de tecido.
Mesmo com evidências de que as máscaras diminuem a circulação do vírus, a desinformação sobre a proteção tem sido recorrente desde que elas passaram a ser recomendadas, em abril.
Excesso de CO2. É falso, por exemplo, que a máscara interfira nas trocas gasosas e faça com que você respire mais gás carbônico, causando hipóxia. Um estudo publicado em outubro na American Thoracic Society mostrou que elas não causam superexposição ao CO2. Foi observado que os efeitos nas trocas gasosas foram mínimos, mesmo em pessoas com doença pulmonar grave.
Médicos que conversaram com o Aos Fatos no decorrer de 2020 já haviam dito que o problema não existe. Nem mesmo em ambientes fechados, conforme explicou Ilma Paschoal, médica pneumologista professora da Unicamp, em uma checagem de maio.
Imunidade. A queda da imunidade também foi desmentida, pois, mesmo que houvesse acidez no sangue, isso não prejudicaria a capacidade de imunização do corpo. “[A acidose] leva a sintomas como dor de cabeça, náuseas, cansaço e confusão mental”, disse Frederico Fernandes, médico pneumologista, em checagem de setembro.
Outra desinformação permanente mesmo com o número crescente de casos e mortes por Covid-19 é que a doença não seria grave. Alimentada pelo presidente Jair Bolsonaro, essa narrativa tenta minimizar o impacto da pandemia muitas vezes mostrando comparações incorretas e distorcidas a partir de dados oficiais do Portal da Transparência do Registro Civil. Apesar de oficial, tal ferramenta deve ser usada com cautela por conta de limitações da própria plataforma que interferem na dinâmica dos números.
Dados de morte e do sistema público de saúde, no entanto, também mostram que a Covid-19 não só não é uma gripezinha como a pandemia de fato existe e sobrecarrega hospitais e clínicas.
Mortes. É possível verificar em 2020 um aumento no número de óbitos por mortes naturais, aquelas que não são causadas por eventos externos, como acidentes ou homicídios, no site do Registro Civil. Enquanto 2019 teve 965.783 registros de óbitos entre 1º de março e 23 de dezembro, 2020 passou dos 1.107.159 registros no mesmo período. Conforme mostra o gráfico abaixo, o surgimento da Covid-19 influenciou no crescimento desses números.
Letalidade e mortalidade. É preciso considerar também a taxa de letalidade, razão do número de mortos pelo total de infectados, de acordo com a faixa etária da população e a existência de comorbidades, explica Isaac Schrarstzhaupt, cientista de dados e coordenador da Rede Análise Covid-19. Por exemplo, um cálculo feito com dados de setembro no Maranhão mostrou uma letalidade de 0,17% no estado. No entanto, quando se observava a população com mais de 70 anos o percentual subia para 2,4%. A diferença também ocorre dentro do grupo com comorbidades. Uma avaliação feita pela Sociedade Brasileira de Reumatologia entre maio e julho mostrou uma taxa de letalidade por Covid-19 de 5,8% em reumáticos contra 3% no geral.
Por fim, um estudo francês publicado dia 17 de dezembro na The Lancet apontou que a Covid-19 pode ser mais letal que a gripe sazonal. Foi observado que o número de mortes de pessoas internadas com Covid-19 foi quase três vezes maior em comparação aos internados por influenza. Além disso, pacientes com Covid-19 tinham duas vezes mais chances de receber ventilação mecânica e os hospitalizados na UTI permaneceram quase duas vezes mais tempo do que aqueles com influenza.
A respeito da mortalidade, proporção do número de mortos pela população, um estudo publicado na revista científica Jama Network também no dia 17 de dezembro mostrou que em outubro a Covid-19 havia se tornado a terceira principal causa de morte para pessoas com idade entre 45 e 54 anos nos Estados Unidos. Com uma taxa de 294,8 mortes por milhão de habitantes, Covid-19 estava atrás de doenças cardíacas (509,7) e 597,5 de câncer nessa faixa etária. Para quem tem mais de 85 anos, a Covid-19 fica atrás apenas de doenças cardíacas.
Outro fator é que a Covid-19 pode deixar sequelas, por exemplo, cansaço, falta de ar, dor muscular.
Pressão no SUS. Mesmo que a Covid-19 fosse apenas uma "gripezinha", o estado de pandemia provoca uma pressão sobre o sistema de saúde devido ao grande volume de doentes simultâneos. A lotação de hospitais e postos de saúde, por exemplo, provocou o adiamento de cirurgias e prolongou a espera por atendimento, impactando no cuidado da população como um todo, não apenas dos pacientes com Covid-19.
No começo da crise sanitária, em março, a capacidade de atendimento e leitos do SUS para suprir a demanda diante da pandemia já era questionada. Em abril, o Ceará chegou a ter 100% dos leitos de UTI ocupados. Neste mês, no Rio de Janeiro, 205 pacientes com Covid-19 esperavam por um leito de UTI, enquanto 401 estavam na fila por uma vaga na enfermaria.