Isac Nóbrega/PR

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Bolsonaro nega orientações da ciência e distorce informações para minimizar pandemia

Por Bruno Fávero, Amanda Ribeiro, Luiz Fernando Menezes e Priscila Pacheco

24 de março de 2020, 20h25

Em seu terceiro pronunciamento sobre o novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro negou nesta terça-feira (24) informações de cientistas, enumerou dados incorretos e lançou mão de afirmações insustentáveis e falsas para minimizar a gravidade da pandemia de Covid-19.

A equipe de checadores do Aos Fatos conferiu o pronunciamento. Abaixo, veja o que já verificamos. Confira também aqui todas as declarações de Bolsonaro já checadas por Aos Fatos desde a sua posse, em janeiro do ano passado.


FALSO

... caso fosse contaminado pelo vírus, [eu] não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito acometido de uma gripezinha ou resfriadinho...

Neste trecho do pronunciamento, o presidente Jair Bolsonaro volta a minimizar os riscos do novo coronavírus e a comparar a enfermidade com uma simples gripe, o que é FALSO, de acordo com estudos existentes. Ainda não é possível atestar a taxa de mortalidade do novo coronavírus, mas cientistas apontam que há uma maior letalidade em comparação à gripe comum.

A Universidade de Bern, por exemplo, estimou que o Covid-19 apresenta letalidade de 1,6%. Já a taxa de mortalidade da gripe comum é de 0,1%, conforme mostra o CDC, órgão de prevenção de doenças dos EUA. A gripe H1N1, que teve um surto em 2009, apresentou taxas entre 0,01% a 0,08%.

Além disso, já se sabe que o novo coronavírus é mais letal para pessoas com doenças crônicas e idosos, que têm sistema imunológico mais fraco. Um exemplo lastreado por dados é a taxa aproximada de fatalidade do coronavírus em Hubei, na China: nos infectados com idades entre 60 e 69 anos, a taxa de mortalidade chegou a 4,6%. Bolsonaro completou 65 anos no último dia 21 de março.


FALSO

O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos. Então por que fechar escolas?

Ainda que seja correto que os idosos é que fazem parte de grupo de risco da Covid-19 cientistas e autoridades de saúde consideram que crianças são potenciais disseminadores da doença, uma vez que tendem a apresentar sintomas pouco graves. Logo, a premissa do argumento de Bolsonaro é FALSA, porque o fechamento de escolas pode ajudar a conter a disseminação da doença, inclusive entre os mais velhos.

Em entrevista ao New York Times, o pediatra e especialista em doenças infecciosas Bessey Geevarghese, afirma que “mesmo se as crianças estão com sintomas leves, elas servem como reservatórios da infecção e podem passar a doença para adultos, especialmente os idosos”. Isso significa que, ao comparecer à escola, uma criança infectada pode transmitir a doença a colegas, professores e servidores, que, por sua vez, podem infectar outras pessoas, algumas possivelmente integrantes de grupos de risco.

A medida de cancelamento das aulas presenciais também atende à recomendação de autoridades de saúde de evitar aglomerações e de manter uma distância segura de ao menos um metro de entre as pessoas. A estratégia foi adotada até agora em mais de 150 países que tiveram casos da doença confirmados, de acordo com levantamento feito pela Unesco.

Em entrevista à Vox, o professor de medicina da Universidade de Virginia Steven Zeichner afirma que a medida é necessária para interromper o surto. “Eu acho que estamos no início de um problema [que pode potencialmente] crescer de forma exponencial, e se você quer estar à frente desse problema exponencial, é preciso intervir logo no início”.


CONTRADITÓRIO

Desde quando resgatamos nossos irmãos em Wuhan, na China, numa operação coordenada pelos Ministérios da Defesa e Relações Exteriores, surgiu para nós o sinal amarelo.

A declaração de Bolsonaro é CONTRADITÓRIA, porque, dias antes de anunciar no dia 2 de fevereiro o resgate dos brasileiros em quarentena na região de Wuhan, na China, o presidente havia descartado a possibilidade de realizar a operação. Em entrevista coletiva na porta do Palácio do Planalto no dia 31 de janeiro, Bolsonaro afirmou que custava caro um voo até o país asiático. "Na linha, se for fretar um voo, acima de US$ 500 mil o custo. Pode ser pequeno para o tamanho do orçamento brasileiro, mas precisa de aprovação do Congresso".

Além do custo da operação, o presidente ressaltou, à época, que não colocaria a vida dos brasileiros em risco, porque, mesmo que organizasse uma quarentena, qualquer ação judicial poderia liberar os quarentenados. “Se lá [na China] temos algumas dezenas de vidas, aqui temos 210 milhões de brasileiros. Então, é uma coisa que tem que ser pensada, conversada antecipadamente com o chefe do Poder Judiciário, conversado com o Parlamento também”.

Bolsonaro acabou por mudar de posicionamento alguns dias depois, após os brasileiros em Wuhan gravarem um vídeo lendo uma carta endereçada à Presidência da República e ao Ministério das Relações Exteriores, solicitando ajuda para serem trazidos de volta ao país.


INSUSTENTÁVEL

90% de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine.

Ainda não há dados conclusivos sobre qual a proporção de casos assintomáticos entre os infectados pelo novo coronavírus, por isso a declaração foi classificada como INSUSTENTÁVEL. Contudo, estudos e dados preliminares têm mostrado que, apesar de significativa, a parcela dos casos sem sintomas é menor do que a indicada por Bolsonaro.

Uma reportagem do jornal South China Morning Post publicada no domingo (22) afirmou que, de acordo com informações confidenciais das autoridades chinesas, até 30% dos infectados pelo vírus no país pode não ter apresentado sintomas. Epidemiologistas do Japão chegaram a uma porcentagem parecida de casos sem sintomas (30,8%) ao analisar dados de cidadãos japoneses evacuados da China no começo da pandemia.

Já um artigo de pesquisadores chineses (ainda não revisado por outros acadêmicos) estima que 59% dos casos de Wuhan, cidade onde a pandemia começou, podem não ter sido detectados. Esse número "potencialmente inclui casos assintomáticos ou com sintomas leves", escrevem.

Um número próximo ao que Bolsonaro cita apareceu em um trabalho de pesquisadores dos EUA, Reino Unido e China: analisando casos de 10 a 23 de janeiro na China, eles estimaram que 86% dos infectados não tenham sido detectados. Isso, porém, não significa necessariamente que todos eram assintomáticos – pode indicar, por exemplo, a escassez de testes para a doença na época, como escrevem os próprios cientistas.


INSUSTENTÁVEL

[A Itália tem] um clima totalmente diferente do nosso [mais favorável à contaminação].

Bolsonaro sugere aqui que, por ser predominantemente tropical, o Brasil sofreria menos com a pandemia do novo coronavírus do que a Itália, que tem clima mediterrâneo. Embora estudos preliminares de fato indiquem que o vírus pode demorar mais para se espalhar em ambientes mais quentes, ainda não há um consenso entre pesquisadores sobre essa questão. Na verdade, a curva de contaminação no Brasil, por enquanto, é superior à italiana, mesmo estando entre o verão e o outono. Por isso, a declaração do presidente foi considerada INSUSTENTÁVEL.

Um estudo desenvolvido pela universidade chinesa Sun Yat-sen indicou que o Sars-Cov-2 é um vírus “altamente sensível à temperatura” e que tem menor probabilidade de disseminação em climas mais quentes. Isso, no entanto, não o impediria de se espalhar, apenas desaceleraria o processo. Em outro artigo, pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology) também indicaram que comunidades localizadas em regiões com médias de temperatura mais altas tinham vantagem significativa no tempo de contaminação da população em comparação com outras que vivem em locais mais frios.

Mas isso ainda não é um consenso entre especialistas. De acordo com Mike Ryan, diretor-executivo do programa de emergências em saúde da OMS, pode ser uma falsa esperança considerar que a Covid-19 desaparecerá com a mudança de temperatura, como ocorre todos os anos com a gripe sazonal. “Nós temos que assumir que o vírus continuará com a capacidade de se espalhar”.

Também é importante ressaltar que os estudos se baseiam em uma quantidade limitada de dados e mostram, portanto, apenas resultados preliminares. Os artigos também não foram submetidos ao escrutínio de outros pesquisadores para a verificação das metodologias e das estratégias de análise de dados adotadas.


IMPRECISO

Uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.

Neste trecho, o presidente faz uma referência a Drauzio Varella que, em vídeo publicado em seu canal no YouTube em 30 de janeiro — antes que fosse decretada a pandemia, portanto — afirmou que o novo coronavírus causaria à maioria da população “um resfriadinho de nada”. O que Bolsonaro omite é que o médico já se corrigiu ao menos três vezes, alertando para o isolamento social e para a adoção de medidas de higiene. Logo, por tirar uma informação de contexto, de acordo com a metodologia do Aos Fatos, a fala do presidente é IMPRECISA.

O vídeo de janeiro, inclusive, já foi apagado do portal em que Drauzio Varella reúne informações de saúde e um novo foi publicado com atualizações sobre a pandemia.

No último sábado (21), o senador Flávio Bolsonaro (sem partido) e o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles compartilharam o vídeo antigo no Twitter sem informar a data. Posteriormente, as publicações foram removidas pela rede social por violarem regras de uso da plataforma e “colocar as pessoas em maior risco de transmitir Covid-19”, segundo informou o Twitter.

A falsa alegação disseminada pelo senador e pelo ministro também foi republicada por sites conhecidos pela difusão de desinformação com títulos enganosos, como "Drauzio Varella concordou com Bolsonaro: 'resfriadinho de nada'”. Tais publicações foram checadas como FALSAS por Aos Fatos.


VERDADEIRO

Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade.

Segundo estudo preliminar publicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) com base nos dados chineses, as mortes causadas pelo novo coronavírus ocorrem principalmente na faixa etária acima de 60 anos e entre pessoas com algum comprometimento prévio de saúde, como diabetes, câncer ou hipertensão.

Levantamento recente feito pelo Vox com dados sobre a morte por novo coronavírus de diversos países mostra que o índice vai aumentando à medida que cresce a faixa etária, mas não passa de 0,5% dos casos nas faixas menores que 45 anos. Em alguns dos casos de morte antes desta idade no entanto, há indícios de que as pessoas já apresentavam complicações de saúde.

Isso não significa, no entanto, que os mais jovens não apresentem sintomas que demandem cuidados médicos. Segundo artigo do CDC (Center for Disease Control) com base em dados dos EUA, 20% dos pacientes com Covid-19 internados estavam na faixa dos 20 aos 44 anos. Segundo o epidemiologista da Universidade de Columbia Stephen Morse, ouvido pelo jornal The New York Times, “não serão apenas os idosos. Haverá pessoas com 20 anos ou mais. Eles precisam ter cuidado, mesmo que pensem que são jovens e saudáveis”.


VERDADEIRO

[A Itália é] um país com grande número de idosos.

Bolsonaro acerta ao afirmar que a população italiana tem uma porcentagem maior de pessoas idosas do que o Brasil: de acordo com estimativas do Banco Mundial, há atualmente no país europeu 60,4 milhões de habitantes, sendo que 23,2% deles estão acima dos 65 anos. No Brasil, a taxa é bem menor: apenas 9,6% dos 212,5 milhões habitantes são idosos. Autoridades de saúde internacionais, como a OMS, enquadram esse perfil etário entre os grupos de risco de contraírem infecções graves pela Covid-19. Isso não significa, entretanto, que a doença seja letal apenas para idosos.


De acordo com nossos esforços para alcançar mais pessoas com informação verificada, Aos Fatos libera esta reportagem para livre republicação com atribuição de crédito e link para este site.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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