Gabriela Biló/Estadão Conteúdo

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Fevereiro de 2021. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

As idas e vindas do discurso de Bolsonaro sobre vacinas, remédios e mortes pela Covid-19

Por Amanda Ribeiro

19 de fevereiro de 2021, 11h45

Desde que foi confirmado o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, o discurso do presidente Jair Bolsonaro sobre a doença apresentou idas e vindas ao sabor dos acontecimentos — e das plateias. Alegações que se tornaram bandeiras do Palácio do Planalto, como o uso de medicamentos sem eficácia comprovada e a desconfiança sobre as vacinas, foram relativizadas e até mesmo abandonadas pelo mandatário de um ano para cá. Outras continuam oscilando até hoje, como as que se referem à gravidade da crise.

Abaixo, detalhamos as contradições e oscilações de Bolsonaro na pandemia.


vacinas

Como parte da disputa política com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), Jair Bolsonaro elevou o tom de críticas contra as vacinas contra a Covid-19 ao passo em que eram revelados os primeiros resultados mais concretos de imunizantes pelo mundo. Porém, pouco antes de a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovar, em janeiro, o pedido de uso emergencial da CoronaVac, da chinesa Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, o presidente mudou o tom e disse que iria adquirir os imunizantes, chegando a ressaltar que eles seriam "do Brasil".

As críticas à vacinação surgiram por volta de julho do ano passado no discurso presidencial, mas a frequência aumentou a partir do fim de outubro, quando o Ministério da Saúde anunciou que adquiriria 46 milhões de doses da CoronaVac. Na ocasião, Bolsonaro desautorizou a pasta e levantou suspeita sobre a vacina. “Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem”.

Em novembro, o presidente chegou a tratar como uma vitória a interrupção dos testes da vacina após a morte de um voluntário sem relação com o imunizante. Em um comentário no Facebook, ele escreveu: "Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos tomá-la (sic). O Presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha".

Quando diversos países iniciaram suas campanhas de vacinação, em janeiro, o presidente reforçou a narrativa de que a segurança das vacinas não era comprovada como forma de justificar o fato de o Brasil estar na lanterna dos rankings de imunização. “E você vê, é uma vacina emergencial. Não tem uma comprovação científica ainda”, disse, durante transmissão ao vivo no dia 7 de janeiro. O argumento foi repetido ao menos 14 vezes neste ano.

A inflexão no discurso se deu em live realizada no dia 14 de janeiro, poucos dias antes de a Anvisa aprovar o uso emergencial da CoronaVac e da vacina AstraZeneca/Oxford. Bolsonaro disse, então, que “A Anvisa certificou qualquer vacina, não interessa de onde [vamos adquirir]”.

Um dia depois da autorização, ele disse que as vacinas seriam “do Brasil, e não de nenhum governador”. Antes disso, no entanto, a CoronaVac foi chamada de “vacina chinesa de João Doria” e tratada como “um medicamento que, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população”.

Assim, a imunização passou a ser apontada pelo presidente como uma forma de retomar a economia. Em 26 de janeiro, ao comentar com apoiadores que empresas pretendiam doar doses da vacina de AstraZeneca/Oxford para imunizar funcionários, Bolsonaro afirmou que “com 33 milhões de doses de graça [que seriam doadas ao SUS pelos empresários], ajudaria em muito a economia e aqueles também que porventura queiram se vacinar”.

Recentemente, o presidente também passou a destacar a posição do Brasil no ranking de países que mais imunizaram seus cidadãos, muitas vezes de maneira enviesada. Em entrevista à CNN em 30 de janeiro, ele afirmou que o país estaria “entre os dez que mais vacinaram”. Ainda que de fato ocupasse o 8º lugar na lista de doses aplicadas em números absolutos, o Brasil se encontrava, à época, no 44º no ranking de imunizações a cada cem habitantes.

Apesar de ter arrefecido as críticas, o presidente segue dizendo até hoje que ele próprio não vai tomar a vacina. Desde novembro ele repete que já estaria imunizado por que teve Covid-19 em julho do ano passado — mas não leva em conta a possibilidade de reinfecção, já confirmada por médicos e cientistas. Em 15 de janeiro deste ano, ao comentar a aprovação emergencial dos imunizantes no Brasil, Bolsonaro tornou a repetir o argumento: “Eu, particularmente, já tenho anticorpos. Eu não preciso tomar a vacina”.


REMÉDIOS INEFICAZES

A defesa do uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus foi uma das principais narrativas desinformativas do presidente ao longo do último ano, especialmente a respeito da cloroquina e da hidroxicloroquina. Porém, com o passar dos meses, a recomendação expressa passou a ser acompanhada de ressalvas, como quando ele disse que "pode ser que lá na frente fale, ‘ah, a chance é zero, era um placebo’", ao indicar a hidroxicloroquina em uma live no Facebook no início de fevereiro deste ano.

O discurso pró-hidroxicloroquina foi forjado ainda em março de 2020, quando o então presidente americano, Donald Trump, anunciou a liberação para uso emergencial da droga para uso contra a Covid-19 nos EUA. A partir do fim daquele mês, Bolsonaro passou a afirmar de forma enfática que “A hidroxicloroquina tá dando certo”. Para fazer valer seu ponto de vista, ele se pôs contra a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o próprio Ministério da Saúde, que teve duas trocas de comando por pressões ligadas a recomendações justamente à prescrição de drogas para tratar a doença.

À medida que testes clínicos mostravam que o medicamento não era promissor, o discurso do presidente foi primeiro modulado para sugerir que a aplicação da droga seria eficaz apenas em situações específicas. A partir de maio, ele passou a afirmar que o ideal seria utilizá-la no início dos sintomas da doença, o que tampouco foi amparado por evidências científicas. Acompanhando a orientação do presidente, o medicamento passou a ser indicado para tratamento de casos leves da doença em protocolo do Ministério da Saúde no mesmo mês.

Em julho, um mês depois de a OMS e a FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora de alimentos e medicamentos dos EUA) abandonarem os testes com a droga pela ausência de benefícios contra a infecção, o discurso do presidente voltou a oscilar. Em live no dia 16 de julho, Bolsonaro recomendou mais uma vez o uso do remédio, mas também ressaltou que não havia comprovação de sua eficácia no tratamento da Covid-19.

Em transmissão ao vivo em 4 de fevereiro deste ano, houve uma nova ressalva. Ao recomendar a medicação na falta de outros remédios com benefícios comprovados contra a doença, o presidente sugeriu que, no futuro, a hidroxicloroquina poderia não se mostrar eficaz. “E eu seria omisso se não falasse agora: pode ser que lá na frente fale, ‘ah, a chance é zero, era um placebo’. Tudo bem, paciência, me desculpa, tchau”.

Apesar de ser a preferida do presidente, outros medicamentos igualmente ineficazes começaram a integrar o discurso presidencial com a alcunha de "tratamento precoce" ao longo do ano passado: como a ivermectina; a nitazoxanida, alvo de estudo conduzido por universidades em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia; e a vitamina D.

No recente colapso do sistema de saúde de Manaus, o presidente também amparou seu discurso no dito "tratamento precoce". No dia 12 de janeiro, ele condicionou o aumento no número de mortes na capital à falta de adesão aos remédios e, mais tarde, quando o seu ministro da Saúde foi acusado de omissão, apontou a mudança do protocolo terapêutico como solução para conter o surto. Nenhuma dessas saídas se provou eficiente.


gravidade da PANDEMIA

A alegação de que a Covid-19 seria apenas uma "gripezinha" permeia o discurso de Bolsonaro desde o primeiro caso de Covid-19 no Brasil, em 26 de fevereiro do ano passado. Porém, ao longo da pandemia, essa narrativa chegou até mesmo a sumir das declarações do mandatário em alguns momentos críticos para, depois, voltar à tona.

Tudo começou na viagem aos Estados Unidos no início de março do ano passado. Em discurso em Miami, Bolsonaro disse pela primeira vez publicamente que a doença seria muito mais inofensiva do que se alertava e sugeriu que a crise estaria sendo alimentada “até por questão econômica”. Um dia depois, o presidente afirmou que muito do que se propagava não passava de “fantasia”.

O tom já era completamente outro em 11 de março, quando a OMS (Organização Mundial de Saúde) classificou a crise de saúde como uma pandemia. Em pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, Bolsonaro afirmou que a determinação da entidade havia sido responsável e defendeu as medidas de distanciamento social para conter o vírus.

Na época, a fala era também direcionada aos seus apoiadores, que haviam marcado manifestações pró-governo para dali a alguns dias. Essa faceta do presidente, entretanto, durou pouco. Contrariando o próprio discurso, ele participou dos atos.

Desde então, Bolsonaro passou a se opor frontalmente às medidas recomendadas pelas autoridades sanitárias e, para isso, menosprezava a gravidade da doença. Em entrevista no dia 16 de março, ele associou a Covid-19 a uma gripe comum que afetaria mais os idosos. Segundo o presidente, para a maior parte da população — inclusive ele, com seu “histórico de atleta” — a infecção "não passaria de uma gripezinha”.

Para sustentar essa alegação frente aos fatos que mostravam acelerado contágio do coronavírus no país, Bolsonaro também recorreu a previsões que não se concretizaram. No fim de março, ele disse que o total de mortes seria similar ao da gripe H1N1 em 2019, em torno de 800. Cerca de 15 dias depois, o Brasil já havia batido essa marca. Hoje, já são mais de 240 mil mortos pela doença no país.

Em abril, a aposta retórica foi dobrada e Bolsonaro passou a insistir na ideia de “imunidade de rebanho” ao dizer que “60%, 70% da população será infectada e só a partir daí nós teremos o país considerado imunizado” e que a maioria das contaminações (“mais da metade do povo”) seria de casos assintomáticos. Nenhuma dessas alegações pode ser comprovada por fatos ou informações científicas.

Com a escalada de mortes, o discurso foi modulado mais uma vez para que Bolsonaro admitisse os óbitos como uma realidade da vida e que ele não seria responsável pela gravidade da crise. “Mortes vão (sic) haver. Ninguém nunca negou que haveria mortes", disse, em abril. Nessa mesma época, ficou célebre ainda a indagação "e daí?", quando o presidente foi questionado sobre o crescente número de mortes pela doença.

Quando questionado sobre o fato de o Brasil ter batido a marca de mortes da China, o presidente também caiu em contradição. Se, em um primeiro momento, elevou o tom e disse que era “Messias, mas não faço milagre”, minutos depois disse se solidarizar com as vítimas.

Apesar da solidariedade, Bolsonaro seguiu negligenciando a gravidade da doença. Em junho, disse lamentar os mortos, “mas é o destino de todo mundo”. Depois disso sugeriu, ainda, sem apresentar quaisquer provas, que os dados de óbitos da infecção foram inflados por governadores e que, para os mais jovens, a possibilidade de óbito era “próxima de zero”.

Quando o país ultrapassou os dois milhões de infectados, Bolsonaro repetiu mais uma vez que nunca havia negado as mortes e que não era possível conter a expansão da doença: “Ninguém disse que ninguém ia morrer por causa do coronavírus. Tanto ia como está morrendo, infelizmente. Agora alguns acham que tinha como diminuir o número de óbitos. Diminuir como?”.

A partir do fim do ano, no entanto, o tom abertamente agressivo — pontuado por frases como “tem que deixar de ser um país de maricas” — foi alternado com declarações que reconheciam a gravidade da doença. Para reforçar o novo posicionamento, o presidente caiu em contradição mais uma vez: passou a dizer que nunca havia chamado a Covid-19 de gripezinha, apesar de registros em vídeo indicarem justamente o contrário.

Referências:

1. UOL (Fontes 1, 2 e 3)
2. G1 (Fontes 1, 2, 3, 4 e 5)
3. Aos Fatos (Fontes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15)
4. O Globo (Fontes 1, 2, 3, 4, 5 e 6)
5. Our World in Data
6. Governo Federal (Fontes 1, 2 e 3)
7. EBC
8. Crescer
9. Folha de S.Paulo (Fontes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8)
10. CNN Brasil (Fontes 1 e 2)
11. Estado de Minas
12. Unasus
13. Valor Econômico
14. Yahoo!

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