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Investigados pelo STF se unem a lobistas nos EUA para retratar Brasil como ditadura e ajudar Trump

Por Amanda Ribeiro, Gisele Lobato, Luiz Fernando Menezes e Marco Faustino

12 de abril de 2024, 19h23

A ameaça de Elon Musk de descumprir decisões da Justiça brasileira e os ataques ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), compõem uma estratégia coordenada entre apoiadores de Donald Trump e de Jair Bolsonaro para retratar o Brasil como um país autoritário, em que não há liberdade de expressão.

O objetivo de brasileiros e americanos envolvidos na ofensiva é influenciar as eleições dos Estados Unidos, marcadas para novembro, a partir da ideia de que uma segunda derrota de Trump para Joe Biden representaria uma escalada autoritária. O paralelo feito é similar ao que bolsonaristas traçam, desde 2018, entre a eleição de Lula (PT) e um suposto perigo de o Brasil se transformar em “uma Venezuela”.

Os principais pontos de contato são dois extremistas investigados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e radicados nos Estados Unidos: o blogueiro foragido Allan dos Santos, que teve sua prisão decretada em 2021, acusado de participar de uma milícia digital, e o ex-comentarista da Jovem Pan Paulo Figueiredo Filho, que é investigado por supostamente ter se aliado a militares próximos a Bolsonaro para planejar um golpe de Estado em 2022, segundo relatório da Polícia Federal.

Na véspera da Páscoa, Allan dos Santos enviou um link para Jim Pfaff, presidente da organização de lobby The Conservative Caucus, para uma conversa no Spaces, do X (ex-Twitter), na qual simpatizantes de Bolsonaro discutiam supostos ataques à liberdade de expressão no Brasil.

O americano prometeu: divulgaria a questão nos Estados Unidos.

“Na minha organização, vou dedicar tempo para falar sobre o que está acontecendo no Brasil, para insistir no fato de que Joe Biden e os democratas conspiraram com Lula e Moraes para fazer Bolsonaro não ser eleito”, declarou o lobista americano. “Isso é importante aqui nos Estados Unidos, para que os americanos entendam que esse projeto está em curso”.

Como Pfaff, outros personagens da extrema-direita dos Estados Unidos começaram a se engajar na divulgação de “denúncias” sobre uma suposta guinada autoritária na política brasileira, e a análise dessas intervenções sugere que por trás do movimento está a intenção de explorar o caso brasileiro para favorecer a campanha de Trump.

O ápice dessa estratégia, até aqui, foi a divulgação dos Twitter Files Brazil, no dia 3 de abril, e os ataques de Musk a Moraes, no fim de semana passado.

“O Brasil parece estar alguns passos à frente de onde os Estados Unidos poderão chegar se continuar nesse caminho”, afirmou Mario Nawfal na edição desta quinta (11) do podcast que apresenta no Spaces, The Roundtable Show. O programa reuniu representantes da extrema-direita brasileira para discutir os Twitter Files e contou com a participação de Musk.

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Nas últimas semanas, Nawfal convidou parlamentares brasileiros para seu podcast e passou a defender que há uma ditadura no Brasil e que o FBI, durante o governo de Joe Biden, teria influenciado as eleições brasileiras. Ele ainda repercutiu falas de que uma suposta falta de liberdade de expressão no Brasil se tornaria um problema também nos Estados Unidos.

A linha é a mesma que vem sendo defendida pela The Conservative Caucus. “Nós vamos estar abordando as eleições americanas sob uma perspectiva americana, mas eu determinei que precisamos trazer esse assunto à tona em algum nível”, declarou Pfaff na reunião do fim de março no Spaces, em referência ao Brasil. Ele diz que a organização tem um “orçamento considerável” para investir na causa conservadora.

O lobista opinou que “há um esforço coordenado” em todo o mundo contra “os governos livres e a vontade popular”, apontando que isso ocorreu no Brasil, “quando Moraes permitiu que Lula se candidatasse”, mas também “está acontecendo nos Estados Unidos” — se referindo a ações na Justiça americana que questionam a possibilidade de Trump concorrer neste ano.

Pfaff tem repetido o argumento sobre o Judiciário que diz ter ouvido de Paulo Figueiredo Filho. De acordo com ele, os Estados Unidos e o Brasil estariam “sofrendo do mesmo vírus, mas o sistema imunológico americano é um pouco mais forte”.

Em email ao Aos Fatos, Figueiredo Filho afirmou que o contato com Jim Pfaff “é apenas um de uma série que venho tendo em defesa da restauração da liberdade de expressão no Brasil — minha única preocupação neste momento”.

“Não estou nem aí pra Lula ou Bolsonaro. Isso não é sobre política partidária. E garanto que ainda vem muito mais coisa por aí. Aguardem-me.”

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‘COMES E BEBES’

Na reunião no Spaces de 30 de março, Pfaff se refere a Allan dos Santos como amigo e também demonstra proximidade com Figueiredo Filho, demitido da Jovem Pan após as eleições de 2022. Foi em contato com o neto do ditador João Baptista Figueiredo (1918–1999) que Pfaff viabilizou um encontro entre a comitiva de deputados bolsonaristas que visitaram Washington no mês passado e parlamentares americanos.

Como mostrou reportagem da Agência Pública, conservadores brasileiros têm feito lobby para tentar convencer parlamentares republicanos de que o Brasil não é mais uma democracia e a aprovar uma lei para penalizar o país.

Uma comitiva brasileira liderada por Eduardo Bolsonaro (PL-SP) esteve nos Estados Unidos no mês passado e esperava participar de uma audiência na Comissão Tom Lantos de Direitos Humanos na Câmara dos Representantes, mas o evento foi vetado por um dos copresidentes da comissão, o democrata James P. McGovern.

“Então, eu entrei em ação”, narrou Pfaff, afirmando que organizou um evento de última hora enquanto conduzia do estado de Indiana para Washington. A recepção ocorreu no Capitol Hill Club, um clube frequentado por republicanos na capital americana, e foi compartilhada nas redes do Conservative Caucus.

“O Jim foi o cara que ajudou a comitiva, ajudou a mim, ao Paulo, a salvar o cancelamento do hearing que aconteceu no Congresso americano”, disse Santos, relatando que o presidente do Conservative Caucus conhece “todos os congressistas e senadores do Partido Republicano que prestam”. “Ele reuniu alguns, num café que ele fez para a gente lá, ele fez um comes e bebes para que nós conversássemos uns com os outros após a coletiva de imprensa”, explicou.

Print de publicação da página da The Conservative Caucus mostra duas fotos de evento que reuniu parlamentares brasileiros e congressistas americanos. Texto de apresentação do post diz que presidente da organização conservadora recepcionou cerca de 40 pessoas no encontro. 
Comitiva. The Conservative Caucus organizou recepção para comitiva de deputados brasileiros que visitaram EUA em março e divulgou o evento em suas redes (Reprodução/Facebook)

Além dos brasileiros, quatro congressistas americanos compareceram ao evento. Segundo Santos, Ralph Norman, representante da Carolina do Sul, teria chegado atrasado ao encontro e prometido “acordar” outros congressistas americanos para agilizar uma audiência e “fazer ações concretas para denunciar o que está acontecendo no Brasil”. Atualmente, o governo brasileiro tenta garantir cooperação com o governo americano para extraditar o blogueiro.

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À CAÇA DO VOTO LATINO

Após duas horas de transmissão no Spaces do fim de março, os anfitriões brasileiros cederam a palavra para outro americano: Christian Lamar — membro do Comitê Executivo do Partido Republicano no Arizona. O político concorreu nas eleições de 2022 para a Câmara dos Representantes do Arizona, mas perdeu.

Lamar queria usar a oportunidade para convocar voluntários brasileiros para ajudar na campanha do Partido Republicano no condado de Maricopa, no Arizona, que inclui a cidade de Phoenix. A região foi decisiva para a vitória de Biden em 2020, mas a margem apertada e a afirmação de que teria havido problemas técnicos em parte das urnas fez a extrema-direita americana e Trump alegarem que houve fraude na votação.

Segundo Lamar, o engajamento de brasileiros na campanha poderia ajudar a mobilizar mais eleitorado latino a favor de Trump.

“Os republicanos, o Partido Republicano, estão cometendo um grande erro nessa eleição particular, porque estão obcecados pelo aborto, não percebendo que os latinos estão abandonando totalmente os democratas e os comunistas. Mas os republicanos estão focando no aborto, em vez de maximizar os ganhos que nós tivemos com os eleitores latinos”, declarou.

Lamar se mostrou disposto a dar espaço em eventos para brasileiros poderem contar perseguições que estariam sofrendo, e chegou a convidar Allan dos Santos para ir ao condado pessoalmente. “Nos Estados Unidos, somos totalmente desatentos a todas as coisas que acontecem em outros países, que caíram para o socialismo, o comunismo, o marxismo, todas as coisas que falamos hoje”, justificou.

O blogueiro foragido buscou incentivar outros brasileiros que vivem nos Estados Unidos a se envolverem na campanha eleitoral local, visando a volta de Trump. “Nós estamos enfrentando um problema que é internacional, e os Estados Unidos é o ‘last bastion of freedom’, ou seja, o último bastião da liberdade.”

OUTRO LADO

Questionado pela reportagem sobre sua atuação nos Estados Unidos e o fato de ser investigado pelo STF, Paulo Figueiredo Filho afirmou que “até hoje não recebi nenhum questionamento oficial”.

“No fundo, não passa de mais uma tentativa risível de me intimidar que só me fortalece no exterior. Mantenho minha posição contra qualquer golpe, inclusive o dado por membros do Judiciário contra nossas liberdades individuais”, declarou.

Procurado pelo Aos Fatos em agosto do ano passado, o advogado Renor Oliver Filho, que representa Allan dos Santos, disse que seu cliente “nunca foi condenado” pelo STF e que não teve acesso aos autos do processo em que a prisão foi determinada.

O advogado afirmou ainda que “a ordem de prisão e extradição decretada pelo ministro Alexandre de Moraes foi ignorada pelas autoridades americanas”. Segundo Oliver Filho, Moraes promove uma perseguição contra Santos, que, segundo ele, “se viu obrigado a enfrentar dificuldades para prover o sustento de sua família, composta por sua esposa e três filhos pequenos”.

De acordo com o posicionamento, Allan dos Santos acredita que “as manifestações e protestos ocorridos em todo o país nos últimos anos representam uma reação às violações recorrentes dos direitos e garantias individuais dos cidadãos que são alvo da condução abusiva e ilegal do ministro Alexandre de Moraes nesses inquéritos”. Leia a íntegra.

A reportagem voltou a pedir posicionamento a Santos, e o texto será atualizado caso haja resposta.

Referências:

1. Aos Fatos (1, 2, 3)
2. O Antagonista
3. Agência Pública
4. Folha de S.Paulo
5. Partido Republicano no Arizona
6. Ballotpedia
7. El País Brasil
8. NBC News

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