Não há provas de que o PCC emitiu, durante as eleições de 2022, um comunicado ordenando que integrantes da facção, bem como seus familiares, votassem no presidente Lula (PT). Além de o autor da peça de desinformação não apresentar qualquer prova para suas alegações, indícios apontam que seu relato é inventado e que ele nunca foi nem mesmo integrante da facção criminosa.
A peça de desinformação foi compartilhada ao menos 5.000 vezes no Facebook e recebeu mais de 640 mil curtidas no Instagram até a tarde segunda-feira (22).
Como assim o PCC então apoiou a eleição do Lule?
Usuários das redes, parlamentares e até o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) têm compartilhado o relato de um homem que se diz “ex-integrante do PCC” como se fosse uma prova de que o crime organizado teria feito campanha eleitoral para o presidente Lula em 2022. Não há, no entanto, provas de que o homem no vídeo, identificado como Frank Willians de Paula Souza e Marques, tenha sequer feito parte da facção:
- Não há registros de ocorrências criminais contra Frank na Polícia Civil de São Paulo. Ele também não tem nenhuma condenação, segundo a Polícia Federal, e nunca respondeu nem mesmo a um processo criminal;
- Provas apresentadas pelo autor da peça de desinformação de que teria sido ligado à facção também são falsas: ele já falsificou em vídeo uma ligação a Marcola, chefe do PCC, e alegou ter vazado uma informação que já havia sido divulgada pela imprensa.
Frank é conhecido nas redes desde outubro de 2023, quando divulgou no Instagram e no TikTok vídeos em que prometia “contar segredos da facção”. Logo após viralizar nas redes, ele abriu uma Vakinha para tentar arrecadar R$ 10 mil e sair do país — já que, segundo ele, sua morte teria sido decretada pelo PCC.
Por mais que o usuário de Frank no site tenha sido deletado, é possível ver no código-fonte da própria campanha que seu nome completo é Frank Willians de Paula Souza e Marques (veja abaixo). Em 2021, ele fez outra campanha de financiamento coletivo com o nome “Queremos viver dignamente”, que não conseguiu nenhuma doação.
Em nota enviada ao Aos Fatos, a Polícia Civil de São Paulo afirmou que Frank não tem antecedentes criminais e que, por isso, não há informações sobre possíveis ligações dele com o PCC. A reportagem buscou ainda sua ficha junto à Polícia Federal, que também não registra nenhuma condenação.
Também foram buscados processos em que o autor da peça de desinformação é citado. Por mais que não seja possível descartar a existência de homônimos, não há processos criminais envolvendo “Frank Willians de Paula Souza e Marques”. Entre as ocorrências encontradas no site do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), vale destacar:
- Um processo por estelionato em Cordeirópolis (SP) em 2021 no qual Frank foi acusado de trocar um carro financiado (o que impede a transferência de nome) e de não restituir a vítima;
- Uma prisão em flagrante por roubo em Limeira (SP) em 2014. Frank e mais duas pessoas foram soltas depois de 20 dias e o processo foi arquivado.
Não há, portanto, nenhuma condenação ou sequer processo envolvendo tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e organização criminosa — crimes associados à atuação de facções criminosas — em nome do autor da peça desinformativa.
Contradições sobre eleição
Frank também não mostra nenhuma prova sobre o suposto comunicado em que os líderes do PCC teriam ordenado que seus integrantes votassem em Lula. Essa tentativa de ligar o presidente ou o PT ao crime organizado é uma estratégia antiga da oposição, que viralizou mais de uma vez durante as eleições de 2022.
No vídeo, ele afirma que, durante as últimas eleições de 2022, “saiu um comunicado do PCC deixando claro: Bolsonaro não pode ganhar essa eleição. Ele ganhando essa eleição, eu não lembro exatamente as palavras que estavam escritas, mas se o Bolsonaro ganhasse, o comando temia pelo fim da saidinha, o comando temia pelo aumento de prisões federais e RDD, o comando temia por isso, e pelo aumento de intervenções nas quebradas do comando”.
Em dezembro de 2023, no entanto, Frank gravou um vídeo respondendo a um usuário que perguntou se o presidente Lula seria ligado ao PCC: “eles querem que eu ataque ali para poder falar ‘ah, falei pra você que ele era’(...) eu vou saber, irmão? Eu vou saber de Lula e de Bolsonaro? Eu vou saber de nada disso aí não”, respondeu.
Em janeiro de 2024, ele fez declarações semelhantes: “eu não tenho nada para falar do Lula de envolvimento com o Lula com facção porque eu não sei, eu não conheço, nunca ouvi falar sobre isso”. Vinte minutos depois, no mesmo vídeo, no entanto, ele diz que “[o comando do PCC] deixou esse comunicado nesse grupo e deixou no grupo do meu quadro que se o Bolsonaro ganhasse essa eleição era para explodir tudo”.
Mentiras
Além de se contradizer, Frank já publicou desinformação em seus vídeos. Em um deles, por exemplo, disse ter “cobrado” Marcola, chefe do PCC, ao vivo. O homem que responde ao seu telefonema, no entanto, possui uma voz completamente diferente da do traficante, que está preso desde 1999.
Frank também disse que teria “vazado” o aúdio em que Marcola chama outro integrante do PCC apelidado de Tiriça de “psicopata”. A conversa, no entanto, havia sido divulgada pelo Cidade Alerta naquele mesmo dia.
Ele também já afirmou ter sido integrante da “sintonia geral da lista negra dos estados internos e externos”. Sintonia é o nome dado a células que formam a organização da facção e que funcionam como hierarquias de poder. Em reportagens sobre o assunto (veja aqui e aqui), no entanto, Aos Fatos não encontrou nenhuma informação sobre a sintonia citada.
Aos Fatos não conseguiu entrar em contato com Frank pelo seu canal oficial no Youtube. A reportagem, no entanto, permanece aberta para eventuais comentários do autor do vídeo.