É falso que o Congresso tem aprovado sem alterações todos os projetos de autoria do Poder Executivo, ao contrário do que afirmou o presidente Lula (PT) em ato em homenagem ao 1º de Maio. A declaração do presidente omite as sucessivas derrotas enfrentadas por sua gestão desde o ano passado — entre elas, a derrubada de vetos presidenciais, projetos de lei e medidas provisórias, o adiamento de discussões que ampliam a margem fiscal e o engavetamento de pautas defendidas pelo governo.
Em 16 meses de gestão, Lula sofreu derrotas em temas como a desoneração da folha de pagamento, prorrogada pelo Congresso, e o “PL das Fake News”, que foi abandonado após pressão da oposição. Outro exemplo é o marco temporal para delimitação das terras indígenas: o Congresso aprovou a medida, Lula vetou — mas o veto foi derrubado pelo Legislativo.
Confira abaixo o que checamos.
‘(…) Eu quero fazer um reconhecimento, é que nós fizemos alianças políticas para governar e até hoje, preste atenção, até hoje todos os projetos que nós mandamos para o Congresso foram aprovados de acordo com os interesses de que o governo queria’ — Lula, em discurso no 1º de Maio, em São Paulo.
A declaração é FALSA, porque, desde o início do mandato de Lula, o governo tem enfrentado derrotas políticas no Congresso, que tem maioria de oposição.
No caso mais recente, o Legislativo derrubou o veto do Executivo à medida que prorrogava a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. Em resposta, o governo editou uma medida provisória, derrubada em parte pelo Senado em abril. Como último recurso, a gestão de Lula recorreu ao Supremo Tribunal Federal, o que gerou um conflito com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Também houve atrito entre o governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que chegou a afirmar que o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), é “incompetente” e um “desafeto pessoal”. Em resposta, Lula elogiou a atuação de Padilha e disse que pretende mantê-lo no cargo por muito tempo. Lira reconheceu que errou ao ofender o ministro, mas manteve as críticas à articulação com o Congresso.
Em maio do ano passado, o governo também teve que negociar com a Câmara para manter os pontos principais da medida provisória de reestruturação dos ministérios. A articulação não foi suficiente para garantir todos os pontos do projeto, e deputados alteraram o texto para esvaziar as atribuições do Ministério do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, que seriam repassadas ao Ministério da Agricultura e Pecuária — mais permeável aos argumentos da bancada ruralista e de empresários do agronegócio.
Na mesma época, a oposição conseguiu se articular para impedir a votação do “PL das Fake News”, que chegou a ter o regime de urgência aprovado pela Câmara. A pauta perdeu força no Congresso por pressão das big techs e pela articulação da direita, que a apelidou de “PL da Censura”.
O Congresso também derrubou o veto do presidente ao marco temporal, que estabelecia como passíveis de demarcação apenas as terras ocupadas por indígenas antes da data de promulgação da Constituição de 1988. Meses depois, o STF entendeu que a pauta era inconstitucional.
Ainda assim, o tema voltou a ser debatido recentemente pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, presidida pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR), que defendeu a pauta em audiência pública. Em paralelo, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) pediu ao STF que suspenda a lei aprovada pelo Congresso.
Outros reveses sofridos foram:
- A aprovação do projeto de lei que proíbe a saída temporária de presos. O texto foi sancionado por Lula com apenas um veto, que proíbe a saída para visita a familiares. O Congresso ainda estuda a derrubada do veto;
- A manutenção do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), que o governo queria extinguir, mas foi obrigado a prorrogar, ainda que com menos recursos;
- A derrubada de dois trechos da regulamentação do Marco do Saneamento que beneficiavam a atuação de empresas públicas. Após diálogo com o Congresso, o presidente revogou os pontos de conflito e publicou apenas as regras que eram consenso;
- A derrubada do veto a um dispositivo do novo arcabouço fiscal que impedia que despesas fossem retiradas da conta do resultado primário do Orçamento;
- O adiamento da votação, na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, de um projeto de lei que libera R$ 15,7 bilhões no Orçamento deste ano.