Apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) passaram todo o ano de 2023 buscando justificativas para eximir o ex-presidente de culpa pela tentativa de golpe de Estado e pelos atos de vandalismo contra as sedes dos Três Poderes no dia 8 de janeiro.
Entre as mensagens mais compartilhadas durante o ano passado há desde acusações contra adversários, como supostos “infiltrados” de esquerda e membros do governo Lula (PT) que teriam sido omissos, a ataques ao Judiciário e até ao Exército — apontado como “traidor”.
O Radar Aos Fatos analisou as 100 principais correntes sobre o tema que circularam em grupos de política de WhatsApp a cada mês de 2023 e constatou que o episódio continuou alimentando desinformação e ataques contra a democracia até dezembro.
Mês após mês, novas mensagens sobre o assunto surgiam, ao passo que correntes antigas seguiam circulando.
- Novas ou velhas, as mensagens tratam principalmente sobre as prisões e condenações de envolvidos com os atos — caracterizadas como injustas e falsamente comparadas a tortura;
- Em seguida vêm ataques às Forças Armadas, consideradas traidoras por não terem aderido à tentativa de golpe;
- Também permearam o ano ataques ou desinformação contra a atuação do STF (Supremo Tribunal Federal) e de alguns de seus ministros frente aos atos golpistas;
- Além de correntes com convocações para mobilizações de “patriotas” contra as instituições.
Conforme os meses foram passando e as investigações — tanto da CPMI como do STF — avançaram, algumas temáticas passaram a prevalecer.
A análise do Radar Aos Fatos permitiu identificar três momentos de mobilização sobre o 8 de Janeiro nos grupos monitorados:
- ‘Infiltrados’ e ‘prisões injustas’ (jan.–mar.)
- Novos culpados e CPMI (abr.–ago.)
- Revolta contra o STF e volta às ruas (set.–dez.)
‘Infiltrados’ e ‘prisões injustas’
Já nas primeiras horas após as invasões aos prédios da praça dos Três Poderes, os mesmos que comemoravam os atos de vandalismo passaram a atribuir a “infiltrados” o quebra-quebra em Brasília. Essa foi a temática predominante nas principais mensagens nos dias seguintes ao fato.
Correntes disseminando a tese de “infiltrados” acompanhavam vídeos e imagens que foram desmentidas ao longo do mês, como um suposto grupo de petistas fugindo por um elevador do Congresso, o que é falso, e a presença do sobrinho do um deputado estadual do PT nos protestos, o que também é mentira.
Aos poucos, a teoria de que havia infiltrados nos protestos ganhou reforço de alegações falsas sobre as prisões de envolvidos nos atos, que predominaram durante fevereiro e março. Entre elas, também estavam correntes desinformativas, como a de que uma senhora de 77 anos teria morrido no ginásio da PF (Polícia Federal), ou comparações infundadas entre as prisões e campos de concentração nazistas.
Ao longo do ano, correntes conspiratórias sobre a presença de infiltrados permaneceram. Uma mensagem que alegava, sem provas, que haveria membros do PT e do PSOL entre os golpistas seguiu circulando de janeiro até novembro em grupos monitorados pelo Radar Aos Fatos.
NOVOS CULPADOS E CPMI
Com a tese dos infiltrados enfraquecida, apoiadores de Bolsonaro passaram a culpar o governo Lula. As correntes se alinharam ao discurso de parlamentares da oposição no Congresso, que organizaram a criação de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito).
A principal voz desse movimento foi o senador Marcos do Val (PODE-ES). Sem provas, ele passou a acusar Lula, o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o ministro do STF Alexandre de Moraes de omissão e até participação nos atos — alegação que predominou nos grupos de WhatsApp em abril.
“Senador Marcos do Val perseguido por Alexandre de Moraes depois de revelar ter provas de que o governo sabia de tudo” , diz corrente que circulou entre abril e junho.
Outros acontecimentos na CPMI também alimentaram os grupos. Cenas e notícias sobre a comissão foram o principal material de correntes que circularam entre junho e agosto. Entre elas há peças desinformativas sobre imagens de câmeras de segurança dos prédios, como mensagens que mentiam sobre o Ministério da Justiça ter apagado imagens ou enganavam sobre a presença de Lula no Planalto durante os atos.
VOLTA ÀS RUAS E REVOLTA CONTRA O STF
Os últimos meses do ano foram marcados pelo retorno de convocações para protestos presenciais, que haviam arrefecido após o 8 de Janeiro. Entre outubro e dezembro, convites para mobilizações populares ficaram entre os três principais temas relacionados à pauta bolsonarista no WhatsApp.
Com a proximidade do 7 de Setembro, data utilizada como palco para manifestações golpistas durante o mandato de Bolsonaro, os apoiadores passaram a adotar o slogan “fique em casa”, uma referência às campanhas pelo distanciamento social ocorridas durante a pandemia de Covid-19 e criticadas pelo ex-presidente. Vendo o esvaziamento dos atos, eles passaram a questionar a popularidade de Lula com frases referenciando a teoria de fraude nas urnas.
Ainda em setembro, bolsonaristas iniciaram as convocações para um grande protesto contra o atual governo no feriado da Proclamação da República, outra data utilizada para realização de atos a favor do ex-presidente. Mesmo com a organização antecipada, as manifestações contaram com poucos participantes e não tiveram o apoio de grandes influenciadores do campo político.
O cenário mudou no dia 20 de novembro, quando jornais noticiaram a morte de Clériston Pereira da Cunha. O empresário de 46 anos foi detido no dia 8 de janeiro e levado no dia seguinte à Papuda, em Brasília, onde estava preso preventivamente por suspeita de envolvimento nos atos de vandalismo, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Ele morreu após um mal súbito durante o banho de sol.
O acontecimento deu novo fôlego a correntes que criticavam as prisões e a apelos por novas manifestações no dia 26 de novembro.
A nomeação de Flávio Dino ao STF foi motivo para novos atos, convocados por políticos como Gustavo Gayer (PL-GO) e Nikolas Ferreira (PL-MG) para 10 de dezembro. Além de protestos contra a indicação do ministro da Justiça de Lula ao tribunal, manifestantes também homenagearam Clezão e expressaram repúdio ao ministro Alexandre de Moraes.
Ecoando o discurso de parlamentares da oposição, críticas e ataques aos ministros e a inquéritos do Supremo foram o principal tema de mensagens de WhatsApp relacionadas a protestos nos últimos dois meses do ano e às vésperas do aniversário da tentativa de golpe de Estado.
Nesse contexto, o setor de inteligência da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal anunciou que está monitorando possíveis convocações para manifestações nesta data. Até a publicação desta reportagem, o Radar Aos Fatos identificou apenas mensagens celebrando a data.
Esta reportagem foi produzida com base nos dados do Golpeflix, especial do Aos Fatos sobre os ataques de 8 de Janeiro em Brasília. O projeto teve apoio da Fundação MuckRock.