Repórter do New York Times explica como confirmou a estadia de Bolsonaro na embaixada da Hungria

Por Ethel Rudnitzki

8 de abril de 2024, 12h21

Não tem segredo: além de boas fontes e técnicas já consagradas, é necessário também um tiquinho de sorte. “Foi muito simples”, explicou o jornalista do New York Times Christoph Koettl, especializado em investigações audiovisuais, em entrevista à repórter Ethel Rudnitzki. “Usamos nosso conjunto de ferramentas padrão.”

Ele participou da apuração da reportagem sobre a estadia de Jair Bolsonaro (PL) na embaixada da Hungria, que balançou o noticiário na última semana de março, e conta nesta edição da newsletter do Radar Aos Fatos como foi possível confirmar a presença do ex-presidente no local.


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Para analisar dezenas de horas de vídeo — Bolsonaro ficou cerca de 36 horas no local, mas o jornal teve acesso a imagens de diversas câmeras, o que aumenta o tempo total —, Koettl não precisou de uma ferramenta de IA revolucionária ou de um software mágico. O primeiro passo foi abrir tudo no prosaico VLC Media Player e acelerar as filmagens.

A ideia era identificar movimentações, já que, por serem de câmeras de segurança, boa parte das gravações mostravam cenas estáticas. Os frames em que havia movimentações, então, foram selecionados para uma análise mais cuidadosa a fim de identificar, entre outras coisas:

  1. A data e a hora;
  2. O local exato da embaixada;
  3. E as pessoas presentes.

1. DATA E HORA

As imagens das câmeras já vieram datadas, mas os jornalistas não tinham certeza se as informações estavam corretas. “Muitas vezes, os metadados estão errados, e nós tentamos sempre confirmar essas informações, o que pode ser um pouco complicado”, diz.

Para isso, ele costuma observar a iluminação do local — se é dia ou noite — e se ela é compatível com o horário que a gravação indica. Também é importante analisar as condições climáticas.

Como se tratava de câmeras de segurança de um mesmo edifício, também foi preciso verificar a continuidade das imagens para garantir que todas marcavam o mesmo horário. Em situações, por exemplo, em que uma pessoa aparecia saindo de um ambiente para outro, a gravação que mostrava o local de saída deveria marcar o mesmo horário que o vídeo que mostrava o local de entrada.

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A prova mais concreta, no entanto, foi obtida via imagens de satélite exclusivas, conseguidas por Koettl graças ao relacionamento com empresas do ramo. Ele pediu para consultar registros de dias específicos e disse ter tido muita sorte, porque, além de ter obtido as gravações desejadas, as imagens tinham boa visibilidade, já que o dia estava ensolarado e sem nuvens.

“Eu estava procurando o carro do ex-presidente, porque isso me ajudaria a confirmar o horário e o dia das filmagens”, conta. “No início, eu achei que não estava lá, porque o carro estava bem embaixo da sombra da embaixada, mas eu olhei mais de perto e vi o para-brisa.”

As imagens de satélite foram registradas às 10h30 do dia 13 de fevereiro de 2024. Gravações das câmeras de segurança desse momento mostram o carro estacionado na frente da embaixada. “Isso foi uma corroboração. E fomos muito sortudos por ter essas imagens”, diz.

Imagens de satélite obtidas pelo New York Times mostram carro que levou Bolsonaro à embaixada
Por trás da sombra. Imagens de satélite obtidas pelo New York Times mostram carro que levou Bolsonaro à embaixada (Reprodução/New York Times/Pléiades Neo)

2. LOCAL EXATO

Já para identificar os ambientes registrados nos vídeos, a equipe comparou as gravações com outras imagens públicas da embaixada da Hungria em Brasília, como:

  • Fotos geolocalizadas publicadas em redes sociais, no Google Maps e na plataforma Mapillary;
  • Imagens da fachada no Google Street View;
  • E outras imagens de satélite do local, dessa vez disponíveis no Google Earth.

“Eu procurei por elementos marcantes presentes nas filmagens das câmeras de segurança que também poderiam estar presentes nessas imagens”, conta. Dessa forma, foi possível identificar os portões de entrada e saída da embaixada e confirmar que uma das câmeras estava instalada na garagem.

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Para casos como esse, segundo ele, é importante reparar em características da decoração e da arquitetura de edifícios, em placas ou sinais de trânsito, ou em elementos da natureza, como árvores ou montanhas, se houver.

O comportamento das pessoas gravadas também foi levado em consideração para identificar cada um dos ambientes. Ao observar funcionários da embaixada levando roupas de cama a certo local, por exemplo, os jornalistas concluíram que se tratava de uma área de aposentos.

Pela falta de imagens públicas do interior da embaixada, também foi preciso recorrer a fontes que conhecessem o edifício. “Para essa parte, fizemos jornalismo tradicional”, diz.

Christoph Koettl, repórter do New York Times, em entrevista com Aos Fatos por videochamada
Especialista em vídeo. Christoph Koettl diz que teve sorte na investigação que confirmou estadia de Bolsonaro (Reprodução/Google Meets)

3. PESSOAS

Finalmente, para identificar Bolsonaro nas imagens, Koettl procurou vídeos recentes dele e comparou com imagens das câmeras de segurança. Alguns dos elementos que o levaram a confirmar que se tratava do ex-presidente foram o corte de cabelo, a postura, os gestos e até o relógio usado por ele, que havia aparecido em outras gravações nas redes.

A mesma estratégia foi usada para identificar o embaixador da Hungria, que tinha fotos públicas disponíveis em redes sociais e no site da embaixada, ainda que em menor quantidade.

Jair Bolsonaro e o embaixador húngaro Miklos Halmai foram registrados nas gravações de câmeras de segurança da embaixada
Identificados. Jornalistas do New York Times identificaram Jair Bolsonaro e o embaixador húngaro Miklos Halmai nas gravações de câmeras de segurança (Reprodução/New York Times)

Mesmo os especialistas, no entanto, não conseguiram reconhecer todos os presentes. É o caso de um homem que visitou a área de aposentos da embaixada na qual Bolsonaro se hospedou, mas que não pôde ser identificado porque não apareceu perto o suficiente das câmeras.

“Nós tentamos ser muito cuidadosos para identificar indivíduos específicos em filmagens. Quando é uma figura proeminente, como um ex-presidente, é mais fácil porque temos mais elementos”, diz.

Em casos de imagens com melhor resolução, Koetll indica reparar em características faciais, como marcas de expressão e pelos. Ele também recomenda observar se o indivíduo é destro ou canhoto, se tem tatuagem ou se usa aliança.

As estratégias compartilhadas pelo jornalista mostram que não há atalhos para fazer investigações digitais — só muita prática e boas fontes, o que se adquire com experiência. “Faça você mesmo”, ele aconselha, sugerindo testar as ferramentas que compartilhou.


👣 PASSO A PASSO

Depois que o New York Times descobriu que Bolsonaro esteve na embaixada da Hungria, o Aos Fatos procurou explicar o contexto da visita do ex-presidente.

Para isso, analisamos posts que foram publicados em suas redes sociais pouco antes da estadia. Encontramos um do mesmo dia em que o ex-presidente chegou à representação húngara. Para confirmar se ele havia sido feito antes ou depois do check-in, no entanto, precisávamos descobrir o horário da publicação, que não é mostrado pelo Instagram.

Para isso, bastou:

  • Acessar o link do post no computador (não pelo aplicativo);
  • Clicar na data da publicação com o botão direito do mouse;
  • Selecionar “Inspecionar”.
  • A data e horário completos aparecem no formato ISO 8601, que pode ser convertido para o horário de Brasília em conversores como o Coders Tool Box.

sobre o

Radar Aos Fatos faz o monitoramento do ecossistema de desinformação brasileiro e, aliado à ciência de dados e à metodologia de checagem do Aos Fatos, traz diagnósticos precisos sobre campanhas coordenadas e conteúdos enganosos nas redes.

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