🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Janeiro de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Parlamentares comparam ginásio da PF a campos nazistas para defender golpistas presos

Por Amanda Ribeiro, Bianca Bortolon e Luiz Fernando Menezes

13 de janeiro de 2023, 16h43

“Em nome da democracia, o Brasil acaba de ressuscitar os campos de concentração nazistas”, tuitou o deputado eleito Gustavo Gayer (PL-GO), na segunda-feira (9). A frase, que acompanha um vídeo do ginásio da Polícia Federal onde estavam detidos os golpistas responsáveis pela destruição das sedes dos Três Poderes no dia anterior, compõe uma estratégia adotada ao longo desta semana para defender os criminosos: comparar o cumprimento da lei ao Holocausto judeu.

  • Desde domingo (8), ao menos outros seis parlamentares eleitos para a legislatura que tomará posse em fevereiro compararam o ginásio da PF aos campos de concentração nazistas, em que cerca de 6 milhões de judeus foram torturados e assassinados, inclusive crianças e idosos;
  • O local em Brasília contava com médicos e psicólogos à disposição, oferecia três refeições ao dia, permitia acesso a celulares e tinha até um gramado para os detidos passearem;
  • Os parlamentares alegam que os golpistas detidos não teriam qualquer vínculo comprovado com os crimes, o que é falso, e estariam sendo submetidos a péssimas condições de higiene, descanso e alimentação;
  • Entidades judaicas procuradas por Aos Fatos dizem que o uso político é “irresponsável”, “banaliza o Holocausto e desrespeita as vítimas do genocídio”;
  • As publicações acumulam 193 mil interações até esta sexta-feira (13).

O deputado Evair de Melo (PP-ES) evocou a comparação inclusive em discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, na segunda-feira (9), ao votar contra o decreto que determinou intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal.

“Outro ponto que tem que ser registrado é o campo de concentração a que foram levadas as pessoas recolhidas durante os dias de ontem e de hoje. É vergonhoso! Isso, sim, vai manchar a nossa história”, disse Melo, antes de mencionar informações falsas: “Já tenho relato de pessoas passando mal, de crianças passando fome. Aquilo é um campo de concentração” — ouça o trecho abaixo ou assista ao original no YouTube da Câmara (a partir de 2h05min30seg).

Repúdio. Em nota ao Aos Fatos, o diretor do IBI (Instituto Brasil Israel) Daniel Douek afirmou que a estratégia diversionista usada por bolsonaristas para desviar a atenção dos atos criminosos ocorridos em Brasília “banaliza o Holocausto e desrespeita as vítimas do genocídio”.

Em posicionamento institucional, o IBI afirmou ainda que “as comparações feitas entre a detenção de envolvidos em atos de violência em Brasília e campos de concentração são irresponsáveis e ignoram a gravidade do que foi, efetivamente, o Holocausto, quando prisioneiros eram submetidos a trabalho escravo, privados de comida e passavam frio”.

“Caso não morressem neste processo de tortura, eram levados às câmaras de gás.”

O Museu do Holocausto também se manifestou. Em tuíte em resposta a Gayer, a instituição disse que as alegações desrespeitavam as vítimas dos campos de concentração: “O oposto do campo não é uma noção de liberdade irrestrita e irresponsável. Na democracia brasileira, os detidos por se manifestarem a favor de um golpe contra o Estado Democrático de Direito têm garantido o direito à ampla defesa, comunicação, alimentação e tudo o que o sistema garante, até mesmo a quem viola as suas regras mais fundamentais”.

NAS REDES

Em consonância com o discurso de seus representantes, usuários bolsonaristas nas redes também têm comparado a prisão dos golpistas ao Holocausto. Desde segunda-feira (9), quando a PF começou a transferir os detidos do pátio para as penitenciárias, publicações do tipo passaram a circular e acumulam milhões de visualizações no TikTok, 400 mil curtidas no Twitter e milhares de compartilhamentos no Facebook.

“Campo de concentração em Brasília!”, diz a legenda de um vídeo no TikTok que mostra pessoas dormindo no chão. “Me veio à memória o clássico do cinema ‘A Lista de Schindler’”, disse outro usuário, que afirmou ainda que nem os nazistas algemavam os capturados — diferente da Polícia Federal.

Print de vídeo no TikTok mostra golpistas presos dormindo no chão do ginásio da PF com legenda: campos de concentração em Brasília!!
Banalização. Vídeo no TikTok compara golpistas dormindo no ginásio da Polícia Federal à situação dos judeus nos campos de concentração (Reprodução/TikTok)

“Ao instaurarem os primeiros campos de concentração, os nazistas também induziam os inocentes judeus a entrarem em ônibus sem saber que estavam sendo presos e enviados aos campos”, escreveu no Twitter o empresário Otávio Fakhoury, que faz no post uma série de outras analogias enganosas entre a detenção dos golpistas e a perseguição de judeus na Alemanha nazista. Fakhoury é investigado no inquérito das fake news no STF (Supremo Tribunal Federal).

“Parabéns ‘homens’ do Exército de ‘Caxias’, vcs acabam de repetir esse feito 90 anos depois!”, escreveu Fakhoury.

Após a publicação desta reportagem, o assessor de imprensa do empresário enviou mensagem dando conta de que “em 1933, os nazistas realmente induziram os judeus a entrarem nos ônibus, prometendo vida melhor e dizendo que iriam ter trabalho, com a máxima de que o ‘trabalho liberta’”. O fato, que é citado em tuíte de Fakhoury, não foi contestado pela reportagem. Leia a íntegra.

Para reforçar a imagem de que os golpistas estariam sendo injustiçados, bolsonaristas investiram também na desinformação. A principal, replicada também por parlamentares dentro e fora das redes, é a de que idosos estariam morrendo no ginásio. A mentira foi espalhada pelos deputados Bia Kicis (PL-DF) e Evair de Melo em discursos no Congresso.

Outra teoria conspiratória predominante foi a de que a destruição teria sido causada por esquerdistas infiltrados em protestos que deveriam ter sido pacíficos. Vídeos fora de contexto que tentam emplacar essa narrativa apontam como infiltrados integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra), o sobrinho de um ex-governador do Mato Grosso do Sul e até uma bolsonarista responsável por grupos de Telegram hiperpartidários.

Outro lado. Em nota enviada após a publicação desta reportagem, a deputada federal Bia Kicis afirmou que apenas compartilhou um post feito por outro usuário e que, por ser neta de um judeu, jamais compararia os campos de concentração nazistas ao que ocorre no Brasil.

Segundo ela, “o espaço limitado naturalmente impede o contexto e, por óbvio, a menção a campos de concentração se referia aos realizados pelos regimes comunistas (exemplo dos gulags) como forma isolar e maltratar seus opositores”. Leia a íntegra.

Aos Fatos entrou em contato com a assessoria dos outros congressistas citados, mas nenhum comentou a reportagem até o momento da publicação.


Este texto foi atualizado às 12h55 do dia 17 de janeiro de 2023 para incluir a manifestação da assessoria de imprensa do empresário Otávio Fakhoury.

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