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Como investigar transmissões ao vivo no X

Por Ethel Rudnitzki e João Barbosa

22 de abril de 2024, 17h41

Primeiro, o X (ex-Twitter) parou de atender a demandas da imprensa. Depois, a empresa encerrou o acesso gratuito à API de conteúdo. Então, foi a vez de parar de publicar relatórios de transparência sobre sua atuação. As janelas para observar a plataforma se fecharam até mesmo no caso de ferramentas alternativas, como o Nitter — que ensinamos a usar na newsletter #68, mas que parou de funcionar após mudanças no algoritmo do X.

Em meio a tudo isso, o homem por trás dessas decisões encena o papel de whistleblower da própria empresa liberando alguns emails internos a um seleto grupo de autoproclamados jornalistas de sua confiança para se pintar como “defensor da liberdade”, imagem que não cola pra quem viu o desmonte da transparência na plataforma.

Mas essa newsletter não é sobre Elon Musk — porque já falamos demais sobre ele —, nem sobre os problemas do atual X. Na verdade, é sobre uma pequena luz nessa escuridão.

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Nas últimas semanas, o Aos Fatos precisou encontrar alternativas para cobrir o debate no X depois da publicação da edição brasileira do Twitter Files, que culminou na publicação de documentos sigilosos da Justiça brasileira pelo Congresso dos Estados Unidos. Como a coleta de hashtags e posts se tornou impossível, estávamos fazendo as investigações de forma manual até percebermos que boa parte da conversa sobre o assunto rolava em conversas por áudio, nos chamados Spaces.

A princípio, isso pareceu uma má notícia: uma parte considerável dessas conversas não ficam gravadas, então só é possível ouvi-las se você entrar ao vivo. Além disso, não é fácil encontrá-las, porque elas só aparecem no feed quando alguém que você segue estiver participando de uma delas ou o algoritmo achar conveniente te sugerir uma na sessão “ao vivo no Twitter”.

Porém, encontramos uma nave para adentrar esse espaço: o site Spaces Dashboard — cujo nome traduzido para português seria Painel de Spaces. Entre suas funcionalidades gratuitas estão:

  • Listagem de todas as salas na plataforma que estão ao vivo no momento ou que estão prestes a começar, com filtros por tema e idioma;
  • Ranking das maiores salas realizadas no dia, na semana ou no ano;
  • Busca por todas as salas que certo usuário criou, apresentou ou participou — para isso, basta acessar a URL https://spacesdashboard.com/u/ e incluir o nome do usuário desejado no final;
  • O site ainda disponibiliza outras possibilidades de navegação para quem assina o serviço, como a criação de alertas para acompanhar salas e criação de grupos de salas seguidas, disponíveis a partir de US$ 15 mensais.

As funcionalidades gratuitas foram suficientes para que encontrássemos as salas das quais brasileiros desinformadores como Allan dos Santos participaram em conjunto com figuras da extrema-direita global, como o influenciador Mario Nawfal. A partir dessas conversas, a repórter especial Gisele Lobato conseguiu flagrar a intenção dos influenciadores para levantar a pauta da suposta ameaça à liberdade de expressão no Brasil e no mundo.

Os Spaces também foram citados por relatório da Polícia Federal encaminhado ao STF na sexta-feira (19) que mostrou como a plataforma permitiu que perfis bloqueados por decisão judicial continuassem participando e transmitindo lives.

Depois da publicação do relatório, as transmissões foram restringidas no Brasil, mas suas informações seguem disponíveis no Space Dashboard – que também foi utilizado pelos investigadores da PF.

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Por meio do dashboard, também conseguimos medir o alcance dessa retórica cheia de desinformação dentro do X. Descobrimos, por exemplo, que uma sala de bate-papo sobre as decisões de Alexandre de Moraes divulgadas pelo Congresso dos EUA organizada pela segunda conta de um perfil que já foi derrubado pelo STF foi acompanhada por mais de 56 mil pessoas. A conversa contou com a participação de usuários banidos da plataforma, como Allan dos Santos e Monark.

O número coloca o Space em segundo lugar no ranking das maiores salas em português dos últimos 30 dias — atrás de uma transmissão sobre criptomoedas que chegou a mais de 1,2 milhão de participantes e na frente de uma sala que comentou a reta final do BBB 24, com 50 mil.

Isso é sinal de que ainda há muito para se investigar dentro das transmissões ao vivo do X, o que torna essenciais ferramentas como o Space Dashboard — além, é claro, de ouvidos atentos.


👣 PASSO A PASSO

Alguns dos Spaces que estamos acompanhando na cobertura dos desdobramentos do Twitter Files Brazil têm duração de mais de oito horas. Isso teria sido mais um desafio para a nossa cobertura sobre o tema, mas nós também arranjamos uma solução:

O primeiro passo é usar o yt-dlp e fazer o download dos arquivos de áudio das salas que continuam gravadas após a transmissão — a ferramenta não funciona com as que só estão disponíveis ao vivo.

Aí é hora de jogar o arquivo final no Escriba, ferramenta do Aos Fatos que, com o uso de inteligência artificial, identifica os falantes e transcreve os áudios em mais de 90 idiomas para que possamos procurar por palavras-chave mais facilmente.

sobre o

Radar Aos Fatos faz o monitoramento do ecossistema de desinformação brasileiro e, aliado à ciência de dados e à metodologia de checagem do Aos Fatos, traz diagnósticos precisos sobre campanhas coordenadas e conteúdos enganosos nas redes.

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