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🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Congresso deixa de aprovar projetos de lei para combater desinformação nas eleições de 2024

Por Ethel Rudnitzki e Gisele Lobato

4 de outubro de 2023, 16h42

Após meses de idas e vindas e discussões sobre diferentes projetos de lei, o Congresso Nacional não aprovou nenhuma nova legislação para combater desinformação durante as eleições municipais do ano que vem. Ao fim do prazo exigido pela Constituição, as principais iniciativas em discussão neste ano não avançaram a tempo de valerem para o próximo pleito.

  • A Câmara aprovou em abril a urgência na tramitação do PL 2.630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, mas o projeto perdeu fôlego após intensa campanha de pressão das plataformas;
  • O relator Orlando Silva (PC do B-SP) chegou a sugerir que um trecho do texto que tratava de desinformação migrasse para a minirreforma eleitoral, que foi aprovada na Câmara e não será aprovada a tempo no Senado;
  • No entanto, o grupo de trabalho que elaborou sugestões de mudança na legislação eleitoral optou por deixar de fora esse e outros temas que considerava “polêmicos”;
  • O impasse em torno do “PL das Fake News” também impôs cautela à tramitação de outras regulações do mundo digital, como a da inteligência artificial e a da atividade dos influenciadores;
  • A inclusão da disseminação de desinformação contra instituições democráticas como crime de responsabilidade no projeto que altera as regras para o impeachment também gerou reação de parlamentares, que votam para derrubar o trecho;
  • Já o PL 5.347/2020, que cria a Lei de Enfrentamento à Desinformação nas Eleições, teve pequeno avanço com sua aprovação pela Comissão de Comunicação da Câmara, em agosto, mas ainda deve passar pela Comissão de Constituição e Justiça.

A Constituição determina que uma lei que mude o processo eleitoral só é válida para o pleito seguinte se for aprovada ao menos um ano antes da data em que a população deve comparecer às urnas. No caso das eleições de 2024, o prazo se encerra nesta quinta-feira (5).

Silvana Batini, procuradora-regional da República e professora de direito eleitoral da FGV Direito Rio, explica que esse prazo pode ser contornado no caso da aprovação de emendas constitucionais. Também existe controvérsia sobre a aplicação do bloqueio a normas que não são estritamente eleitorais, como é o caso de propostas que preveem a regulação da atuação das plataformas digitais durante o pleito.

“A anualidade se justifica para não haver surpresa aos partidos e candidatos. A lei das plataformas foge a essa configuração”, avalia a procuradora, que considera que, em casos como esse, ainda seria possível aprovar mudanças que valessem para o ano que vem. O problema, diz, é que falta consenso sobre a matéria, o que poderia judicializar o debate.

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TRAMITAÇÕES TRAVADAS

Entre as iniciativas que poderiam garantir eleições com menos desinformação no próximo ano está o PL 2.630/2020, que teve a tramitação paralisada em maio. O texto propõe uma regulação das plataformas digitais, exigindo delas mais transparência e maior atenção no combate a crimes já previstos em lei, como o discurso de ódio.

É justamente por olhar para a raiz do problema que o “PL das Fake News” é considerado por especialistas como Yasmin Curzi, professora e pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, como o “principal instrumento para lidar com a desinformação no Brasil”.

“Lidar com problemas de conteúdo nocivo na internet, como a desinformação e o discurso de ódio, não deve ser feito somente a partir da análise do conteúdo em si, mas olhando para como, por exemplo, os sistemas de recomendação operam”, avalia.

Essa ideia parte do pressuposto que o impacto de uma peça desinformativa depende do seu alcance, que é amplificado pelos algoritmos. Por isso, ao exigir mais transparência sobre o funcionamento desses sistemas, o “PL das Fake News” poderia ajudar a identificar distorções que estivessem ampliando a audiência de conteúdos mentirosos.

Para a advogada especializada em direito eleitoral Luiza Portella, a disseminação de mentiras nas campanhas não se combate “responsabilizando a ponta, a ‘tia do WhatsApp’”, e a legislação falha por não prever mais meios de atacar o problema de forma sistêmica. O “PL das Fake News” poderia colaborar nessa missão, avalia, ao lado de medidas como a conscientização dos eleitores, o combate ao uso de robôs e o bloqueio da monetização de canais desinformativos.

A proposta, no entanto, não tem data para voltar a andar. O principal impasse diz respeito ao órgão que ficará responsável por fiscalizar a aplicação da lei. Visando destravar o projeto, lideranças na Câmara tentaram fatiá-lo, colocando em votação separadamente artigos que tratavam da remuneração de artistas e jornalistas pelas big techs, mas a estratégia falhou.

Também fracassou a proposta de Orlando Silva de transferir para a minirreforma eleitoral, que não será aprovada a tempo no Senado, um trecho do texto que equipara as plataformas digitais aos demais meios de comunicação na aplicação do artigo 22 da chamada Lei das Inelegibilidades.

Caso tivesse sido aprovado, o dispositivo poderia ajudar a punir abusos cometidos por candidatos no uso das redes sociais nas próximas eleições, já que facilitaria a abertura de investigação judicial. A inclusão do tema, porém, não foi acatada pelo grupo de trabalho que formalizou as propostas de mudanças na legislação eleitoral. Ao fim do prazo exigido pela anualidade, nem mesmo a minirreforma valerá para o ano que vem: sua votação foi adiada na última terça (3).

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EFEITO DOMINÓ

Com o impasse no “PL das Fake News”, a sensação dos parlamentares é de que não há clima para avançar em outros pontos da regulação do mundo digital.
Um dos debates atrasados no país é o da regulação de modelos de inteligência artificial, cujo uso deve ganhar terreno a partir das eleições municipais do próximo ano, como o Aos Fatos mostrou. A falta de um marco legal para o tema é especialmente grave considerando que ferramentas de IA podem criar conteúdos desinformativos altamente realistas contra opositores políticos.

  • Uma comissão especial para avaliar propostas de regulação para inteligência artificial no Brasil foi instaurada no Senado em meados de agosto, sob a presidência do senador Carlos Viana (Podemos-MG), que também preside a Comissão de Ciência e Tecnologia na Casa;
  • Até o início de outubro, no entanto, foram realizadas apenas quatro reuniões deliberativas
  • Na última reunião, realizada nesta quarta-feira (4), foi aprovado requerimento do senador Eduardo Gomes (PL-TO), que solicita a realização de sete audiências públicas, entre elas uma que pretende debater “aplicação e implicações da IA nas eleições e na disseminação de informações”;
  • As audiências ainda não têm data marcada nem participantes confirmados;
  • O prazo para conclusão dos trabalhos é de 120 dias, que o presidente garante que serão respeitados;
  • Outros integrantes ouvidos por Aos Fatos, no entanto, acreditam que o período deve se estender para garantir o aprofundamento do debate;
  • Ainda que houvesse tempo hábil para regular o tema antes do prazo constitucional necessário para que as normas valessem para o próximo pleito, o tema não é prioridade para a presidência da comissão;
  • “A questão do uso da inteligência artificial nas eleições não nos preocupa, porque os princípios é que são mais importantes”, afirmou Viana ao Aos Fatos.
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Influenciadores. Outra discussão que deve aguardar uma definição sobre o “PL das Fake News” é a regulação da atividade dos influenciadores digitais. Como o Aos Fatos mostrou, atualmente existem na Câmara oito propostas que buscam regulamentar a atividade.

Esses textos enfatizam, entre outros pontos, que os criadores devem ter responsabilidade com a veracidade das informações divulgadas e que não podem disseminar conteúdos discriminatórios, violentos ou que incitem o ódio.

Apesar de também defenderem que os influenciadores devem explicitar quando um conteúdo postado for pago, as propostas deixam uma lacuna ao não abordarem a questão das parcerias pagas para o exercício de propaganda política, de acordo com a avaliação de Yasmin Curzi.

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Impeachment. Também foi incluído um dispositivo de combate à desinformação no PL 1.388/2023, de Rodrigo Pacheco, que altera a forma de tramitação de processos de impeachment e traz novos motivos que podem levar o chefe do Executivo a perder o mandato.

No capítulo que lista os crimes contra as instituições democráticas, a segurança interna do país e o livre exercício dos poderes constitucionais, o projeto determina que é crime de responsabilidade “divulgar, direta ou indiretamente, por qualquer meio, fatos sabidamente inverídicos, com o fim de deslegitimar as instituições democráticas.”

Em tramitação na Comissão de Constituição de Justiça, o projeto recebeu até o momento 66 emendas; três delas, assinadas pelos senadores Damares Alves (Republicanos-DF), Sergio Moro (União-PR) e Rogério Marinho (PL-RN) pedem pela exclusão do dispositivo que determina o combate à desinformação. Nas justificativas, os autores alegam que o trecho é subjetivo e “pode inviabilizar a discussão política”.

CORRENDO POR FORA

Sem causar o mesmo alarde que o “PL das Fake News”, a Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados aprovou no início de agosto uma proposta que cria a Lei de Enfrentamento à Desinformação nas Eleições.

  • O texto aprovado é o substitutivo ao PL 5.347/2020, apresentado pela deputada Simone Marquetto (MDB-SP), que foi a relatora na comissão;
  • A proposta busca obrigar as redes sociais e ferramentas de busca com mais de 1 milhão de usuários a concederem espaços para comunicados dos tribunais eleitorais;
  • Apelidados de “megafones”, esses espaços ficariam no início das timelines e divulgariam mensagens sobre a organização e as medidas de segurança sanitárias das eleições;
  • Além disso, o projeto também prevê que provedores adotem medidas de combate à desinformação e aos abusos nas eleições, sob orientação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e disponibilizem canais de comunicação entre os tribunais e os eleitores para combater disparos em massa de propaganda política e outras ilegalidades.

Tramitando sem caráter de urgência, porém, o projeto ainda precisa ser debatido por outras comissões temáticas para avançar. No momento, ele aguarda a designação de um relator na Comissão de Constituição e Justiça.

Referências:

1. Câmara dos Deputados (1, 2, 3, 4)
2. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11)
3. Planalto (1, 2)
4. TSE
5. Folha de S.Paulo
6. G1
7. Senado (1, 2, 3, 4, 5)
8. Agência Lupa

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