🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Janeiro de 2024. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Caso do celular da Havan é exemplar do impacto negativo que golpes podem ter sobre empresas

Por Alexandre Aragão

18 de janeiro de 2024, 13h39

Como em qualquer ramo da economia, os golpes na internet se aperfeiçoam a partir de experiências prévias bem-sucedidas. Uma fraude viral que circula desde novembro é exemplo dessa inteligência de negócios criminosos: a do celular em promoção na Havan.

Com o uso de inteligência artificial, os golpistas criaram um vídeo “deep fake” em que um clone virtual do empresário Luciano Hang, o Véio da Havan, diz que a varejista foi obrigada pelo Procon a vender smartphones por R$ 179.

Exposto por organizações de checagem — o texto sobre o tema foi o mais acessado no site do Aos Fatos em dezembro —, o golpe continua a ser compartilhado, inclusive em anúncios pagos nas redes. Consumidores enganados inundaram a Havan de reclamações, tanto na internet como nas lojas. Em entrevista à repórter Gisele Lobato, um porta-voz da empresa de Luciano Hang defendeu a regulação das redes.

A Plataforma de hoje é sobre o potencial de impacto negativo que golpes virtuais têm nos negócios.


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🗽 O celular da Havan

Personagem que será sempre lembrado como parte da paisagem bolsonarista, o empresário Luciano Hang é vítima de um vídeo falso que causa prejuízo à reputação da Havan. Em reportagem publicada nesta quinta-feira (18), o Aos Fatos mostrou dados que dão a dimensão do problema.

“Só em um sábado, tivemos 500 reclamações”, disse Fábio Roberto de Souza, responsável pelos canais de relacionamento da empresa. “Teve gente que foi na loja física e se exaltou ao procurar a oferta e a gente informar que não tinha.” No Reclame Aqui, metade das queixas registradas contra a Havan entre 1º de dezembro e 12 de janeiro diz respeito ao golpe do celular, conforme análise feita pela reportagem.

Usar a credibilidade de grandes empresas a fim de roubar dados e dinheiro é um método tão antigo quanto a própria existência de golpes virtuais. Tanto melhor se for uma varejista com vendas relevantes na internet, como a rede Magazine Luiza, que jamais leiloou iPhones por R$ 98.

O caso da Havan se destaca pelo alcance e pela efetividade extraordinários. O conteúdo falso que serve para divulgar o golpe tem alto potencial de engajamento, já que Hang construiu uma presença online marcante.

Suspensa em agosto de 2022, durante a campanha eleitoral, a conta dele no Instagram somava 5 milhões de seguidores. Ao vê-lo anunciando uma oferta, clientes da Havan não perceberam motivos para desconfiar.

É claro que o prejuízo financeiro e reputacional à Havan não significa que Hang, que acumulou milhões de interações com conteúdo mentiroso no Instagram durante a pandemia e patrocinou o blogueiro foragido Allan dos Santos, irá mudar de ideia em relação à gravidade da desinformação.

No já longínquo ano de 2017, o empresário Mário Gazin relatou a mim, para reportagem no finado BuzzFeed News, que uma mentira espalhada no WhatsApp o fez perder uma encomenda de 1 milhão de colchões. Anos depois, quando o então presidente Bolsonaro usou o 7 de Setembro para repisar mentiras golpistas, o mesmo Gazin ofereceu pagar o transporte de quem quisesse comparecer aos atos.

Enquanto parte do empresariado continuar a encarar o problema da desinformação como uma questão restrita à disputa política — ancorados em uma ideia distorcida de “liberdade de expressão” —, as plataformas continuarão a extrair um quinhão do prejuízo alheio e a fazer lobby para interditar qualquer iniciativa de regulação.

Na segunda (15), o Aos Fatos revelou que 11,5% da receita declarada pela Meta com anúncios sobre “temas sociais, eleições ou política” nos últimos três meses — R$ 3,8 milhões do total de R$ 32,6 milhões — foi obtida com propagandas que divulgavam falsos auxílios financeiros ou programas de renegociação de dívidas, a fim de enganar usuários e obter dados e dinheiro de forma ilegal.

Questionada pela reportagem, a dona de Facebook, Instagram e WhatsApp replicou um posicionamento que já havia enviado em setembro de 2023:

“Atividades que tenham como objetivo enganar, fraudar ou explorar terceiros não são permitidas em nossas plataformas e estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas. Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra os Padrões da Comunidade do Facebook, das Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através dos próprios aplicativos.”

Não falta tecnologia para detectar conteúdos análogos. Morador de Queimados (RJ), Lucas Flôr caiu no golpe do celular da Havan. “Depois que eu cliquei nesse anúncio, vários iguais começaram a aparecer”, ele relatou a Gisele Lobato. O algoritmo funciona.

O advogado Luiz Augusto D’Urso, coordenador do Conselho de Segurança Cibernética e de Dados Pessoais da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), opinou que o aumento das fraudes não prejudica apenas a imagem das empresas, mas também as vendas. “O empreendedor precisa convencer o consumidor que um anúncio é real, é legítimo, principalmente quando faz grandes promoções.”

O saldo final é o seguinte: saem ganhando os golpistas, é claro, e também as plataformas, que faturam com anúncios patrocinados, mesmo que o fim seja criminoso.

Perdem as empresas que são alvos das mentiras, responsáveis por lidar com crises de reputação e comunicação, canais de atendimento sobrecarregados e possíveis quedas nas vendas — além de, no geral, continuarem a anunciar nas mesmíssimas plataformas que impulsionam o prejuízo.

No meio disso tudo, quem mais perde é o usuário, consumidor, cidadão comum e vítima em potencial. Ele que dê seus pulos para distinguir o que é oferta e o que é golpe.

Colaboraram Amanda Lemos, Ethel Rudnitzki e Gisele Lobato.

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