🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2021. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Bolsonaro e aliados publicaram 83% da desinformação sobre 'tratamento precoce' no Facebook em 2021

Por Bernardo Barbosa, Bruno Fávero, Débora Ely e João Barbosa

24 de março de 2021, 18h38

O presidente Jair Bolsonaro e políticos alinhados a seu governo foram responsáveis por 83% das publicações mais populares do Facebook que defenderam medicamentos ineficazes ou sem comprovação científica contra a Covid-19 neste ano, aponta levantamento do Radar Aos Fatos.

A reportagem analisou os 300 posts com mais interações (curtidas e compartilhamentos) que mencionam essas drogas e foram publicados desde 1º de janeiro de 2021, por quaisquer perfis verificados ou páginas. Mais de um terço (115) promovia os medicamentos e, desse universo, 83% das mensagens (96) vieram de Bolsonaro e seus aliados. Até segunda-feira (22), as publicações analisadas que defendiam o chamado "tratamento precoce" somavam mais de 5,3 milhões de interações, das quais 4,8 milhões (90%) vieram de posts de 29 políticos bolsonaristas.

O apoio de políticos a drogas sem eficácia comprovada tem contribuído para que a desinformação sobre o assunto cresça nas redes no momento mais grave da pandemia no Brasil. Em março, o monitor do Radar Aos Fatos encontrou média diária de 1.330 publicações potencialmente desinformativas sobre o assunto, mais do que o dobro dos números de janeiro, 597, e fevereiro, 574 (entenda a metodologia da ferramenta aqui). O Google Trends também registra um aumento expressivo no número de buscas por termos como "ivermectina" e "tratamento precoce" desde o fim de fevereiro.

Checagens do Aos Fatos já mostraram que não há estudos comprovando o efeito de medicamentos como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina contra a Covid-19 — aqui, o Aos Fatos também explicou por que não se pode dizer que o “tratamento precoce” funciona contra a Covid-19. Essas e outras substâncias foram citadas nos posts analisados, às vezes acompanhadas de referências a pesquisas preliminares ou de baixa qualidade.

Além de não ter comprovação, o chamado “kit covid” tem levado pacientes para a fila do transplante de fígado e já causou a morte de pelo menos três pessoas, de acordo com reportagem do O Estado de S. Paulo. O Hospital das Clínicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) também confirmou ao menos um caso de hepatite medicamentosa relacionada ao suposto tratamento, mostrou o G1.

Já a BBC Brasil publicou reportagem sobre chefes de UTIs pelo Brasil que têm observado que o “tratamento precoce” pode aumentar o risco de morte de pacientes graves de Covid-19. Por isso, 81 entidades médicas e científicas defendem o banimento do uso desses remédios em pacientes com coronavírus.

BOLSONARISTAS E O 'TRATAMENTO PRECOCE'

O presidente Jair Bolsonaro foi quem mais gerou engajamento no Facebook com publicações que fomentam o uso de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19 —seus seis posts que entraram no levantamento somaram mais de 1 milhão de interações, 20% do total da desinformação analisada no levantamento.

Na mensagem mais popular, o presidente afirmou que um spray nasal desenvolvido em Israel tem eficácia próxima a 100% em casos graves de Covid-19. Não mencionou, contudo, que o procedimento está em estágio inicial de testes e que, até o momento, foi aplicado em apenas 30 voluntários. Em outros posts, Bolsonaro também defendeu a cloroquina e, de maneira genérica, o “tratamento precoce”.

As publicações do presidente são seguidas em popularidade pelas da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). A parlamentar teve, nas dez mensagens em que promoveu tratamentos sem eficácia comprovada para a Covid-19, mais de 846 mil interações (16% do total).

Um dos posts, de 22 de janeiro, traz um link do site Brasil Sem Medo que afirma que o “tratamento precoce” zerou os casos de coronavírus em Búzios (RJ). Como o Aos Fatos mostrou, essa informação é falsa e é desmentida pelo próprio painel de dados da prefeitura da cidade.

Aparecem ainda entre os dez políticos com mais engajamento os deputados federais Filipe Barros (PSL-PR), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF), Marco Feliciano (Republicanos-SP), Carlos Jordy (PSL-RJ) e Otoni de Paula (PSC-RJ). Também entraram na lista os ex-deputados Cabo Daciolo (Patriotas-RJ) e Carlos Manato (sem partido-ES), que é médico.

Candidato à Presidência em 2018, Daciolo foi apenas o quinto que mais engajou com o assunto, mas é o autor da mensagem mais popular entre as analisadas, com 333 mil interações. Trata-se de um vídeo, publicado em 13 de janeiro, no qual pede a Bolsonaro o “dia nacional de prevenção contra a Covid-19”, defendendo a distribuição de ivermectina à população. “Todos os médicos da nação brasileira estão orientando o paciente a tomar ivermectina”, diz o ex-deputado.


MEDICAMENTOS

O levantamento mostra que a ivermectina (com 32 menções) e a cloroquina (com 23) foram as drogas mais citadas pelos defensores dos tratamentos sem comprovação. Também apareceram medicamentos como o spray nasal israelense (10), proxalutamida (3), zinco (2), soroterapia (2), vitamina C (1) e vitamina D (1). Trinta e oito mensagens mencionaram genericamente o "tratamento precoce", sem citar remédios específicos. O número total de tratamentos mencionados é maior que o total de posts porque algumas publicações citaram mais de uma substância.

OUTRO LADO

O Radar Aos Fatos procurou, via e-mails enviados na tarde de terça-feira (23), todos os políticos citados nominalmente nesta reportagem.

A Presidência da República disse que não iria se manifestar.

A assessoria de imprensa da deputada federal Carla Zambelli enviou nota na qual cita as fontes das informações das postagens analisadas e afirma que as informações destacadas nas redes sociais da parlamentar “são baseadas em fontes sérias e que, de alguma forma, têm representatividade na sociedade”. “Seria interessante o Aos Fatos, que se diz compromissado com a verdade, questionar todas as fontes acima citadas, caso isso convenha ao veículo”, diz a nota.

Os outros procurados não responderam até o momento da publicação deste texto.

Referências:

1. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5, 6)
2. Google Trends
3. O Estado de S. Paulo (1, 2)
4. G1
5. BBC Brasil
6. Folha de S. Paulo

sobre o

Radar Aos Fatos faz o monitoramento do ecossistema de desinformação brasileiro e, aliado à ciência de dados e à metodologia de checagem do Aos Fatos, traz diagnósticos precisos sobre campanhas coordenadas e conteúdos enganosos nas redes.

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