Bolsonaro e aliados publicaram 83% da desinformação sobre 'tratamento precoce' no Facebook em 2021

Compartilhe

O presidente Jair Bolsonaro e políticos alinhados a seu governo foram responsáveis por 83% das publicações mais populares do Facebook que defenderam medicamentos ineficazes ou sem comprovação científica contra a Covid-19 neste ano, aponta levantamento do Radar Aos Fatos.

A reportagem analisou os 300 posts com mais interações (curtidas e compartilhamentos) que mencionam essas drogas e foram publicados desde 1º de janeiro de 2021, por quaisquer perfis verificados ou páginas. Mais de um terço (115) promovia os medicamentos e, desse universo, 83% das mensagens (96) vieram de Bolsonaro e seus aliados. Até segunda-feira (22), as publicações analisadas que defendiam o chamado "tratamento precoce" somavam mais de 5,3 milhões de interações, das quais 4,8 milhões (90%) vieram de posts de 29 políticos bolsonaristas.

O apoio de políticos a drogas sem eficácia comprovada tem contribuído para que a desinformação sobre o assunto cresça nas redes no momento mais grave da pandemia no Brasil. Em março, o monitor do Radar Aos Fatos encontrou média diária de 1.330 publicações potencialmente desinformativas sobre o assunto, mais do que o dobro dos números de janeiro, 597, e fevereiro, 574 (entenda a metodologia da ferramenta aqui). O Google Trends também registra um aumento expressivo no número de buscas por termos como "ivermectina" e "tratamento precoce" desde o fim de fevereiro.

Checagens do Aos Fatos já mostraram que não há estudos comprovando o efeito de medicamentos como hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina contra a Covid-19 — aqui, o Aos Fatos também explicou por que não se pode dizer que o “tratamento precoce” funciona contra a Covid-19. Essas e outras substâncias foram citadas nos posts analisados, às vezes acompanhadas de referências a pesquisas preliminares ou de baixa qualidade.

Além de não ter comprovação, o chamado “kit covid” tem levado pacientes para a fila do transplante de fígado e já causou a morte de pelo menos três pessoas, de acordo com reportagem do O Estado de S. Paulo. O Hospital das Clínicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) também confirmou ao menos um caso de hepatite medicamentosa relacionada ao suposto tratamento, mostrou o G1.

Já a BBC Brasil publicou reportagem sobre chefes de UTIs pelo Brasil que têm observado que o “tratamento precoce” pode aumentar o risco de morte de pacientes graves de Covid-19. Por isso, 81 entidades médicas e científicas defendem o banimento do uso desses remédios em pacientes com coronavírus.

BOLSONARISTAS E O 'TRATAMENTO PRECOCE'

O presidente Jair Bolsonaro foi quem mais gerou engajamento no Facebook com publicações que fomentam o uso de medicamentos sem eficácia contra a Covid-19 —seus seis posts que entraram no levantamento somaram mais de 1 milhão de interações, 20% do total da desinformação analisada no levantamento.

Na mensagem mais popular, o presidente afirmou que um spray nasal desenvolvido em Israel tem eficácia próxima a 100% em casos graves de Covid-19. Não mencionou, contudo, que o procedimento está em estágio inicial de testes e que, até o momento, foi aplicado em apenas 30 voluntários. Em outros posts, Bolsonaro também defendeu a cloroquina e, de maneira genérica, o “tratamento precoce”.

As publicações do presidente são seguidas em popularidade pelas da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). A parlamentar teve, nas dez mensagens em que promoveu tratamentos sem eficácia comprovada para a Covid-19, mais de 846 mil interações (16% do total).

Um dos posts, de 22 de janeiro, traz um link do site Brasil Sem Medo que afirma que o “tratamento precoce” zerou os casos de coronavírus em Búzios (RJ). Como o Aos Fatos mostrou, essa informação é falsa e é desmentida pelo próprio painel de dados da prefeitura da cidade.

Aparecem ainda entre os dez políticos com mais engajamento os deputados federais Filipe Barros (PSL-PR), Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF), Marco Feliciano (Republicanos-SP), Carlos Jordy (PSL-RJ) e Otoni de Paula (PSC-RJ). Também entraram na lista os ex-deputados Cabo Daciolo (Patriotas-RJ) e Carlos Manato (sem partido-ES), que é médico.

Candidato à Presidência em 2018, Daciolo foi apenas o quinto que mais engajou com o assunto, mas é o autor da mensagem mais popular entre as analisadas, com 333 mil interações. Trata-se de um vídeo, publicado em 13 de janeiro, no qual pede a Bolsonaro o “dia nacional de prevenção contra a Covid-19”, defendendo a distribuição de ivermectina à população. “Todos os médicos da nação brasileira estão orientando o paciente a tomar ivermectina”, diz o ex-deputado.


MEDICAMENTOS

O levantamento mostra que a ivermectina (com 32 menções) e a cloroquina (com 23) foram as drogas mais citadas pelos defensores dos tratamentos sem comprovação. Também apareceram medicamentos como o spray nasal israelense (10), proxalutamida (3), zinco (2), soroterapia (2), vitamina C (1) e vitamina D (1). Trinta e oito mensagens mencionaram genericamente o "tratamento precoce", sem citar remédios específicos. O número total de tratamentos mencionados é maior que o total de posts porque algumas publicações citaram mais de uma substância.

OUTRO LADO

O Radar Aos Fatos procurou, via e-mails enviados na tarde de terça-feira (23), todos os políticos citados nominalmente nesta reportagem.

A Presidência da República disse que não iria se manifestar.

A assessoria de imprensa da deputada federal Carla Zambelli enviou nota na qual cita as fontes das informações das postagens analisadas e afirma que as informações destacadas nas redes sociais da parlamentar “são baseadas em fontes sérias e que, de alguma forma, têm representatividade na sociedade”. “Seria interessante o Aos Fatos, que se diz compromissado com a verdade, questionar todas as fontes acima citadas, caso isso convenha ao veículo”, diz a nota.

Os outros procurados não responderam até o momento da publicação deste texto.

Referências

  1. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5 e 6)
  2. Google Trends
  3. > O Estado de S. Paulo (1 e 2)
  4. G1
  5. BBC Brasil
  6. Folha de S. Paulo

Compartilhe

Leia também

Como não errar ao investigar dados sobre atividade parlamentar

Como não errar ao investigar dados sobre atividade parlamentar

Imigrantes nos Estados Unidos recebem anúncios de falsas vagas de emprego no Instagram

Imigrantes nos Estados Unidos recebem anúncios de falsas vagas de emprego no Instagram

Como verificar seu perfil no Bluesky com a configuração de domínios personalizados

Como verificar seu perfil no Bluesky com a configuração de domínios personalizados