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Ameaças de Musk e reviravolta no ‘PL das Fake News’ põem em xeque a soberania do Brasil

Por Gisele Lobato

12 de abril de 2024, 14h19

Quem é a pessoa mais poderosa do Brasil hoje? Dificilmente haveria consenso, mas é provável que entre as respostas apareçam os nomes de Lula (PT), do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes — três autoridades que defendem, há mais de um ano, sem sucesso, a necessidade de aprovar uma regulação para as plataformas digitais.

A investida de Elon Musk contra Moraes é apenas o episódio mais espalhafatoso da ingerência das big techs nos assuntos brasileiros. Mas o obituário do “PL das Fake News” (PL 2.630/2020), sepultado por Lira nesta semana, também nos obriga a questionar os limites da nossa soberania.

Ao declarar que iria desrespeitar as decisões do Judiciário brasileiro, Musk questionou a capacidade do país de fazer valer as próprias leis. O episódio também levantou novas preocupações sobre a Starlink. Já havíamos questionado aqui a dependência em relação à empresa para conectar regiões distantes do país. Agora, como bem detalhou uma análise no site especializado Teletime, somos obrigados a constatar que, embora a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ainda tenha capacidade para interromper o serviço oferecido por meio dos satélites de Musk, num futuro próximo isso pode se tornar impossível.

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A fragilidade do Brasil em relação às big techs fica também evidente ao refletir sobre a trajetória do “PL das Fake News”, que estava empoeirando nos escaninhos da Câmara desde 2 de maio do ano passado. Nos dias que antecederam a retirada da pauta, os deputados que haviam ajudado a aprovar o regime de urgência da tramitação foram alvo de uma enxurrada de mensagens, ligações de eleitores e ataques nas redes. “O telefone aqui não parou de tocar hoje”, desabafou, na época, a assessora jurídica de um deles.

Em vez de onda espontânea, a campanha para que os eleitores procurassem os legisladores inclinados a apoiar a regulação foi coordenada. Como mostramos, grupos de WhatsApp chegaram a ser criados com essa finalidade, e as próprias big techs tiveram papel importante no movimento — o que levou Lira a apresentar uma notícia-crime contra elas pelo assédio.

A campanha acuou uma parcela dos legisladores e fez o Republicanos retirar seu apoio ao projeto. Sem esses votos, o “PL das Fake News” perdeu as condições de ser aprovado na época, e todas as tentativas de sair do impasse depois disso falharam. Se os ataques de Musk a Moraes reacenderam a discussão, eles só sensibilizaram quem já defendia a regulação.

As declarações de Musk estavam sintonizadas com um dos discursos mais bem explorados pela campanha da extrema-direita contra o projeto: o de que a regulação das plataformas significaria a criação de um “Ministério da Verdade” e teria a censura como finalidade. Daí que, em vez de ajudar a contornar resistências, o chilique do dono do X só aumentou desconfianças.

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Se a pecha de “PL da Censura” extrapolou a bolha da extrema-direita, parte da responsabilidade precisa ser atribuída às plataformas. Os comunicados divulgados pelas empresas à época deixavam margem para essa interpretação, como mostrou investigação que fizemos sobre a campanha do Google voltada aos youtubers.

O mesmo vale para a trama engendrada sob medida para a bancada evangélica, de que o projeto iria proibir a circulação de versículos da Bíblia nas redes. Embora a mentira tenha ganhado terreno após vídeos do agora ex-deputado Deltan Dallagnol, ela já estava presente em um panfleto distribuído aos congressistas pela Câmara-e.net (Câmara Brasileira de Economia Digital), entidade de lobby que atuou contra o projeto.

Se o “PL das Fake News” como o conhecemos morreu, todos esses episódios ajudaram a envenená-lo. Agora, resta esperar o que sairá do grupo de trabalho anunciado por Lira para entender se a jogada foi um atestado de derrota das instituições ou um inesperado gambito, em que o enxadrista cede um peão ao adversário no intuito de obter vantagem posicional. Um recuo legislativo com o objetivo de retomar o poder estatal, colocado em xeque por empresas estrangeiras.

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