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O que mudou no ‘PL das Fake News’ após ataques de Elon Musk a Moraes

Por Ethel Rudnitzki e Gisele Lobato

11 de abril de 2024, 13h56

Em menos de uma semana, a polêmica envolvendo o empresário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), fez o “PL das Fake News” (PL 2.2630/2020) quase voltar à pauta da Câmara, para na sequência retornar à estaca zero.

No último final de semana, o magnata publicou uma série de críticas em seu perfil na rede da qual é dono, acusando o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de atentar contra a liberdade de expressão. Musk ameaçou desbloquear perfis retidos na rede por determinação judicial — e cumpriu.

Os ataques de Musk motivaram uma campanha para que o Congresso retomasse a discussão sobre a regulação das plataformas digitais. A seguir, o Aos Fatos explica por que o debate acabou resultando no enterro do PL 2.630/2020 e discute o que deve acontecer agora.

  1. Por que o “PL das Fake News” vai recomeçar do zero?
  2. O que deve acontecer daqui em diante?
  3. Quais os impasses em torno da versão do ‘PL das Fake News’ que foi descartada?
  4. A regulação do uso de IA será incluída nas discussões?
  5. Como o julgamento do STF sobre o Marco Civil da Internet afeta o debate?

1. Por que o “PL das Fake News” vai recomeçar do zero?

Com a polêmica envolvendo o dono do X, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), levou ao colégio de líderes a proposta de retomar a votação do “PL das Fake News”. Na reunião, porém, o presidente da Câmara, Arthur Lira, voltou a constatar que não havia apoio para aprovar o texto.

Lira já se posicionou a favor do “PL das Fake News” e chegou a apresentar uma notícia-crime contra as plataformas no ano passado, por causa da campanha de assédio sobre os deputados. A desistência de colocar em votação o projeto que estava na mesa veio da constatação de que a resistência na Câmara era incontornável.

Na terça-feira (9), Lira declarou que, embora tenha havido um “esforço gigantesco” dos líderes para votar a proposta, nunca foi possível encontrar consenso. “Ele estava fadado a ir a canto nenhum”, avaliou o deputado após a reunião com as lideranças.

Ao justificar a decisão, o presidente da Câmara considerou que “o texto foi polemizado”, devido ao excesso de disputas políticas e ideológicas. “Quando um texto ganha uma narrativa como essa, ele simplesmente não ganha apoio. Não é questão de governo e oposição.” Lira também afastou o relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP).

“O Lira percebeu que, com o texto do Orlando e com o Orlando, não ia virar”, relata uma fonte que acompanha as negociações. Na sua avaliação, o afastamento do relator se deve mais à polarização do que a falhas do deputado na condução das negociações. “O Orlando foi tachado de ser comunista por ser de um partido com esse nome.”

2. O que deve acontecer daqui em diante?

Na tentativa de contornar a polarização e reduzir resistências ao projeto, Lira buscou envolver outros partidos na construção do texto. Por isso, anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir o projeto.

Segundo o regimento da Câmara, o procedimento para criação de um grupo de trabalho começa com a publicação de ato normativo informando o prazo dos trabalhos e nomeando seus integrantes, entre eles um coordenador e um relator. Todos os membros são indicados pelas lideranças dos partidos.

O ato que criará o novo grupo ainda não foi publicado, mas Lira já afirmou que, após a instalação do GT, os parlamentares deverão ter de 30 a 45 dias para “chegar um texto mais maduro ao plenário”.

O tempo de discussão sugerido por Lira, porém, é menor do que o dos quatro grupos criados no ano passado pela Casa, que tiveram prazo inicial de 90 dias de trabalho. Todos eram compostos por 13 ou 14 parlamentares.

Fontes que acompanham as negociações relataram ao Aos Fatos que ao menos três deputados já teriam demonstrado interesse na relatoria do projeto:

  • Hugo Motta (Republicanos-PB);
  • Elmar Nascimento (União Brasil-BA);
  • Any Ortiz (Cidadania-RS).

O posto deve ser disputado porque o futuro relator, caso consiga desatar o nó, sairá fortalecido nas negociações da disputa para a sucessão de Lira na presidência da Câmara, em fevereiro de 2025. Para isso, porém, o relator precisará encontrar uma fórmula que vença as resistências dos deputados sem abandonar as preocupações do governo.

“Se aprovar, o relator fica bem com o governo e sinaliza para a sociedade que existe regra no Brasil”, avalia o especialista ouvido pelo Aos Fatos em condição de anonimato.

Para contornar a rejeição à proposta, o relator deve precisar acenar a parlamentares que são contrários à regulação das redes, como integrantes da bancada evangélica, reafirmando a proteção à liberdade de religião.

A solução pode incluir também o reforço da blindagem de parlamentares e outros detentores de mandatos eletivos em relação a decisões do STF. O texto anterior já previa estender a imunidade parlamentar às redes sociais. Parte dos deputados gostaria de mecanismos que evitassem casos como o do ex-deputado Daniel Silveira, preso após publicar um vídeo atacando o STF.

3. Por que a versão do ‘PL das Fake News’ em debate até agora foi descartada?

O PL 2.630/2020 prevê a regulação das plataformas digitais à semelhança do modelo em vigor na União Europeia. Uma primeira versão do texto chegou a ser aprovada pelo Senado em 2020. O projeto foi retomado pela Câmara no ano passado, após os ataques de 8 de Janeiro e a onda de atentados e ameaças às escolas.

A última versão do texto, apresentada no primeiro semestre do ano passado pelo relator, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), trazia regras para serem cumpridas por redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria instantânea com mais de 10 milhões de usuários no país.

O principal impasse do “PL das Fake News” dizia respeito a qual órgão deveria ser o responsável por fiscalizar o cumprimento da lei, instaurar processos administrativos e aplicar sanções às plataformas que descumprissem obrigações.

No texto original, o governo havia sugerido a criação de uma entidade autônoma de supervisão, que deveria ter independência administrativa e contar com a participação de diversos setores. A proposta, no entanto, foi retirada do parecer final do relator após se tornar alvo de ataques da extrema-direita, que acusou o Executivo de querer criar uma espécie de “Ministério da Verdade” para controlar o que circula nas redes.

O Congresso passou, então, a discutir alternativas para a entidade autônoma, como a possibilidade de delegar a função à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) ou até permitir que as plataformas se autorregulassem. Nos últimos meses, Orlando Silva tentou costurar um consenso sobre o tema, embora admitisse a possibilidade de que a decisão fosse tomada apenas na votação no plenário.

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A pecha de “Ministério da Verdade” se encaixava em uma campanha que buscava associar a regulação das plataformas a um suposto movimento para a censura das redes no Brasil — argumento resgatado pelos recentes ataques do empresário Elon Musk. A desconfiança também foi alimentada pela forte investida contra o projeto por parte de plataformas como Google, Meta e Telegram.

Esse lobby ajudou a disseminar, por exemplo, o argumento falso de que o “PL das Fake News” poderia censurar versículos da Bíblia, o que gerou resistência da bancada evangélica. O cerco, que incluiu também o assédio a parlamentares, levou o Republicanos a retirar seu apoio ao projeto, inviabilizando a aprovação.

As dificuldades de aprovação do “PL das Fake News” também refletem a própria fragilidade da base do governo que, sem maioria no Congresso, tem dependido da liberação de recursos para emendas parlamentares para conseguir avançar nas discussões. As medidas, entretanto, têm se mostrado insuficientes, e o governo tem sofrido uma série de derrotas, como a recente eleição de parlamentares bolsonaristas para a presidência de comissões da Câmara.

4. A regulação do uso de IA será incluída nas discussões?

A proposta de Arthur Lira é que o grupo de trabalho que discutirá a regulação das plataformas faça contato com o senador Eduardo Gomes (PL-TO), relator da comissão especial no Senado que discute propostas de regulação para o uso de inteligência artificial.

Como as redes usam a tecnologia em seus algoritmos e na moderação de conteúdo — e algumas empresas, como o Google e a Meta, possuem suas próprias ferramentas de IA —, um marco legal para a tecnologia acabaria por regulamentar também parte da atividade das big techs no país.

A principal proposta em discussão no Senado é o PL 2.338/2023, idealizado por uma comissão de juristas como substitutivo para outras quatro propostas sobre o tema e apresentado pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O projeto cria um marco legal para a inteligência artificial baseado em categorias de risco, aos moldes da proposta aprovada pela União Europeia em 2023.

De agosto de 2023, quando foi criada, até abril de 2024, a comissão realizou dez audiências públicas, e o relator recebeu inclusive recomendações do Executivo. O prazo para o encerramento das discussões se esgota no mês que vem, mas ainda há alguns pontos de impasse. Estão entre eles a autoridade responsável pela regulação — a disputa atual é entre a Anatel e a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) —, e ponderações sobre o equilíbrio entre promoção da inovação e combate aos riscos da tecnologia.

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Na segunda-feira (8), Gomes recebeu uma carta de entidades do setor cultural com novas contribuições à proposta, relacionadas a direitos autorais de artistas em conteúdos gerados por IA.

Em nota, o Ministério da Cultura afirmou que o documento contempla a posição da pasta. “Ressaltamos que o PL 2.338/2023 representa um esforço importante do Congresso Nacional frente aos desafios que surgem no contexto da AI. Entretanto, o texto atual requer ajustes de modo a tutelar os direitos de criadores e artistas no âmbito dos sistemas de IA generativa.”

No mesmo dia, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que o governo apoiará o relatório final e que há ambiente para votação da proposta “o mais breve possível”.

Em nota ao Aos Fatos, o MCTI (Ministério da Ciência e Tecnologia) disse considerar a abordagem baseada em riscos uma forma eficiente de regular a IA. “É importante que as obrigações fixadas sejam as necessárias e suficientes para mitigar os riscos trazidos pelos sistemas de IA, sem gerar restrições ou custos desnecessários. Com isso, é possível ter uma regulação que crie um ambiente favorável ao desenvolvimento, garantindo também a proteção da sociedade”.

A Casa Civil não quis comentar o projeto.

Em fevereiro, Eduardo Gomes e o presidente da comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG), afirmaram que o PL seria votado até abril, como prometido por Pacheco na abertura dos trabalhos legislativos.

“O diálogo com o governo e com todos que desejarem colaborar continua. Há espaço para inclusão de todas contribuições que sejam julgadas pertinentes”, afirmou nesta semana o relator ao Aos Fatos, reiterando que o relatório final deverá ser apresentado neste mês. O senador disse ao Valor Econômico que a próxima reunião da comissão deve ocorrer no dia 23, mas a agenda oficial segue sem data marcada.

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5. Como o julgamento do STF sobre o Marco Civil da Internet afeta o debate?

Para enviar um aviso institucional ao Congresso de que a pauta da regulação é prioritária, o ministro Dias Toffoli afirmou na terça-feira (9) que o STF deve voltar a julgar em junho uma ação que questiona a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

O artigo determina que as plataformas só podem ser responsabilizadas pelo conteúdo postado por seus usuários caso descumpram determinação judicial para removê-lo.

Como a responsabilização das plataformas é um dos tópicos mais importantes do PL 2.630/2020, eventuais decisões do Supremo que gerem parâmetros constitucionais sobre o assunto podem deixar uma margem menor para discussão no Congresso. Para evitar que o tribunal se antecipe, portanto, os parlamentares ficariam pressionados a discutir o projeto o quanto antes.

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Relatada por Toffoli, a ação no Supremo chegou a ser pautada em 2023, mas foi retirada para aguardar a votação do PL 2.630/2020 na Câmara, o que acabou não ocorrendo na época. Com a abertura do inquérito no STF contra Elon Musk, o debate voltou à tona tanto no Legislativo quanto no Judiciário.

Caso o Supremo entenda que o artigo 19 é inconstitucional, as empresas poderão se tornar responsáveis por posts criminosos feitos por terceiros. Esse é o caso, por exemplo, de conteúdos racistas, que poderiam resultar no pagamento de indenizações a usuários que se sentissem prejudicados ou gerar outros processos.

Referências:

1. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11)
2. g1 (1 e 2)
3. O Estado de São Paulo (1 e 2)
4. Agência Brasil
5. Câmara dos Deputados (1 e 2)
6. CNN Brasil (1 e 2)
7. Metrópoles
8. Senado (1 e 2)
9. Folha de S.Paulo
10. Valor Econômico
11. O Globo
12. Planalto
13. Jota

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