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Entenda o embate entre Elon Musk e Alexandre de Moraes e suas possíveis consequências

Por Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes

8 de abril de 2024, 16h17

“Por que você está determinando tanta censura no Brasil?”, publicou Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), ao iniciar no último final de semana uma série de posts com críticas contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O bilionário acusa o magistrado de atentar contra a liberdade de expressão ao determinar o bloqueio de usuários investigados.

Junto com a crítica, veio a ameaça: Musk afirmou que passaria a descumprir ordens do STF e que restabeleceria as contas suspensas. Após a publicação, Moraes decidiu, no último domingo (7), incluir Musk como investigado no inquérito das milícias digitais e determinar multa diária caso a empresa descumpra decisões judiciais.

O desafio de Musk a Moraes fez circular entre usuários e autoridades brasileiras a possibilidade de o X ser banido do país. O próprio Musk sugeriu esse cenário ao divulgar guias para o uso de VPN — sigla em inglês para “rede privada virtual”, serviço que mascara o IP de acesso como se o usuário estivesse em outro país, driblando o bloqueio válido apenas ao Brasil.

Quais são os possíveis desdobramentos desse embate? Aos Fatos responde a seguir.

  1. Quais decisões de Moraes motivaram o embate com Musk?
  2. O que pode acontecer com Musk após a inclusão dele no inquérito das milícias digitais?
  3. O X pode sair do ar? Quais são as possíveis consequências?
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Nas Redes É falso que Elon Musk baniu Alexandre de Moraes do X

1. QUAIS DECISÕES DE MORAES MOTIVARAM O EMBATE COM MUSK?

Não há informações públicas sobre todas as ações judiciais que motivaram as críticas de Musk contra Moraes. O empresário anunciou que pretendia suspender as restrições sobre contas bloqueadas pelo Judiciário brasileiro após um comunicado divulgado pelo perfil oficial do X no último sábado (6).

No post, a plataforma afirma que foi “forçada por decisões judiciais a bloquear determinadas contas populares no Brasil”, mas que não sabia o motivo das ordens de bloqueio ou quais publicações violaram a lei. O X informou, ainda, que havia sido proibido de informar quais contas foram retidas e qual tribunal ou juiz emitiu a ordem, e que seria punido com multas diárias em caso de descumprimento.

Musk compartilhou a mensagem em sua conta pessoal questionando o ministro Alexandre de Moraes sobre os motivos dos bloqueios. O empresário repostou em seguida uma publicação do jornalista e ativista conservador americano Michael Shellenberger sobre o Twitter Files Brazil.

O documento é uma versão brasileira de um compilado de emails internos anteriores à aquisição da empresa por Elon Musk, em outubro de 2022. De acordo com os responsáveis pela divulgação, as mensagens supostamente mostrariam que o STF teria violado a lei ao exigir a remoção de posts e a exclusão de perfis de usuários conservadores, especialmente durante as eleições de 2022.

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Não há como comprovar se os conteúdos são reais. Nas trocas de mensagens, não há referências apenas a decisões do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mas também sobre a atuação de outras instituições, como o Ministério Público Estadual de São Paulo.

João Victor Archegas, pesquisador sênior do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade), opinou ao Aos Fatos que, ainda que algumas decisões de suspensão de perfis tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes possam ser questionadas do ponto de vista jurídico, ameaçar descumprir ordens judiciais é uma forma de atentar contra a soberania nacional e contra o funcionamento de um dos Poderes constituídos.

“Sim, tem aspectos de decisões passadas do ministro Alexandre de Moraes que são questionáveis de um ponto de vista jurídico — e nada de errado com isso, vamos questionar, vamos debater. Agora, do outro lado, sugerir o não cumprimento de decisões judiciais simplesmente porque você não concorda com elas é algo extremamente problemático e não tem espaço dentro de um Estado Democrático de Direito.”

Ainda que a plataforma não tenha informado quais perfis foram tirados do ar, influenciadores ligados à extrema-direita brasileira tiveram suas contas bloqueadas no X durante os últimos anos por atentarem contra a democracia ou usarem desinformação para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro:

  • Allan dos Santos, blogueiro bolsonarista foragido nos EUA, teve sua conta pessoal e o perfil do blog Terça Livre retidos em 2021 por ordem do STF. Santos é investigado em inquéritos do Supremo que apuram a disseminação de desinformação e a atuação de milícias digitais;
  • Os comentaristas Paulo Figueiredo Filho, Rodrigo Constantino e Guilherme Fiuza tiveram os perfis no X banidos do Brasil em janeiro de 2023. Os três são investigados pela disseminação de discurso de ódio e declarações antidemocráticas;
  • O empresário Luciano Hang já teve a conta no X suspensa em mais de uma ocasião entre 2020 e 2022. Ele é investigado por publicar desinformação e mensagens de cunho golpista;
  • Daniel Silveira (PL-RJ), ex-deputado federal preso em 2021 por ameaçar ministros do STF, teve sua conta no X suspensa no mesmo ano por continuar postando ofensas contra o Judiciário de dentro do presídio;
  • Oswaldo Eustáquio, outro blogueiro foragido da Justiça, foi suspenso do X em 2021 por supostamente incentivar atos democráticos durante o 7 de Setembro daquele ano;
  • E o blogueiro Monark teve a conta bloqueada em janeiro do ano passado. Dias antes, ele havia manifestado simpatia pelos golpistas presos após o 8 de Janeiro.

Tuíte de foto de Moraes de toga foi respondido por perfil oficial de Musk, que disse, ‘Darth Vader do Brasil!’
‘Darth Vader do Brasil.’ Além de criticar decisões, Musk chegou a comparar Moraes a vilão da série Star Wars (Reprodução/X)

Twitter Files. Os comunicados divulgados pelos jornalistas e ativistas americanos também citam contas de duas outras personalidades brasileiras que teriam sido alvo de ordens judiciais. Não é possível, no entanto, comprovar a autenticidade dos conteúdos.

  • De acordo com os documentos, o então conselheiro legal do Twitter no Brasil, Rafael Batista, teria relatado em 2021 que a plataforma recebeu um pedido da Polícia Federal para enviar dados cadastrais do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), filho do então presidente Jair Bolsonaro (PL);
  • De acordo com as trocas de emails reveladas, o ministro Alexandre de Moraes não teria explicado os motivos pelos quais solicitou a exclusão da conta do pastor evangélico André Valadão em novembro de 2022. Na época, Valadão publicou um vídeo dizendo ter sido intimado pelo TSE a se retratar contra uma desinformação publicada contra Lula, o que a corte negou;
  • Também há um relato de que o TSE teria determinado restrições contra os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP) e Marcel Van Hattem (Novo-RS). Zambelli teve a conta suspensa em novembro de 2022 e posteriormente desbloqueada. Já Van Hattem, apesar de ter o nome citado em decisão judicial, nunca teve o perfil suspenso.


2. O QUE PODE ACONTECER COM MUSK APÓS A INCLUSÃO DELE NO INQUÉRITO DAS MILÍCIAS DIGITAIS?

No último domingo (7), Moraes publicou uma decisão que incluiu o nome de Elon Musk entre os investigados no inquérito das milícias digitais (inquérito 4.874). Segundo o ministro, o empresário incentiva a desobediência e a obstrução à Justiça ao declarar que a plataforma descumprirá ordens judiciais de bloqueio de “perfis criminosos que espalham notícias fraudulentas”.

“A conduta do X configura, em tese, não só abuso de poder econômico, por tentar impactar de maneira ilegal a opinião pública mas também flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais investigadas no INQ 4.874, com agravamento dos riscos à segurança dos membros do Supremo Tribunal Federal” — decisão de Moraes proferida em 7.abr.2024.

O advogado criminalista Marcelo Feller explicou, no X, que medidas judiciais brasileiras podem atingir estrangeiros caso a Justiça do país de residência também entenda que aquela pessoa cometeu um crime.

Feller, no entanto, não vê na fala de Musk crime previsto na legislação brasileira: “Gritar que vai descumprir decisão judicial não é, per se, criminoso. A desobediência em si é que seria crime. E, ao que tudo indica, por mais que Musk tenha gritado, não agiu e nem agirá nesse sentido”.

Segundo o criminalista Pedro Beretta, como Elon Musk tem residência nos Estados Unidos, o rito judicial começa na intimação via carta rogatória. Depois de todo o trâmite do inquérito, a investigação deve ser encaminhada à PGR para uma eventual abertura de ação penal. “Portanto, nesse momento, é muito pouco provável qualquer decretação de medidas cautelares restritivas de liberdade”, afirma.

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3. HÁ RISCO DE O X SER TIRADO DO AR? QUAIS SÃO AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS?

Na decisão que incluiu Musk no inquérito das milícias digitais, Moraes também determinou multa diária de R$ 100 mil para cada reativação irregular de perfis bloqueados por decisão judicial.

A decisão não menciona a suspensão da plataforma no Brasil. Porém, de acordo com reportagem do UOL publicada no domingo (7), o TSE procurou a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para questionar quais seriam os trâmites para requisitar um eventual bloqueio do X no país. Horas depois, a imprensa brasileira noticiou que a agência teria alertado operadoras de telefonia sobre a possibilidade de derrubar a rede.

Philip Antonioli, advogado especializado em direito penal econômico, considera uma eventual decisão contra o X como “questionável” porque afeta não só Musk como também os usuários que, “em sua maioria, usam o X para expressar suas opiniões”.

Caso o X seja retirado do ar, essa não será a primeira vez que uma plataforma é suspensa no Brasil após uma decisão judicial:

  • Em dezembro de 2015, o Tribunal de Justiça de São Paulo pediu o bloqueio do WhatsApp em todo o Brasil após a plataforma não atender a uma determinação judicial envolvendo uma ação criminal;
  • Em maio de 2016, o WhatsApp ficou dois dias fora do ar por determinação da Justiça de Sergipe. A decisão ocorreu porque a rede não compartilhou informações que seriam usadas em uma investigação criminal;
  • Também em 2016, mas em julho, o WhatsApp foi novamente bloqueado, dessa vez por ordem da Justiça do Rio de Janeiro;
  • E em abril de 2023, o Telegram foi suspenso por decisão da Justiça Federal do Espírito Santo.

Apesar de haver precedentes, a possibilidade de a Justiça suspender uma rede ou aplicativo é alvo de debate no meio jurídico. Duas ações que questionam a constitucionalidade do bloqueio do WhatsApp estão sendo discutidas no STF. Em 2020, a então ministra Rosa Weber, relatora da ação, entendeu que o Marco Civil da Internet não permite a suspensão das plataformas.

A PF e o MPF, no entanto, discordam de Weber: durante o julgamento, o representante da força policial argumentou que a suspensão de uma plataforma só se dá em último caso e para “auxiliar investigações”; já o MPF disse que o bloqueio temporário seria válido para redes que descumprem a legislação brasileira.

O pesquisador João Victor Archegas também não acredita que o Marco Civil permita a suspensão da plataforma no contexto dos questionamentos de Musk a Moraes. Segundo ele, ainda que o artigo 12 da lei estabeleça como possível punição a interrupção nas atividades de uma plataforma no país, isso se aplica apenas a casos que envolvam “operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações”.

“Tem algumas pessoas que fazem uma interpretação um pouco mais alargada desse dispositivo e vão falar que é possível a suspensão em caso de descumprimento de ordem judicial, mas eu acho que não é isso que o artigo 12 do Marco Civil da Internet diz. Logo, essa não seria uma medida cabível nessa circunstância”, afirma Archegas. Ele ressalta, no entanto, que a discussão está em pauta no STF e que ainda não há uma decisão final.

Referências:

1. X (@elonmusk 1, 2)
2. X (@GlobalAffairs)
3. X (@Shellenberger)
4. g1 (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9)
5. Correio Braziliense
6. UOL (1, 2)
7. O Globo
8. Terra
9. X (@marcelvanhattem)
10. STF (1, 2, 3)
11. X (@FellerMarcelo)
12. Senado
13. Estado de Minas
14. CNN Brasil
15. Conjur (1, 2)
16. Planalto

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