Não é verdade que o suposto compilado de comunicações internas do Twitter, conhecido como Twitter Files, mostra que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, ameaçou o representante legal da empresa para obter informações privadas de usuários.
A alegação distorce o conteúdo de um suposto email interno em que o então advogado da plataforma, Rafael Batista, fazia referência a um pedido feito pelo Ministério Público de São Paulo em meio a uma investigação sobre crime organizado. Não há qualquer referência a Moraes.
Disseminada nas redes pelo jornalista e ativista conservador americano Michael Shellenberger, um dos responsáveis pelo Twitter Files, a alegação falsa acumula mais de 4 milhões de visualizações no X (ex-Twitter) nesta quinta-feira (11). Dois dias depois de postar a publicação enganosa, Shellenberger voltou atrás e disse não ter provas “de que Moraes tenha ameaçado processar criminalmente o advogado brasileiro do Twitter”. Na verdade, os conteúdos do Twitter Files não têm prova de autenticidade.
'Alexandre de Moraes e outros funcionários do governo ameaçaram processar criminalmente o advogado do Twitter no Brasil se ele não entregasse informações privadas e pessoais, incluindo números de telefone das pessoas e suas mensagens diretas pessoais!' — Michael Shellenberger, em tuíte no dia 9.abr.2024.
A acusação mencionada nos posts desinformativos diz respeito a uma suposta troca de emails de ex-funcionários do Twitter feita em janeiro de 2021. Nela (veja abaixo), o advogado que representava a plataforma no Brasil naquele momento, Rafael Batista, afirma que foi alvo de investigação policial por ter se negado a entregar informações privadas de usuários da plataforma. Diferentemente do que afirma a publicação de Shellenberger, no entanto, isso nada tem a ver com o STF ou com o ministro Alexandre de Moraes.
Conforme o próprio email explica (veja abaixo), Batista afirma que recebeu pedidos do Ministério Público de São Paulo sobre a usuária “@pqcarolzinha_”, que, segundo o órgão, seria “supostamente associada ao crime organizado”. A plataforma negou o pedido por entender que só poderia entregar essas informações por meio de ordem judicial.
Na última terça-feira (9), a advogada e ex-secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça Estela Aranha publicou informações sobre qual seria a investigação do MPSP citada no email: uma ação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) para tentar prender um líder da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Só que a troca de emails dos funcionários do twitter que ele publica refere-se a uma ação do GAECO do Ministério Público de SP, que pede acesso a dados cadastrais, no seu poder legal de requisição, visando prender uma liderança do PCC em uma ação contra o tráfico de drogas. pic.twitter.com/0NBbq5OMGO
— Estela Aranha (@estela_aranha) April 10, 2024
O documento do MPSP diz que o promotor “requisitou ao denunciado, representante do setor jurídico da empresa ‘Twitter’, os dados completos da conta twitter.com/pqcarolzinha_” e atesta que o processo corria na 1ª Vara do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) — que não tem qualquer relação com Moraes.
De acordo com o artigo 10 do Marco Civil da Internet, que aborda a proteção de registros e dados pessoais, autoridades podem requisitar das plataformas informações como “qualificação pessoal, filiação e endereço”. Ao se negar a fornecer os dados da usuária, a equipe jurídica do Twitter argumentou que a lei não inclui entre as informações passíveis de divulgação o endereço de email e o número de telefone, que teriam sido requisitados pelo Ministério Público.
Outro lado. Dois dias depois do tuíte de Aranha, Shellenberger disse que errou: “Não tenho provas de que Moraes tenha ameaçado processar criminalmente o advogado brasileiro do Twitter”. Outros coautores do Twitter Files também se pronunciaram sobre o assunto:
- Eli Vieira disse que “é correto dizer que Moraes não estava ligado ao caso do Rafael Batista sendo alvo de investigação”, mas que o “descuido” de Shellenberger não invalida os documentos apresentados;
- David Ágape também afirmou que “a publicação do Twitter Files Brasil está correta, mas o comentário do Mike tem uma imprecisão”.
QUANDO MORAES É CITADO
O nome de Alexandre de Moraes aparece em quatro diferentes momentos no Twitter Files. Em três das referências, no entanto, há inconsistências:
- Os autores afirmam que “a corte eleitoral do Brasil (TSE), que de Moraes controla, determinou que o Twitter revelasse a identidade de usuários”. Como suposta prova, apresentam um email em que Batista diz que o TSE teria obrigado a plataforma “a rastrear e desmascarar usuários que usaram hashtags específicas”. A mensagem, no entanto, foi enviada em 25 de outubro de 2021. Nessa época, quem era presidente do tribunal era o ministro Luís Roberto Barroso. Moraes era apenas um dos sete ministros da Corte;
- Em outro momento, é dito que o representante legal do Twitter na América Latina teria se encontrado com Moraes. Na mensagem apresentada como prova, no entanto, não há qualquer referência ao nome do ministro. O email cita apenas o termo “juiz”;
- Depois, as mensagens do Twitter Files dizem que “no dia 30 de março de 2022, um dia depois de Moraes tomar posse como presidente do TSE”, o tribunal teria estipulado uma multa diária de R$ 50 mil caso a plataforma não entregasse dados sobre as hashtags “#VotoImpressoNAO” e “VotoDemocraticoAuditavel”. Moraes, no entanto, assumiu a presidência do TSE em agosto de 2022;
Também há uma citação ao ministro em comunicação enviada em novembro de 2022. Nela (veja acima), um advogado do Twitter diz que Moraes pediu que a rede derrubasse o perfil do pastor André Valadão sem explicar o motivo exato da decisão. O próprio email, no entanto, já afirma que “André Valadão estava publicando desinformação, inclusive uma declaração de que o TSE teria ordenado que ele publicasse uma mensagem de retratação, o que é falso”.