🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Milei promete na Argentina o que Bolsonaro não conseguiu fazer no Brasil

Por Tai Nalon

18 de agosto de 2023, 09h00

Javier Milei saiu vitorioso das primárias presidenciais argentinas realizadas no último domingo (13) com uma retórica que, segundo o próprio, o aproxima do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “O apoio dele foi uma alegria. A verdade é que eu estou infinitamente grato ao ex-presidente Jair Bolsonaro pelo seu afeto, por se arriscar de maneira explícita e apoiar a minha candidatura, antes mesmo das eleições”, disse o candidato.

Da mesma maneira que seu par brasileiro, Milei defende a facilitação do acesso a armas para uso pessoal. Em entrevista à CNN Brasil na última segunda-feira (14), Bolsonaro disse sobre o argentino: “Nós defendemos a família, a propriedade privada, o livre mercado, a liberdade de expressão, o legítimo direito à defesa e queremos, sim, ser grandes à altura do nosso território e da nossa população”.

O problema é que a realidade, mesmo para os negacionistas, muitas vezes se impõe. Alguma pautas que Milei diz defender na Argentina provaram-se inexequíveis no Brasil de Bolsonaro, como refutar a emergência climática. Enquanto o candidato do país vizinho nega a existência do aquecimento global, Bolsonaro sujeitou-se à pauta por pressão internacional.

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Em uma de suas primeiras aparições no exterior como presidente, Bolsonaro disse em Davos que o Brasil não se retiraria do Acordo de Paris — diferentemente do seu clone norte-americano, Donald Trump, e do que tinha prometido em campanha. Disse em 2021, durante a Cúpula do Clima, que o Brasil estava “na vanguarda do combate ao aquecimento global”. Era falso, claro, mas naquele momento já se havia tornado urgente para o país aceitar o inevitável.

O argentino prega a interrupção das relações de seu país com a China, enquanto Bolsonaro, mesmo atacando a China com xenofobia e desinformação, viu-se frequentemente obrigado a recuar.

Durante as eleições de 2018, Bolsonaro dizia que “a China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil” e que “se você for vender para o capital chinês, você não está privatizando, você está estatizando para a China”. Embora ele nunca tenha dito que interromperia relações com o país asiático, gerou atrito sua visita a Taiwan em março de 2018, quando ainda era uma incógnita sua política para a região.

Em 2020, durante a pandemia e em meio às declarações sinofóbicas do bolsonarismo, o ex-ministro Paulo Guedes sintetizou a razão pela qual o governo de então foi entubado pelos chineses sem maiores problemas: “A China é aquele cara que você sabe que tem que aguentar, porque pra vocês terem uma ideia, pra cada um dólar que o Brasil exporta pros Estados Unidos, exporta três pra China”.

Milei e Bolsonaro também compartilham de uma retórica anti-establishment, embora sejam ambos, cada um ao seu modo, produtos do sistema de seus países. O ex-presidente esteve durante décadas na política, enquanto o candidato vizinho está em seu primeiro mandato como deputado desde 2021.

Essa ideia de que Bolsonaro e Milei estiveram por fora dos grandes conchavos da política é plataforma de campanha de ambos. O bolsonarismo provou, contudo, que o uso da política para o crime tem suas vantagens, sobretudo para quem está no governo. Em consórcio com os militares e o Centrão, instituiu um sistema opaco de negociações de emendas parlamentares, o orçamento secreto, e fomentou em seu entorno um esquema de venda e troca de muambas milionárias, incluindo joias, relógios e esculturas.

Se Milei parece um Bolsonaro de peruca e costeletas, talvez seja porque disfarça bem a inviabilidade de sua agenda. É claro que qualquer fiador de discursos que glamourizam a destruição do Estado deveria ser rechaçado. Mas, numa democracia, é imperativo apontar de antemão quão frágeis são os argumentos de quem se pretende detentor de todas as verdades.

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