Ao atacar vacina chinesa, Bolsonaro distorce fatos e cita informação falsa

Compartilhe

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) recorreu a informações falsas e imprecisas ao se contrapor às tratativas do Ministério da Saúde com o governo de São Paulo para a compra de milhões de doses da CoronaVac, vacina contra Covid-19 produzida pela chinesa Sinovac Biotech em parceria com o Instituto Butantan. Não é verdade, por exemplo, que nenhum país do mundo se interessou pela imunização. Aos Fatos checou esta e outras declarações dadas pelo presidente nesta quarta-feira (21).

Segundo o contador de checagens do Aos Fatos, Bolsonaro já deu ao menos 710 declarações falsas ou distorcidas sobre o novo coronavírus. Isso representa 47% das falas checadas do presidente sobre o tema.

Em resumo, o que checamos:

1. É falso que nenhum país do mundo está interessado pela CoronaVac. Além de Brasil e China, Chile, Indonésia e Turquia já assinaram compromissos para adquiri-la ou testá-la;

2. O presidente também é contraditório ao criticar o gasto bilionário com vacina que ainda não saiu da fase de testes. O próprio governo federal assinou um acordo de quase R$ 2 bilhões para participar da produção da vacina produzida pela Universidade de Oxford;

3. É exagerado dizer que só o Ministério da Saúde é responsável por determinar quais vacinas são obrigatórias, uma vez que gestores locais também possuem autonomia para fazer imunização compulsória durante a pandemia, de acordo com a legislação existente;

4. É verdade que o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) disse, na última semana, que a vacinação contra a Covid-19 será obrigatória;

5. Citado pelo presidente, um recente levantamento do Instituto Real Time Big Data concluiu de fato que metade da população não quer tomar a CoronaVac.


FALSO

Parece que nenhum país do mundo está interessado nela [na CoronaVac].

Ao ser questionado por jornalistas nesta quarta-feira (21) sobre a intenção manifestada pelo Ministério da Saúde de comprar a vacina da Sinovac, o presidente disse que desconhecia um país que estivesse interessado nela. A declaração foi classificada como FALSA, porque pelo menos outros três países (Chile, Indonésia e Turquia) participam de testes da CoronaVac ou já têm compromissos para produzi-la.

No Chile, um comunicado do governo local divulgado no dia 13 de outubro diz que o país estava próximo de iniciar os testes com a vacina chinesa. O país também anunciou um convênio para que a Sinovac forneça 20 milhões de doses da vacina.

Em agosto, a Indonésia firmou acordo com a Sinovac para a produção de 50 milhões de doses da vacina por uma estatal do país asiático, noticiou a Bloomberg.

Em setembro, a Sinovac anunciou que tinha iniciado testes com a vacina na Turquia.


CONTRADITÓRIO

Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem.

A declaração do presidente, feita em tweet que discutia possível parceria entre o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan na compra de cerca de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, desenvolvida em conjunto com a empresa chinesa Sinovac Biotech, é CONTRADITÓRIA. Isso porque, em agosto, o governo federal assinou um acordo bilionário para a produção de uma vacina em parceria com a Universidade de Oxford. A imunização, que será desenvolvida em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), ainda não teve a eficácia comprovada.

O acordo para transferência de tecnologia e compra de 100 milhões de doses da vacina que está sendo produzida pela Universidade de Oxford em parceria com a empresa AstraZeneca custou R$ 1,9 bilhão ao governo brasileiro. De maneira similar à CoronaVac, a imunização ainda se encontra em fase de testes e não tem eficácia comprovada contra a Covid-19.

No caso da CoronaVac, o contrato assinado entre o governo de São Paulo e a Sinovac Biotech para a transferência de tecnologia ao Instituto Butantan e a garantia de 46 milhões de doses custou US$ 90 milhões (cerca de R$ 500 milhões).

De acordo com dados do Localiza SUS, do Ministério da Saúde, foram gastos até o momento R$ 238 mil em comprimidos de cloroquina, droga que começou a ser estudada para o tratamento de pessoas com Covid-19 em março deste ano, mas teve protocolos de pesquisa suspensos por não apresentar resultados satisfatórios no combate à infecção causada pelo novo coronavírus. Até setembro, o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército, segundo dados obtidos pela CNN, gastou R$ 1,1 milhão na fabricação de cloroquina, entre insumos e embalagens. O produto já era fabricado antes pelo laboratório, mas em menor quantidade para combate à malária.


EXAGERADO

A questão de vacinação ou não é uma lei de 75 que é bem clara que o Programa Nacional de Imunização, aí incluída as vacinas obrigatórias, compete ao Ministro da Saúde.

É verdade que a lei 6.259/1975 diz que a definição sobre vacinação obrigatória cabe ao Ministério da Saúde, como afirma o presidente. Mas, durante o estado de emergência da Covid-19, há uma outra lei, assinada pelo próprio Bolsonaro em fevereiro deste ano que confere esse poder também aos gestores locais, a 13.979/2020. Existem ainda dispositivos na Constituição e na Lei Orgânica da Saúde que podem garantir essa autonomia a estados e municípios. Logo, como a questão não depende só do governo federal, a declaração é EXAGERADA.

A citação à lei que criou o Programa Nacional de Imunizações veio junto a uma crítica do presidente à intenção manifestada pelo governador paulista, João Doria (PSDB), de tornar a vacinação contra a Covid-19 obrigatória no estado. Pela legislação de 1975, e pelo decreto que a regulamentou, isso só seria possível em acordo com o Ministério da Saúde.

Porém, a lei sancionada neste ano prevê que a vacinação compulsória pode ser uma medida adotada pelos gestores locais para o enfrentamento ao novo coronavírus. O texto deixa claro que, ao contrário da quarentena e do isolamento, a obrigatoriedade da vacina não precisa da anuência do Ministério da Saúde.

Daniel Dourado, médico e advogado sanitarista, explica ainda que, mesmo se essa lei não tivesse sido sancionada, a Constituição e a Lei Orgânica da Saúde preveem que governos estaduais podem definir uma lista própria de vacinas obrigatórias. É como se a lista de vacinas obrigatórias do ministério fosse um “cardápio mínimo” que os estados e municípios podem ampliar. Ele cita o exemplo de São Paulo, cujo Código Sanitário do Estado prevê que as vacinas de caráter obrigatório devem ser regulamentadas por nota técnica.

Toda vacina, antes de chegar à população, precisa passar por diversos estudos e ser avaliada e aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Segundo a RDC nº 55/2010, que regulamenta esse processo, são requisitados, além de documentos como a Certificação de Boas Práticas de Fabricação, dados sobre os estudos realizados e as matérias-primas utilizadas.


VERDADEIRO

Inclusive tem um vídeo, do senhor João Doria, de poucos dias, onde ele diz claramente que obrigaria os aproximadamente 40 milhões habitantes do estado de São Paulo a se vacinarem.

A declaração foi dada pelo presidente em entrevista a jornalistas durante visita a Iperó (SP). Na ocasião, Bolsonaro comentava a respeito do acordo firmado pelo Ministério da Saúde com o governo do estado de São Paulo para a aquisição de 46 milhões de doses da CoronaVac, imunização desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a empresa chinesa Sinovac Biotech. Ao defender que a imunização não deveria ser obrigatória, o presidente se contrapôs ao governador de São Paulo, João Doria, que de fato anunciou, em coletiva realizada no dia 16 de outubro, que a vacinação no estado de São Paulo será obrigatória. Por isso, a declaração do presidente é VERDADEIRA.


VERDADEIRO

Hoje em dia pelo menos metade da população diz que não quer tomar essa vacina [CoronaVac]

A fala de Bolsonaro no discurso de apresentação dos resultados do medicamento nitazoxanida na última segunda-feira (19) foi dita poucos dias depois da publicação da pesquisa do Instituto Real Time Big Data encomendada pela CNN Brasil, que disse que 46% dos brasileiros não tomaria a vacina de origem chinesa. A declaração, portanto, foi considerada VERDADEIRA.

Segundo o levantamento, que entrevistou 1.000 pessoas por telefone, 48% disseram que tomariam a CoronaVac, enquanto 46% disseram que não e 6% não souberam responder. As imunizações mais populares foram a que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford e a de origem alemã e americana. Ambas receberam 68% de respostas positivas, contra 22% de negativas.

Vale ressaltar, no entanto, que o Datafolha publicou duas pesquisas referentes ao assunto que mostram que a população defende a vacinação como medida de enfrentamento à Covid-19. Em agosto, um levantamento mostrou que 89% dos brasileiros pretende se vacinar quando a imunização estiver disponível. No dia 13 de outubro, outra pesquisa, essa em apenas quatro capitais, atestou que a maioria dos eleitores das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Belo Horizonte, pretende se imunizar.

Compartilhe

Leia também

Exaltação à raiva masculina ressoa de subculturas ao mainstream na internet

Exaltação à raiva masculina ressoa de subculturas ao mainstream na internet

falsoImagem de Bolsonaro visitando Lula no hospital foi gerada por IA

Imagem de Bolsonaro visitando Lula no hospital foi gerada por IA

falsoTrump não concedeu passaporte diplomático a Bolsonaro

Trump não concedeu passaporte diplomático a Bolsonaro