Em Davos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) garantiu nesta terça-feira (22) a executivos presentes no Fórum Econômico Mundial que o Brasil permanecerá no Acordo de Paris, contrariando declarações recentes em que ameaçou retirar o país do acerto internacional para redução das emissões de gases do efeito estufa. Mais cedo, em discurso que marcou sua estreia no evento, ele falou em “avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico”, sem esquecer que eles são “interdependentes e indissociáveis”.
As promessas, porém, contrastam com ações adotadas pelo governo Bolsonaro no que tange à política ambiental brasileira. Apesar de recuos em decisões como a fusão dos ministérios de Agricultura e Meio Ambiente, a nova administração federal agiu, com ações e declarações, na direção inversa de compromissos e políticas ambientais já estabelecidos no país. Esse foi o caso, por exemplo, do esvaziamento de atribuições da pasta do Meio Ambiente; das reiteradas críticas a uma suposta “indústria da multa ambiental”; da suspensão de contratos com organizações não governamentais ambientalistas; de propostas de flexibilização do licenciamento ambiental; e da extinção de secretarias que formulavam políticas públicas para mitigar efeitos das mudanças climáticas globais.
O Aos Fatos destrinchou as últimas declarações e medidas tomadas pela equipe do governo para analisar se elas estão de acordo com as promessas de preservação do meio ambiente e da biodiversidade brasileiras feitas agora pelo presidente. Confira abaixo.
Uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro era sair do Acordo de Paris, pacto internacional em que os países se comprometem com metas de redução de emissões. Em setembro, ele afirmou ser desfavorável ao tratado porque o Brasil teria que “pagar um preço caro” para atender às exigências. Segundo ele, o Acordo de Paris feriria a soberania do país.
Em dezembro, já eleito, Bolsonaro voltou a afirmar que, caso não houvesse mudanças nas cláusulas, retiraria o Brasil do acordo. Seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no entanto, defendia a manutenção do país. Na última semana, Salles bateu o martelo: o Brasil fica no Acordo de Paris. “Por ora vamos manter a participação. Há pontos importantes, que podem trazer recursos para o país. O acordo está feito”, disse.
Nesta terça-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro confirmou a executivos reunidos no Fórum Econômico Mundial a permanência no acordo.
Permanecer, nele, no entanto, não significa que o acordo será cumprido. Ao contrário do que já declarou o presidente Jair Bolsonaro, inclusive em recente entrevista ao SBT, o Acordo de Paris não prevê punições para quem não respeitar seus termos. A cada cinco anos, as nações signatárias devem apresentar um plano nacional mostrando sua contribuição para a luta contra o aquecimento global, mas o descumprimento de metas não significa que haverá algum tipo de sanção. "Existem muitas maneiras de continuar no Acordo de Paris, mas deixá-lo morrer", afirma Carlos Rittl, presidente do Observatório do Clima.
O que é? O Acordo de Paris foi firmado em 2015 por 195 países durante a COP-21. De acordo com o documento, os governos signatários devem se comprometer com metas de redução de emissões. O objetivo é manter a temperatura média da Terra até 2°C acima dos níveis “pré-Revolução Industrial” até o fim do século, esforçando-se para que a variação não passe de 1,5ºC.
As metas de cada país são voluntárias — as chamadas NDCs (contribuições nacionalmente determinadas) —, em vez de objetivos impostos, como se deu em Kyoto. Por aqui, o texto foi assinado primeiramente pela ex-presidente Dilma Rousseff, em abril de 2016, em Nova York, nos EUA. Em seguida, o acordo foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado antes de ser sancionado por Michel Temer em agosto do mesmo ano.
O Brasil apresentou a sua Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC) 1 em setembro de 2015, e definiu uma meta de redução das emissões de gases de efeito estufa de 37% em 2025 e com uma meta indicativa de 43% em 2030. Ambas tem 2005 como ano-base.
Para isso, há algumas metas complementares: aumentar a participação da bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18%, fortalecer o cumprimento do Código Florestal, restaurar 12 milhões de hectares de floresta, alcançar desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira, chegar à participação de 45% de energias renováveis na matriz energética, obter 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico, promover o uso de tecnologias limpas no setor industrial e estimular medidas de eficiência e infraestrutura no transporte público em áreas urbanas.
Segundo os dados mais recentes, da quarta edição das Estimativas Anuais de Emissões de Gases Estufa no Brasil (PDF), de 2005 a 2015, a variação de emissões líquidas e brutas foram de -50% e -43,92%, respectivamente. Entre 2010 e 2015, no entanto, houve alta: 7,41% e 7,81% respectivamente.
Os especialistas convergem que grande parte da redução das emissões brasileiras poderia se dar pelo combate ao desmatamento. Entre 1995 e 2004, houve aumento considerável das emissões, o que levou à aplicação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). A partir de 2005, houve, então, uma considerável redução do desmatamento na Amazônia. Mas dados do projeto Prodes do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que realiza monitoramento anual da taxa de desmatamento da Amazônia Legal, revelam que, a partir de 2014, há reversão da tendência de queda da taxa de desmatamento.
Além disso, à exceção do setor de Mudança do Uso da Terra e Florestas, as emissões nos demais setores — Energia, Tratamento de Resíduos, Processos Industriais e Agropecuária — foram crescentes se compararmos os anos de 2005 e 2015. No de Energia, por exemplo, elas chegaram a aumentar 43%.
Informações falsas. O presidente também já foi questionado por uma série de informações incorretas que difundiu sobre o Acordo de Paris. Uma de suas maiores críticas, por exemplo, diz respeito à dificuldade do país de conseguir cumprir a meta de restaurar 12 milhões de hectares de floresta e as sanções que poderia sofrer por isso. "No primeiro momento, sanção política, depois econômica, e num terceiro momento tem a sanção da força", afirmou. Ele também já havia dito que o pacto fere a "soberania nacional".
No entanto, o Acordo de Paris não prevê punições para quem não respeitar seus termos. A cada cinco anos, as nações signatárias devem apresentar um plano nacional mostrando sua contribuição para a luta contra o aquecimento global, mas não cumprir suas metas não significa que haverá algum tipo de sanção.
"O acordo previa um mecanismo de compliance, induzir os países a cumprirem com seus compromissos. Na COP 24 foi definido que a parte de compliance não será punitiva. Os países que não cumprirem com suas reduções não sofreram punições. As metas foram definidas nacionalmente. Não há função punitiva, não há ingerência da ONU sobre políticas públicas nacionais, cabe a cada governo", conta Rittl, do Observatório do Clima.
Em mais de uma vez, o presidente também confundiu o Acordo de Paris com o Triplo A ou criou entre os dois uma relação inexistente. Na verdade, o Triplo A é uma proposta de integração de áreas protegidas na Cordilheira dos Andes, na Amazônia e no Oceano Atlântico, envolvendo Colômbia, Brasil e Venezuela — o que, segundo Bolsonaro, poderia ferir a soberania nacional brasileira. Acontece que o projeto nunca foi implementado ou defendido pelo governo brasileiro, e não tem relação com o Acordo de Paris. No acordo, no que diz respeito à Amazônia, o único compromisso brasileiro é zerar o desmatamento ilegal no bioma até 2030.
MAIS AGRICULTURA, MENOS MEIO AMBIENTE
O ministério do Meio Ambiente não foi fundido ao da Agricultura, como prometido por Bolsonaro na campanha, mas perdeu autarquias para outras pastas e reduziu sua autonomia. O Serviço Florestal Brasileiro, por exemplo, migrou para a pasta de Agricultura. Seu novo chefe, o ex-deputado Valdir Colatto (MDB-SC), é um dos membros e principais nomes da Frente Parlamentar da Agropecuária, a bancada ruralista. Ele já atuou diversas vezes em direções contrárias ao CAR (Cadastro Ambiental Rural) na Câmara, seja para prorrogar o prazo de inscrição dos imóveis no cadastro ou defendendo que não deveriam ser tornados públicos os dados de proprietários rurais.
Colatto foi também um dos deputados mais atuantes para tornar o Código Florestal menos restritivo, votou a favor do relatório da Comissão Mista que, em maio de 2017, aumentou a área desprotegida do Parque Nacional do Jamanxim e da Floresta Nacional de Itaituba 2, no Pará, e tem projetos de leis que desagradam ambientalistas, como o PL 6268/16, que prevê a regulamentação de manejo, controle e exercício de caça de animais silvestres.
Com o Serviço Florestal, o CAR migrou para a pasta de Agricultura. Principal instrumento do Código Florestal Brasileiro, o cadastro funciona como um raio-x que todo proprietário rural é obrigado a fazer de sua terra, apresentando em imagens de satélite tudo o que é produção agropecuária e o que é APP (Área de Preservação Permanente) e Reserva Legal, locais onde desmatamento é proibido. O CAR é considerado um dos principais instrumentos para impedir o desmate ilegal.
Mudança climática. O governo Bolsonaro decretou ainda a extinção da Secretaria de Mudanças do Clima e Florestas e, com ela, do Departamento de Políticas em Mudança do Clima e do Departamento de Monitoramento, Apoio e Fomento de Ações em Mudança do Clima. A Comissão Nacional de Combate à Desertificação e o Comitê Gestor do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima também foram removidos da estrutura do Ministério do Meio Ambiente.
Já a política nacional de recursos hídricos se tornou atribuição do Ministério do Desenvolvimento Regional, com a transferência do Departamento de Recursos Hídricos, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e da ANA (Agência Nacional de Águas) para a pasta.
crimes ambientais E A "INDÚSTRIA DA MULTAS"
Desde a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro dispara críticas ao que chama de "indústria das multas". Segundo ele, as penalidades são extorsivas e há “capricho” por parte de fiscais do Ibama.
"Você, por exemplo, foi pescar e passou perto de uma área de proteção ambiental. Você é multado por ato tendente. Porque, ao passar por aquela área, o fiscal entende que você iria pescar naquela região e taca-lhe uma multa em cima de você. Isso é comum. Vi muitas multas nesse sentido para pescadores pobres da baía de Angras dos Reis. (...) Inacreditável que isso aconteça no Brasil. Um capricho por parte desses fiscais, de alguns fiscais do Ibama que não podem, no meu entender, continuar agindo dessa maneira. Então vamos acertar a questão por ato tendente”
Suspeitas de crimes ambientais pairam sobre integrantes do alto escalão do governo. O próprio ministro do Meio Ambiente foi denunciado pelo Ministério Público por ter adulterado mapas de proteção ambiental para beneficiar setores econômicos, segundo os promotores. O caso teria ocorrido quando ele era secretário de Meio Ambiente de São Paulo na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB). Já o presidente Jair Bolsonaro, que recebeu do Ibama em 2012 uma multa ambiental de R$ 10 mil por pesca irregular em Angra dos Reis, na Costa Verde, teve a punição anulada. Isso porque um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sustentou que ele não teve direito à ampla defesa no processo.
Nesse sentido, em dezembro, o ministro Salles defendeu que o procedimento de autuações ambientais seja revisto para acabar com o “ímpeto persecutório”, que, para ele, hoje estaria em vigor. A ideia é que, assim que o policial ambiental autue o suposto infrator, já seja marcada ali no ato uma data para a audiência de conciliação. Nesse momento, o suspeito poderia apresentar sua defesa e até se livrar da multa. Além disso, segundo a Folha de S.Paulo, a pasta quer criar regras que permitam punir fiscais que apliquem multas consideradas inconsistentes. O plano é responsabilizar os servidores que tenham autos de infração revertidos em outras instâncias. Um levantamento das multas aplicadas pelo Ibama nos últimos cinco anos foi encomendado para identificar esses casos.
licenciamento ambiental FLEX
Outra crítica frequente do presidente diz respeito ao licenciamento ambiental. Segundo ele, é muito difícil consegui-lo.
"Quando se fala em licença ambiental, e é obrigado a derrubar uma árvore que ela está ameaçando cair. É uma dificuldade para conseguir essa licença. E toma multa caso derrube essa árvore sem a devida licença e autorização para tal. Então essa questão de licença ambiental atrapalha quando um prefeito, governador, presidente, quer fazer uma obra de infraestrutura, uma estrada, por exemplo, quer rasgar uma estrada, quer duplicar. São problemas infindáveis"
Para Eduardo Fortunato Bim, novo presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a solução seria uma espécie de licenciamento automático e auto-declaratório: um mecanismo em que o produtor rural tenha acesso a um sistema eletrônico pelo qual possa emitir sua própria licença ambiental.
“É claro que, se você fizer uma declaração falsa e estiver fora da linha, é crime, vai ser punido etc., mas esse é um princípio do presidente eleito, o de que devemos acreditar na palavra do cidadão", afirmou. Salles, que também defende regras mais ágeis para o licenciamento ambiental, concordou. Disse que o Brasil tem que criar uma "nova mentalidade", de confiança na veracidade das auto-declarações, e garantiu que os fazendeiros não receberão um "cheque em branco".
Já no caso de licenciamento ambiental para grandes empreendimentos no país que possam atingir povos indígenas, Bolsonaro transferiu a responsabilidade da Funai para o Ministério da Agricultura. E a competência sobre o licenciamento do setor da pesca foi transferida do Meio Ambiente para a Agricultura.
ONGs na mira do governo
As ONGs (organizações não governamentais) vêm sendo alvos de ataques do presidente Jair Bolsonaro desde as eleições. Ele já chegou a afirmar que as organizações se alimentariam da indústria das multas. "Tem decreto que destina 40% das multas para ONGs para preservar meio ambiente. O que vamos fazer com aquele decreto? Cair fora. Não vamos deixar esse pessoal se retroalimentar constantemente trabalhando contra nós”, continuou.
Dito e feito. No dia 14 de janeiro, Salles suspendeu todos os convênios e parcerias da pasta e de suas autarquias com organizações não governamentais pelo prazo de 90 dias. Também pediu um levantamento de todos os desembolsos efetuados por fundos do ministério, como Fundo Clima, Fundo Nacional do Meio Ambiente e Fundo Amazônia, que tenham como beneficiários organismos do terceiro setor.
O ministro determinou ainda que convênios, acordos de cooperação, atos e projetos celebrados entre ONGs e Ibama, Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro sejam remetidos para anuência prévia do gabinete. Ao Estadão, alguns funcionários da pasta afirmaram que a decisão pode afetar ações de conservação, como o projeto Arpa, que atua em áreas protegidas da Amazônia e é considerado o maior e mais bem sucedido programa de proteção de floresta tropical do mundo.