A pandemia e a campanha de vacinação contra a Covid-19 tiveram um rápido efeito linguístico no cotidiano com a introdução de conceitos e termos até então pouco difundidos, como RNA mensageiro, vetor viral e o alfabeto grego, usado para denominar as variantes do novo coronavírus. No universo da desinformação, um léxico próprio também surgiu nos últimos meses.
Mensagens que substituem letras de palavras por números ou que contêm termos de natureza ofensiva, por exemplo, estão presentes em conteúdos enganosos que circularam amplamente nas redes sociais brasileiras neste ano e que foram mapeados pelo monitor do Radar Aos Fatos.
Com base em combinações de termos, o Radar coleta e analisa publicações em sites, Twitter, YouTube, WhatsApp, Facebook e Instagram sobre os temas coronavírus, democracia e Judiciário. Nem todo o material detectado é necessariamente falso — o monitor considera conteúdos de baixa qualidade aqueles produzidos por fontes apócrifas, anônimas ou pouco confiáveis, que usam expressões sensacionalistas e exageradas (leia a metodologia aqui).
Passíveis de mudanças e evoluções ao longo do tempo, os termos usados nas buscas são monitorados e atualizados constantemente pelo núcleo linguístico do Radar. Confira abaixo características e exemplos de expressões que indicam conteúdos com informações falsas ou distorcidas que estiveram em alta neste ano.
NEOLOGISMOS
O uso de palavras inventadas é recorrente em postagens com desinformação relacionada à pandemia. Usuários que minimizam a gravidade da Covid-19 ou que atacam a eficácia das vacinas já criaram termos que servem de indicativo de conteúdo enganoso.
Entre elas, destacaram-se neologismos como "fraudemia" (que combina fraude e pandemia), “plandemia” (plano e pandemia), “comunavírus” (comunismo e vírus) e “vachina” (vacina e China). Postagens que contêm essas palavras apareceram mais de 34 mil vezes no monitor do Radar neste ano — a mais comum foi “vachina”, com 18 mil mensagens.
Termos como esses carregam argumentos falaciosos de teorias conspiratórias. “Fraudemia”, por exemplo, apareceu na ferramenta do Radar associado a mensagens sobre o falso relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) que apontava para uma suposta supernotificação de mortes por Covid-19 no país.
Além da criação de expressões, perfis que disseminam desinformação também atribuíram novo sentido a palavras existentes para questionar a segurança das vacinas contra a Covid-19. É o caso dos termos “picada” e “veneno”, que conferem um tom negativo aos imunizantes e circularam em 4.750 postagens detectadas pelo monitor em 2021.
Uma dessas mensagens dizia que as “picadas da serpente” seriam uma arma biológica de destruição em massa. Essa postagem desinforma ao reunir relatos de mortes e atribuí-los, sem comprovação, às vacinas. Na realidade, os imunizantes são seguros, e a maioria das reações adversas é considerada leve.
LETRAS, NÚMEROS E ÍCONES
O endurecimento das políticas contra desinformação sobre o novo coronavírus adotadas pelas empresas de redes sociais também provocou adaptações na linguagem desinformativa. Alguns usuários passaram a trocar letras por números e ícones para driblar a moderação de conteúdos pelas plataformas.
Mensagens com os termos "v4c1n4" e “v@cin@”, por exemplo, estiveram presentes em mais de 2.100 publicações de baixa qualidade detectadas pela ferramenta do Radar em 2021. Uma delas, destacada abaixo, desinformava ao alegar que os imunizantes não previnem infecções da Covid-19.
Em menor quantidade, a mudança na grafia também apareceu em peças que defendiam o uso de medicações sem eficácia comprovada contra a Covid-19. Ivermectina foi redigida como "iv3rm3ctina" e "1vermect1na" em cerca de 70 publicações identificadas pelo monitor.
O Radar detectou ainda que a mesma estratégia foi usada em posts que atacavam o STF (Supremo Tribunal Federal). Neste caso, o “S” foi substituído por “5” ou “$” em quase 3.000 publicações coletadas pela ferramenta. Esses termos estavam presentes em xingamentos à corte e em teorias conspiratórias que buscam associá-la a grupos de esquerda, como mostra o tweet abaixo.
OFENSAS E APELIDOS
Termos de natureza ofensiva e provocativa são característicos de conteúdos potencialmente enganosos. Insultos a autoridades foram frequentes nos conteúdos de baixa qualidade coletados no monitoramento dos temas democracia e Judiciário neste ano. Ministros do STF e políticos que fazem oposição a Bolsonaro foram alvo dessa estratégia desinformativa.
No caso do Judiciário, as expressões pejorativas miraram ministros como Alexandre de Moraes, relator de inquéritos no STF que investigam bolsonaristas, e Luís Roberto Barroso, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Moraes, por exemplo, foi chamado de “cabeça de ovo” ou de “advogado do PCC” (que remete a uma falsa ligação do ministro com o crime organizado) em quase 700 mensagens de baixa qualidade detectadas pelo monitor em 2021. Barroso foi tratado como “Boca de Veludo” e “Borroso” em cerca de 900 publicações. Um exemplo está em uma mensagem que circulou pelo WhatsApp e que distorce uma declaração de Barroso sobre suspeitas de fraude eleitoral.
Estratégia semelhante foi identificada em postagens de baixa qualidade que mencionam senadores da CPI da Covid-19 que se declararam independentes ou oposicionistas em relação a Bolsonaro, além de governadores críticos aos posicionamentos do presidente durante a pandemia.
Presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM) foi chamado de “Omar Azia” em 1.535 publicações, e o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), de “Canalheiros” em 3.480. Já o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), apareceu em 5.789 mensagens coletadas pela plataforma sendo chamado de “calça apertada”, "calcinha apertada" ou “ditadória”.
METODOLOGIA
O núcleo linguístico responsável pelo monitor do Radar Aos Fatos mapeou características de linguagem que estiveram presentes em conteúdos enganosos que circularam nas redes sociais brasileiras em 2021. Depois, a reportagem selecionou termos e expressões que continham essas marcas e que apareceram em mensagens no monitor de desinformação, mapeando sua incidência nos conteúdos detectados pela plataforma ao longo do ano.