🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Bolsonaristas enganam ao misturar homicídios e feminicídios para desqualificar críticas de Xuxa

Por Amanda Ribeiro

13 de março de 2023, 17h16

Publicações que circulam nas redes enganam ao usar dados gerais de homicídio contra mulheres para negar que o número de feminicídios cresceu no governo Bolsonaro. A comparação é incorreta, porque a estatística de feminicídio, tipificado no Código Penal como o assassinato de mulheres motivado por questões de gênero, cresceu desde 2016, início da série histórica. Já o total de homicídios, que agrega aos dados de feminicídio os assassinatos por outras causas, diminuiu. Esses posts sobrepõem os dados incorretos a um vídeo em que a apresentadora Xuxa Meneghel faz críticas ao ex-presidente.

Publicações com o contexto enganoso acumulam milhares de compartilhamentos no Twitter e centenas de compartilhamentos no Facebook. Os posts também circulam no WhatsApp, plataforma em que não é possível estimar o alcance exato.


Selo falso

Bolsonaristas usam dados gerais de homicídios de mulheres para alegar que Xuxa mentiu sobre aumento de feminicídios no governo Bolsonaro

Posts nas redes têm feito uma comparação incorreta para rebater críticas de Xuxa Meneghel sobre casos de violência contra a mulher no governo Bolsonaro. Para alegar que ela mentiu ao dizer que a taxa de feminicídios cresceu nos últimos anos, bolsonaristas compartilham números gerais de homicídios contra mulheres. O argumento não se sustenta porque o feminicídio é uma forma qualificada de homicídio motivado por questões de gênero, e esses dados não podem ser usados em contraposição aos números gerais.

O feminicídio foi tipificado como crime em 2015 pela lei 13.104. Segundo explicou ao Aos Fatos a mestre em Direito e Processo Penal Marcelle Tasoko, o crime, considerado hediondo, é um qualificador do homicídio comum — ou seja, um elemento que agrava a pena por assassinato.

“O termo feminicídio surgiu para conceituar os assassinatos de mulheres em contextos discriminatórios, cometidos em razão do gênero; ou seja, trata-se de um crime de ódio”, disse. Por isso, nem todo homicídio praticado contra uma mulher pode ser considerado feminicídio.

A lei descreve as seguintes condições para que um assassinato seja caracterizado como feminicídio:

  • Quando é cometido em situação de violência doméstica e familiar;
  • Quando há menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

A visualização compartilhada pelos posts desinformativos mescla dados da série histórica de homicídios contra mulheres do Atlas da Violência, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Essa mistura também é inválida, porque as duas estatísticas são produzidas a partir de dados diferentes: enquanto o Atlas da Violência se baseia em atestados de óbito do DataSUS, o anuário utiliza boletins de ocorrência.

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Como se baseia em dados de saúde, o Atlas da Violência não tem um levantamento específico sobre feminicídio. Os dados, no entanto, são compilados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública desde 2016. O relatório faz a seguinte distinção entre homicídios contra mulheres e feminicídio:

  • Homicídios contra mulheres: dados gerais sobre homicídios dolosos (termo do Código Penal que descreve crimes cometidos intencionalmente) de mulheres. Aqui estão incluídos os crimes de feminicídio e outros assassinatos que não envolvem questões de gênero;
  • Feminicídio: Homicídios cometidos contra mulheres por motivos ligados a gênero.

Observando as estatísticas de feminicídio divulgadas pelo anuário entre 2017 e 2021 — últimos dados disponíveis —, é possível notar que o feminicídio cresceu ao longo do governo Bolsonaro: em 2016, ano em que o país foi comandado por Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), a taxa foi de 0,9 para cada 100 mil mulheres (621 casos, no total); em 2021, essa taxa passou a ser de 1,2 para cada 100 mil (1.341 casos).

É fato também que os dados gerais sobre homicídios de mulheres diminuíram: se, em 2016, a taxa era de 4,1 casos a cada 100 mil mulheres, em 2021, o índice passou a ser de 3,6 a cada 100 mil.

Como o feminicídio seguiu uma tendência divergente à dos homicídios gerais, sua proporção dentro da categoria cresceu nos últimos quatro anos: se 21,9% dos assassinatos foram classificados como feminicídios em 2016, em 2021 essa taxa foi de 34,6%.

Segundo Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, a queda dos homicídios de mulheres ao longo dos últimos anos acompanhou uma tendência geral de diminuição de assassinatos no país, motivado por mudanças nas dinâmicas da violência urbana.

Enquanto isso, os feminicídios, que atualmente são mensurados com maior precisão em casos íntimos — situações em que a mulher morre dentro de casa, por exemplo — cresceram em decorrência do aumento da violência doméstica. A taxa de lesão corporal dolosa — ou seja, agressão — contra mulheres quase dobrou entre 2017 e o ano retrasado.

Outro fator que impacta no crescimento dos números de feminicídio, de acordo com Bueno, é o aumento da notificação. Apesar de o crime ter sido tipificado em 2015, nem todos os estados adotaram imediatamente a classificação nos boletins de ocorrência.

Em 2016, início da série histórica do anuário, por exemplo, Amapá, Ceará, Maranhão e Sergipe ainda não disponibilizavam dados de feminicídio. Ainda hoje, aponta o FBSP, há uma grande subnotificação dos casos, que varia de estado para estado. A lei deixa a cargo dos servidores públicos a classificação do crime.

Contexto. Na última terça-feira (8), Dia Internacional da Mulher, a apresentadora Xuxa Meneghel compartilhou um vídeo no Instagram com críticas ao governo Bolsonaro: “Nós, mulheres, estamos passando por momentos muito difíceis depois desse governo, desse desgoverno onde o feminicídio cresceu, onde o machismo imperou”.

Bolsonaristas influentes nas redes sociais, como os deputados federais Carlos Jordy (PL-RJ) e Mário Frias (PL-SP), reagiram compartilhando um trecho da gravação e apresentando os dados de homicídio que supostamente desmentiriam a apresentadora.

Referências:

1. Planalto (1 e 2)
2. Conselho Nacional do Ministério Público
3. Atlas da Violência
4. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (1, 2 e 3)
5. G1
6. Instagram (@xuxameneghel)

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