São enganosas as publicações que compartilham o trecho de uma entrevista do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes para sugerir que o magistrado não acredita que houve tentativa de golpe no 8 de Janeiro. As peças de desinformação resgatam uma declaração feita pelo ministro dez dias após a invasão — antes, portanto, de as investigações apontarem indícios de organização e financiamento dos atos. Os posts também omitem que o decano mudou de opinião e passou a defender posteriormente que os manifestantes atentaram contra a democracia.
A entrevista descontextualizada tem viralizado principalmente no Instagram, onde acumulava mais de 20 mil curtidas até a tarde desta segunda-feira (18). As peças de desinformação circulam também no WhatsApp, plataforma na qual não é possível estimar o alcance dos conteúdos (fale com a Fátima).
URGENTE! GILMAR MENDES AFIRMA QUE NÃO HOUVE TENTATIVA DE GOLPE NO 08/01!
Publicações têm compartilhado fora de contexto uma entrevista antiga de Gilmar Mendes para alegar que o ministro não acredita que tenha havido uma tentativa de golpe no 8 de Janeiro. A fala em questão foi veiculada pelo canal português RTP Notícias em 18 de janeiro de 2023 — antes, portanto, de as investigações apontarem indícios de financiamento e organização dos manifestantes.
Nos dias seguintes à invasão, Mendes de fato defendeu que não havia ocorrido uma tentativa de golpe. O ministro também adotou esse posicionamento em entrevista ao Correio Braziliense em 29 de janeiro de 2023. Com o andar das investigações, no entanto, o decano mudou de opinião e passou a afirmar que os manifestantes estavam, sim, tramando um golpe de Estado:
- 14.fev.2023: a primeira mudança pública de posicionamento ocorreu em entrevista à GloboNews. Na ocasião, Mendes disse que as investigações sugeriam algum tipo de financiamento e planejamento das manifestações e que informações apontavam para um roteiro em que os participantes queriam forçar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para submeter o poder às forças militares;
- 23.jun.2023:questionado em entrevista ao UOL se acreditava que teria havido uma tentativa de golpe, Mendes respondeu: “nós vivemos uma situação muito anômala. Como se queria isso? Talvez a partir de uma GLO, de um quadro de descontrole… é possível que isso tenha sido cultivado. Como isso estava projetado para depois é sempre uma pergunta, mas algo de anormal vinha sendo cultivado”. O ministro também disse que as mensagens encontradas no celular do ajudante de ordens Mauro Cid apontavam para uma articulação contra a democracia;
- 14.set.2023: durante o julgamento de um dos réus do 8 de Janeiro, o ministro Nunes Marques argumentou que os manifestantes não tinham intenções golpistas. Mendes, na ocasião, rebateu dizendo o grupo estava reunido diante de quartéis “pedindo intervenção federal” e que “estava implícita em toda essa ação, que havia ao cabo, diante da anomalia, da anarquia instaurada, nós teríamos uma GLO”;
- 3.out.2023: Mendes disse, no X (ex-Twitter), que o Brasil vivenciou “uma tentativa de golpe de Estado”;
- 20.fev.2024: em entrevista à Veja, Mendes disse que o 8 de Janeiro foi “um dos momentos mais baixos da República” e que os manifestantes “estavam, na verdade, a criar um pretexto para um golpe”;
- 28.fev.2024: o ministro afirmou, em entrevista ao Estadão, que a ideia de anistiar os réus e investigados pelo 8 de Janeiro “não faz o menor sentido” porque o caso foi “a ameaça mais grave à democracia em todos esses anos pós-ditadura”.
Vale ressaltar ainda que o ministro votou pela condenação de réus do 8 de Janeiro pelos crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. No caso do primeiro condenado, Aécio Lúcio Costa Pereira, por exemplo, Mendes acompanhou o entendimento do ministro Alexandre de Moraes, que disse que o manifestante “tentou depor o governo legitimamente constituído por meio da depredação e ocupação dos edifícios-sede dos Três Poderes da República”.
A denúncia apresentada pelo Ministério Público defende que, nas mensagens e materiais difundidos pelos participantes nas redes (veja abaixo), “fica claro que a intenção não era apenas impedir o exercício dos Poderes constituídos, mas a ‘tomada de poder’”. A denúncia também diz que os extremistas buscavam gerar o caos a fim de que as Forças Armadas tivessem uma justificativa para assumir o poder, usando para isso uma interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição Federal.