Não é real o trecho de um diálogo entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-juiz e atual pré-candidato à Presidência Sergio Moro (Podemos) durante depoimento do petista em 2017 sobre o tríplex do Guarujá (SP) (veja aqui). Ao comparar a versão que circula nas redes com a transcrição oficial do interrogatório, Aos Fatos constatou que frases foram alteradas e inventadas para favorecer a argumentação de Lula.
Publicações com o diálogo enganoso acumulavam ao menos 4.000 compartilhamentos nesta segunda-feira (28) no Facebook.
Publicações nas redes sociais difundem como verdadeira a versão de um diálogo entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-juiz e atual pré-candidato à Presidência Sergio Moro (Podemos) que teria ocorrido durante interrogatório em Curitiba (PR) em 10 de maio de 2017. Ao comparar a versão dos posts com a transcrição oficial do depoimento, é possível constatar que frases foram alteradas e até inventadas para favorecer as respostas do petista.
No depoimento original, de mais de cinco horas, realizado no âmbito das investigações sobre o triplex do Guarujá, não há uma sequência de frases curtas e diretas como consta no início do diálogo enganoso. Tampouco há conversa semelhante no segundo interrogatório prestado por Lula, em setembro daquele ano (confira aqui e aqui).
No começo do depoimento, Moro questiona se o ex-presidente teve a intenção de comprar o tríplex, e apresenta uma rasura em documento relativo a um termo de adesão para ilustrar a suspeita. Lula, então, pergunta sobre quem teria feito isso e o ex-juiz responde que o autor não foi identificado. Na peça desinformativa, o petista rebate: “Então como eu vou saber também?”, o que não se confirma na transcrição original (veja abaixo).
Transcrição falsa:
Moro: "Mas.. o documento tem uma rasura."
Lula: "Quem rasurou?"
Moro: "Não sei...."
Lula: "Então como eu vou saber também?"
Transcrição oficial:
Moro: Consta nesse documento, não sei se o senhor chegou a verificar, uma rasura, número 174 correspondendo a um triplex nesse mesmo edifício, que foi rasurado e em cima dele foi colocado o número 141, isso foi objeto de um laudo pericial da Polícia Federal, eu posso lhe mostrar o laudo aqui, se o senhor quiser dar uma olhada.
Lula: Quem rasurou?
Moro: É, isso não foi identificado.
Lula: Eu também gostaria de identificar quem rasurou
Em outro trecho falso, Moro teria dito que o documento estaria com a assinatura em branco, no que o petista responde “Então o senhor pode guardar por gentileza”. No diálogo verdadeiro, Lula não pede para Moro guardar o documento, mas diz: “então, se não está assinado, doutor…” (confira abaixo).
Transcrição falsa:
Moro: "Tem um documento aqui que fala do triplex...."
Lula: "Tá assinado por quem?"
Moro: "Humm... A assinatura tá em branco..."
Lula: "Então o senhor pode guardar por gentileza!"
Transcrição oficial:
Moro: (...) consta um termo de adesão datado de 01/01/2004, sem assinatura, com a Bancoop, relativamente à aquisição de uma cota correspondente a um apartamento de unidade duplex de 3 dormitórios nesse edifício em Guarujá, unidade 174 A, e depois, com a transferência do empreendimento à OAS, acabou se transformando no triplex 164 A, posso lhe mostrar o documento para o senhor dar uma olhadinha.
Lula: Em 2004, assinado por quem?
Moro: Não, esse não está assinado.
Lula: Então não sei.
Moro: Consta que esse documento foi apreendido no seu endereço, no apartamento em São Bernardo do Campo.
Lula: Não me mostraram isso.
Moro: O senhor quer dar uma olhada?
Lula: Quem apreendeu não me mostrou no apartamento em São Bernardo do Campo. Está assinado por quem?
Moro: Não está assinado.
Lula: Então, se não está assinado, doutor…
Outro trecho com distorções se refere ao doleiro Alberto Youssef. Embora Lula tenha confrontado Moro acerca da sua decisão de soltar Youssef, a peça de desinformação inventa que o ex-juiz respondeu “mas eu não tinha que saber. Não tenho nada com isso” e omite trechos, como a fala de Moro sobre os nomes indicados por Lula ao conselho de administração da Petrobras (veja abaixo).
Transcrição falsa:
Moro: "O sr. Não sabia dos desvios da Petrobrás?"
Lula: "Ninguém sabia dos desvios da Petrobrás. Nem eu, nem a imprensa, nem o senhor, nem o Ministério Público e nem a polícia federal. Só ficamos sabendo quando grampearam o Youssef."
Moro: "Mas eu não tinha que saber. Não tenho nada com isso."
Lula: "Tem sim. Foi o sr. quem soltou o Youssef."
Transcrição oficial:
Moro: Senhor ex presidente, o senhor tendo nomeado, indicado, pelo menos dado a palavra final para indicação ao conselho de administração da Petrobras de Paulo Roberto Costa, Renato de Souza Duque, Nestor Cuñat Cerveró, Jorge Luiz Zelada, o senhor não tinha conhecimento de nenhum dos crimes por eles praticados enquanto diretores da Petrobras?
Lula: Não. Não.
Moro: Ou desse esquema criminoso que alguns deles começaram?
Lula: Nem eu, nem o senhor, nem o Ministério Público, nem a Petrobras, nem a imprensa, nem a Polícia Federal, todos nós só ficamos sabendo quando foi pego no grampo a conversa do Youssef com o Paulo Roberto.
Moro: Eu indago ao senhor isso porque foi o senhor que indicou o nome deles ao conselho de administração da Petrobras, é uma situação diferente de mim que não tenho nada a ver com isso, nunca participei dessas indicações.
Lula: Mas o senhor que soltou o Youssef e mandou grampear, o senhor podia saber mais do que eu.
Moro: Não, eu decretei a prisão do Alberto Youssef, é um pouco diferente.
Lula: Doutor Moro, deixa eu dizer uma coisa para o senhor…
As postagens também distorcem um trecho sobre Renato Duque em que o ex-presidente teria comparado o ex-diretor da Petrobras a um filho que tirou “nota vermelha” na escola. Lula fez a comparação no depoimento, mas usou o termo “nota baixa”. Moro afirma que fica sabendo da nota dos filhos com o tempo, e não que “os meus filhos falam”, e em nenhum momento Lula diz “o Renato Duque não é seu filho” (confira abaixo).
Transcrição falsa:
Moro: "Senhor ex-presidente, você não sabia que Renato Duque roubava a Petrobras?"
Lula: "Doutor, o filho quando tira nota vermelha, ele não chega em casa e fala: 'Pai, tirei nota vermelha'."
Moro: "Os meus filhos falam."
Lula: "Doutor Moro, o Renato Duque não é seu filho."
Transcrição oficial:
Moro: O senhor ex-presidente não se informava do que ocorria no âmbito da Petrobras ou com os diretores que o senhor indicou?
Lula: O senhor acha que as pessoas vinham falar de propina?
Moro: Peço para o senhor falar no microfone.
Lula: O senhor acha que quando o seu filho tira uma nota baixa na escola ele chega em casa pulando de alegria para contar, se ele puder vai tentar esconder até o senhor saber, o senhor acha que alguém que começou a roubar vai contar para alguém que ele está roubando? Vai contar?
Moro: Mas os meus filhos eu fico sabendo a nota com o tempo, o senhor não ficou sabendo de nada?
Lula: Agora porque a escola diz até quando, a escola até comunica quando a molecada falta, no meu tempo não...
Outra passagem inventada pelas postagens é a que Moro cita denúncias dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, e Lula responde: “doutor, não me julgue por notícias, mas por provas”. Essas frases não foram ditas no interrogatório do dia 10 de maio de 2017 nem no segundo depoimento do ex-presidente.
Moro de fato citou a Folha na inquirição de maio, mas a resposta que obteve foi diferente. Ele pergunta se Lula saberia explicar o conteúdo que foi publicado, e o ex-presidente se nega a comentar. “Eu me recuso a responder uma matéria da Folha de S.Paulo, que não tem autor, que não tem entrevista, é o achismo”, disse Lula.
Triplex. Lula foi acusado pelo MPF (Ministério Público Federal) de receber propina da empreiteira OAS, que teria sido paga na forma de reserva e reforma de um apartamento tríplex no Guarujá (SP). O ex-presidente foi condenado por Moro a 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
No entanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou, em junho do ano passado, a atuação de Moro no caso parcial e anulou a condenação de Lula. A suspeição foi estendida a todos os processos que envolviam o petista. A investigação, portanto, não foi concluída e o MPF arquivou o processo.
Esta peça de desinformação também foi checada pela Lupa.
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