Após décadas de discussões, a reforma tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados e, com a conclusão da votação nesta sexta-feira (7), segue para o Senado.
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45/2019 abrange os tributos que incidem sobre o consumo e acaba com o chamado “efeito cascata” — quando impostos são cobrados em cima de produtos ou serviços que já foram tributados anteriormente.
Se o texto for aprovado também pelos senadores, a nova regra fiscal deve começar a ser implementada em 2026, quando passará a ser aplicada uma alíquota-teste de 0,1% do novo imposto federal. Para os consumidores, a conclusão da transição é prevista no texto para 2033.
Enquanto os deputados discutiam a reforma tributária, a proposta virou alvo de peças desinformativas que viralizaram nas redes, sobretudo com o objetivo de atacá-la.
A disputa sobre o cálculo da tributação da cesta básica, que acabou tendo a alíquota zerada no texto aprovado, foi um dos principais pontos de disputa.
A seguir, o Aos Fatos reúne respostas às dúvidas mais exploradas por correntes desinformativas e explica as principais mudanças da reforma tributária.
- O que muda com a reforma tributária?
- A União será responsável por toda a arrecadação de tributos?
- O preço dos alimentos vai subir com a reforma?
- Haverá mudanças no IPTU e no IPVA?
- Como fica o imposto sobre heranças e doações?
- A reforma propõe mudanças no Imposto de Renda?
1. O que muda com a reforma tributária?
Atualmente existem cinco impostos que incidem sobre produtos e serviços consumidos no Brasil: os federais (PIS, Cofins e IPI), o estadual (ICMS) e o municipal (ISS). A proposta da reforma é que eles sejam substituídos pelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, que possui essa denominação por ser composto por duas partes:
- A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que reúne os tributos federais, recolhidos pela União;
- O IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de gestão compartilhada entre estados e municípios.
Apesar de ser dual, para o consumidor o IVA será um único tributo, que tem regime não cumulativo — ou seja, o imposto pago em uma etapa da cadeia de produção pode ser descontado do imposto a pagar na próxima. Isso evita a chamada tributação em cascata — cobrança de imposto sobre imposto.
O texto aprovado não define a alíquota do IVA, que será fixada por lei complementar a ser aprovada no futuro. A PEC, porém, já prevê a criação de três faixas de tributação.
Alíquota padrão. Embora seu valor ainda não seja conhecido, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirmou que, para manter o nível de arrecadação atual, é necessária uma cobrança em torno de 25%. Tributaristas, porém, acreditam que o valor deverá ser maior, já que o texto prevê isenções.
Alíquota reduzida. Terá um desconto de 60% em relação à alíquota padrão. Ela será aplicada a:
- Serviços de educação;
- Serviços de saúde;
- Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;
- Medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
- Serviços de transporte coletivo de passageiros (rodoviário, ferroviário e hidroviário);
- Produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
- Insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene;
- Produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais.
Faixa de isenção. Alguns produtos e serviços podem não pagar imposto, o que será definido por legislação futura. Nesse grupo deve entrar a cesta básica.
Além do IVA, o projeto cria um Imposto Seletivo, de competência federal, que incidirá sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, a serem definidos por lei complementar.
O texto aprovado institui ainda uma política redistributiva, chamada de “cashback”, que também será regulamentada posteriormente. Embora ainda esteja em aberto, a medida deve funcionar como uma espécie de restituição, devolvendo parte dos impostos pagos por famílias em situação de pobreza e pobreza extrema, com o objetivo de reduzir as desigualdades.
Appy mencionou um exemplo de como esse sistema poderia funcionar:
- uma pessoa de baixa renda compra determinado produto e informa o CPF;
- o governo saberá quanto foi pago de tributo e devolverá o valor incidente até um determinado teto, a fim de evitar fraudes;
- Segundo o secretário, o sistema do CadÚnico (Cadastro Único) poderia ser usado para operacionalizar esse sistema de cashback e detectar eventuais fraudes.
2. A União será responsável por toda a arrecadação de tributos?
Não. O texto aprovado não prevê a concentração de toda a arrecadação dos impostos nas mãos da União. Apenas a administração da CBS será feita pelo governo federal. Já o IBS — componente estadual e municipal do IVA — será gerido pelo Conselho Federativo, órgão que será formado por representantes de estados e municípios.
- O Conselho Federativo será composto por um representante de cada estado e do Distrito Federal, somando 27 membros, e mais 27 representantes dos municípios;
- A gestão, a administração e os votos serão distribuídos de forma paritária entre os entes federativos;
- O novo órgão terá autonomia para deliberações, além de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira;
- O conselho terá atuação integrada às fazendas estaduais e municipais.
De acordo com o texto da PEC aprovado na Câmara, o IBS será cobrado no destino do produto — ou seja, o imposto vai incidir na região em que o bem ou serviço for consumido. Atualmente, a tributação é feita na origem — no local em que está registrada a empresa que produz o bem ou presta o serviço.
3. O preço dos alimentos vai subir com a reforma?
Não. Após discussões durante a tramitação, o texto aprovado incluiu no parecer a criação de uma cesta básica nacional de alimentos, que será isenta de tributação. Os produtos classificados como integrantes da cesta básica serão definidos posteriormente, por projeto de lei complementar a ser aprovado no Congresso.
Durante a semana, antes da versão final do parecer, a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) divulgou um estudo alegando que a reforma tributária poderia ocasionar um aumento médio de 60% no valor da cesta básica, e parlamentares bolsonaristas reverberaram o levantamento.
A conclusão não foi recebida como consenso entre especialistas. O secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, Bernard Appy, rebateu o estudo, afirmando que o cálculo não considerava a redução de custos ou a recuperação de impostos da cadeia produtiva. Já o economista, advogado e consultor do Banco Mundial Eduardo Fleury divulgou estudo prevendo que a reforma reduziria o preço da cesta básica para o consumidor final em até 1,7%.
Em nota enviada ao Aos Fatos, a Abras reviu a previsão divulgada inicialmente, que gerou publicações desinformativas nas redes. “Uma vez que o novo texto zera impostos para a cesta básica, não haverá mais impacto em tais itens”, disse a associação. A Abras também afirmou ter recebido com “satisfação” a aprovação da reforma e declarou que a simplificação do sistema tributário é positiva para o país.
4. Haverá mudanças no IPTU e no IPVA?
O relatório aprovado prevê pequenas mudanças nos impostos sobre propriedades. A nova roupagem do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana), que é um tributo municipal, estabelece que a base de cálculo deve ser atualizada ao menos uma vez a cada quatro anos, por meio de decreto do prefeito e respeitando critérios definidos por lei.
Atualmente, o cálculo do tributo é definido por cada município e leva em consideração critérios como tamanho do terreno e área construída — sendo que, para alterar o valor, é necessária a aprovação de um projeto de lei na Câmara Municipal de cada cidade.
Já em relação ao IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), que é um tributo estadual, a reforma propõe taxar veículos aquáticos e aéreos, como iates e jatinhos. O texto também prevê que as alíquotas do IPVA poderão variar de acordo com o tipo, função, eficiência energética e emissão de poluentes, o que vale para todos os veículos.
5. Como fica o imposto sobre heranças e doações?
A reforma não acaba com o direito à herança, diferente do que afirmam peças desinformativas. A proposta de mudança no ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação) prevê que sua cobrança será progressiva, ou seja, a alíquota aplicada vai depender do valor da herança ou da doação. Esse mecanismo já é adotado em estados como Rio de Janeiro e Ceará.
Segundo o texto aprovado, os estados têm autonomia para definir as alíquotas e as faixas de progressividade, desde que respeitem o teto atual de 8%, explica Alessandro Fonseca, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho. O recolhimento do imposto será feito de acordo com o estado de residência do doador ou pessoa falecida.
Outra mudança será no imposto sobre heranças e doações vindas do exterior, que atualmente não são tributadas. A reforma passa a permitir essa cobrança, mas ela ainda depende de uma lei complementar.
6. A reforma propõe mudanças no Imposto de Renda?
Não, a reforma tributária aprovada na Câmara não afeta o Imposto de Renda, ao contrário do que dizem peças desinformativas que alegam que esse tributo passaria a depender do gênero e da raça do contribuinte.
A PEC 45 abrange somente os tributos referentes ao consumo de bens e serviços. No entanto, o texto estabelece que, a partir de sua aprovação, a União terá 180 dias para apresentar um segundo projeto de reforma, que dessa vez deverá incluir o Imposto de Renda.