Luiz Fernando Menezes/Aos Fatos

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Julho de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Alvo de desinformação, reforma tributária não onera cesta básica nem concentra arrecadação

Por Bianca Bortolon e Milena Mangabeira

7 de julho de 2023, 19h37

Após décadas de discussões, a reforma tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados e, com a conclusão da votação nesta sexta-feira (7), segue para o Senado.

A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45/2019 abrange os tributos que incidem sobre o consumo e acaba com o chamado “efeito cascata” — quando impostos são cobrados em cima de produtos ou serviços que já foram tributados anteriormente.

Se o texto for aprovado também pelos senadores, a nova regra fiscal deve começar a ser implementada em 2026, quando passará a ser aplicada uma alíquota-teste de 0,1% do novo imposto federal. Para os consumidores, a conclusão da transição é prevista no texto para 2033.

Enquanto os deputados discutiam a reforma tributária, a proposta virou alvo de peças desinformativas que viralizaram nas redes, sobretudo com o objetivo de atacá-la.

A disputa sobre o cálculo da tributação da cesta básica, que acabou tendo a alíquota zerada no texto aprovado, foi um dos principais pontos de disputa.

A seguir, o Aos Fatos reúne respostas às dúvidas mais exploradas por correntes desinformativas e explica as principais mudanças da reforma tributária.

  1. O que muda com a reforma tributária?
  2. A União será responsável por toda a arrecadação de tributos?
  3. O preço dos alimentos vai subir com a reforma?
  4. Haverá mudanças no IPTU e no IPVA?
  5. Como fica o imposto sobre heranças e doações?
  6. A reforma propõe mudanças no Imposto de Renda?

Fotografia tirada de perspectiva de contra-mergulho mostra a Mesa Diretora da Câmara, com uma cruz pendurada na parede logo atrás e o presidente Arthur Lira ao centro, cercado por outros 16 deputados (todos homens), como Baleia Rossi (MDB-SP) e Zeca Dirceu (PT-PR), que aplaudem, sorriem e comemoram a aprovação do texto na CâmaraVotação. Reforma tributária foi aprovada na Câmara, em dois turnos, na madrugada desta sexta-feira (7) com placar final de 375 votos a 113 (Marina Ramos/Câmara dos Deputados)

1. O que muda com a reforma tributária?

Atualmente existem cinco impostos que incidem sobre produtos e serviços consumidos no Brasil: os federais (PIS, Cofins e IPI), o estadual (ICMS) e o municipal (ISS). A proposta da reforma é que eles sejam substituídos pelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, que possui essa denominação por ser composto por duas partes:

  • A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que reúne os tributos federais, recolhidos pela União;
  • O IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de gestão compartilhada entre estados e municípios.

Apesar de ser dual, para o consumidor o IVA será um único tributo, que tem regime não cumulativo — ou seja, o imposto pago em uma etapa da cadeia de produção pode ser descontado do imposto a pagar na próxima. Isso evita a chamada tributação em cascata — cobrança de imposto sobre imposto.

O texto aprovado não define a alíquota do IVA, que será fixada por lei complementar a ser aprovada no futuro. A PEC, porém, já prevê a criação de três faixas de tributação.

Alíquota padrão. Embora seu valor ainda não seja conhecido, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, afirmou que, para manter o nível de arrecadação atual, é necessária uma cobrança em torno de 25%. Tributaristas, porém, acreditam que o valor deverá ser maior, já que o texto prevê isenções.

Alíquota reduzida. Terá um desconto de 60% em relação à alíquota padrão. Ela será aplicada a:

  • Serviços de educação;
  • Serviços de saúde;
  • Dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência;
  • Medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
  • Serviços de transporte coletivo de passageiros (rodoviário, ferroviário e hidroviário);
  • Produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
  • Insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene;
  • Produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais.

Faixa de isenção. Alguns produtos e serviços podem não pagar imposto, o que será definido por legislação futura. Nesse grupo deve entrar a cesta básica.

Além do IVA, o projeto cria um Imposto Seletivo, de competência federal, que incidirá sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, a serem definidos por lei complementar.

O texto aprovado institui ainda uma política redistributiva, chamada de “cashback”, que também será regulamentada posteriormente. Embora ainda esteja em aberto, a medida deve funcionar como uma espécie de restituição, devolvendo parte dos impostos pagos por famílias em situação de pobreza e pobreza extrema, com o objetivo de reduzir as desigualdades.

Appy mencionou um exemplo de como esse sistema poderia funcionar:

  • uma pessoa de baixa renda compra determinado produto e informa o CPF;
  • o governo saberá quanto foi pago de tributo e devolverá o valor incidente até um determinado teto, a fim de evitar fraudes;
  • Segundo o secretário, o sistema do CadÚnico (Cadastro Único) poderia ser usado para operacionalizar esse sistema de cashback e detectar eventuais fraudes.
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2. A União será responsável por toda a arrecadação de tributos?

Não. O texto aprovado não prevê a concentração de toda a arrecadação dos impostos nas mãos da União. Apenas a administração da CBS será feita pelo governo federal. Já o IBS — componente estadual e municipal do IVA — será gerido pelo Conselho Federativo, órgão que será formado por representantes de estados e municípios.

  • O Conselho Federativo será composto por um representante de cada estado e do Distrito Federal, somando 27 membros, e mais 27 representantes dos municípios;
  • A gestão, a administração e os votos serão distribuídos de forma paritária entre os entes federativos;
  • O novo órgão terá autonomia para deliberações, além de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira;
  • O conselho terá atuação integrada às fazendas estaduais e municipais.

De acordo com o texto da PEC aprovado na Câmara, o IBS será cobrado no destino do produto — ou seja, o imposto vai incidir na região em que o bem ou serviço for consumido. Atualmente, a tributação é feita na origem — no local em que está registrada a empresa que produz o bem ou presta o serviço.

3. O preço dos alimentos vai subir com a reforma?

Não. Após discussões durante a tramitação, o texto aprovado incluiu no parecer a criação de uma cesta básica nacional de alimentos, que será isenta de tributação. Os produtos classificados como integrantes da cesta básica serão definidos posteriormente, por projeto de lei complementar a ser aprovado no Congresso.

Durante a semana, antes da versão final do parecer, a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) divulgou um estudo alegando que a reforma tributária poderia ocasionar um aumento médio de 60% no valor da cesta básica, e parlamentares bolsonaristas reverberaram o levantamento.

A conclusão não foi recebida como consenso entre especialistas. O secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, Bernard Appy, rebateu o estudo, afirmando que o cálculo não considerava a redução de custos ou a recuperação de impostos da cadeia produtiva. Já o economista, advogado e consultor do Banco Mundial Eduardo Fleury divulgou estudo prevendo que a reforma reduziria o preço da cesta básica para o consumidor final em até 1,7%.

Em nota enviada ao Aos Fatos, a Abras reviu a previsão divulgada inicialmente, que gerou publicações desinformativas nas redes. “Uma vez que o novo texto zera impostos para a cesta básica, não haverá mais impacto em tais itens”, disse a associação. A Abras também afirmou ter recebido com “satisfação” a aprovação da reforma e declarou que a simplificação do sistema tributário é positiva para o país.

Foto tirada no mercado municipal de Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, mostra consumidores selecionando cebolas, pimentões, tomates e outros vegetais, enquanto uma feirante observa a cenaCesta básica. Reforma prevê criação de uma cesta básica nacional isenta de impostos (Chico Bezerra/Prefeitura Municipal do Jaboatão dos Guararapes)

4. Haverá mudanças no IPTU e no IPVA?

O relatório aprovado prevê pequenas mudanças nos impostos sobre propriedades. A nova roupagem do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana), que é um tributo municipal, estabelece que a base de cálculo deve ser atualizada ao menos uma vez a cada quatro anos, por meio de decreto do prefeito e respeitando critérios definidos por lei.

Atualmente, o cálculo do tributo é definido por cada município e leva em consideração critérios como tamanho do terreno e área construída — sendo que, para alterar o valor, é necessária a aprovação de um projeto de lei na Câmara Municipal de cada cidade.

Já em relação ao IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), que é um tributo estadual, a reforma propõe taxar veículos aquáticos e aéreos, como iates e jatinhos. O texto também prevê que as alíquotas do IPVA poderão variar de acordo com o tipo, função, eficiência energética e emissão de poluentes, o que vale para todos os veículos.

5. Como fica o imposto sobre heranças e doações?

A reforma não acaba com o direito à herança, diferente do que afirmam peças desinformativas. A proposta de mudança no ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação) prevê que sua cobrança será progressiva, ou seja, a alíquota aplicada vai depender do valor da herança ou da doação. Esse mecanismo já é adotado em estados como Rio de Janeiro e Ceará.

Segundo o texto aprovado, os estados têm autonomia para definir as alíquotas e as faixas de progressividade, desde que respeitem o teto atual de 8%, explica Alessandro Fonseca, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho. O recolhimento do imposto será feito de acordo com o estado de residência do doador ou pessoa falecida.

Outra mudança será no imposto sobre heranças e doações vindas do exterior, que atualmente não são tributadas. A reforma passa a permitir essa cobrança, mas ela ainda depende de uma lei complementar.

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6. A reforma propõe mudanças no Imposto de Renda?

Não, a reforma tributária aprovada na Câmara não afeta o Imposto de Renda, ao contrário do que dizem peças desinformativas que alegam que esse tributo passaria a depender do gênero e da raça do contribuinte.

A PEC 45 abrange somente os tributos referentes ao consumo de bens e serviços. No entanto, o texto estabelece que, a partir de sua aprovação, a União terá 180 dias para apresentar um segundo projeto de reforma, que dessa vez deverá incluir o Imposto de Renda.

Referências:
1. G1 (1, 2)
2. Jornal Contábil
3. Valor Econômico
4. O Estado de S. Paulo (1, 2)
5. Câmara dos Deputados
6. Abras
7. UOL
8. Folha de S.Paulo
9. Aos Fatos (1, 2)
10. O Globo

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