O que é fato, ficção e contradição no quarto pronunciamento de Bolsonaro sobre o novo coronavírus

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O presidente da República, Jair Bolsonaro, fez seu quarto pronunciamento em cadeia de rádio e TV nesta terça-feira (31). Aos Fatos checou suas declarações. Veja, abaixo, a íntegra do discurso e o que nossa equipe de checadores analisou.

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Jair Bolsonaro

Boa noite. Venho nesse momento importante me dirigir a todos vocês.

Desde o início do governo temos trabalhado em todas as frentes para sanar problemas históricos e melhorar a vida das pessoas. O Brasil avançou muito nestes 15 meses, mas agora estamos diante do maior desafio da nossa geração.

Minha preocupação sempre foi salvar vidas, tanto as que perderemos pela pandemia quanto aquelas que serão atingidas pelo desemprego, violência e fome.

Bolsonaro já afirmou que pessoas iriam morrer em decorrência da doença. Em entrevista à Band na última sexta-feira (27), por exemplo, o presidente disse que “Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. Essa é a vida”. No domingo (29), tornou a repetir a declaração: “Todos nós iremos morrer um dia”. O presidente também tem tomado atitudes ao longo do último mês, desde o primeiro caso de Covid-19 no país, que vão na contramão de sua declaração. A principal delas é o descumprimento de orientações dadas por autoridades como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo próprio Ministério da Saúde. O presidente já se manifestou em diversas ocasiões contra a medida de isolamento social que vem sendo recomendada por diversos estados do país, a exemplo de vários outros países que lidam com a pandemia, para achatar a curva de contágio e diminuir os riscos de contaminação de grupos mais suscetíveis a quadros graves da doença, como idosos ou pessoas com problemas de saúde preexistentes. Bolsonaro também já descumpriu orientações de isolamento: no dia 15 de março, ainda sem ter recebido o resultado do teste que certificaria de que não estava contaminado com o novo coronavírus, o presidente saiu para cumprimentar apoiadores à porta do Palácio do Planalto. Ali, teve contato com uma aglomeração de cerca de 270 pessoas, de acordo com estimativas do Estadão.

Me coloco no lugar das pessoas e entendo suas angústias. As medidas protetivas devem ser implementadas de forma racional, responsável e coordenada.

Nesse sentido, o Sr. Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, disse saber que “muitas pessoas, de fato, têm que trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário” e que “os governos têm que levar esta população em conta”.

Continua ainda, “se fecharmos ou limitarmos movimentações, o que acontecerá com estas pessoas, que têm que trabalhar todos os dias e que têm que ganhar o pão de cada dia todos os dias?” Ele prossegue, “Então, cada país, baseado em sua situação, deveria responder a esta questão”.

O diretor da OMS afirma ainda que, com relação a cada medida, “temos que ver o que significa para o indivíduo nas ruas” e complementa “eu venho de família pobre, eu sei o que significa estar sempre preocupado com seu pão diário e isso deve ser levado em conta porque todo indivíduo importa. A maneira como cada indivíduo é afetado pelas nossas ações tem que ser considerada”.

Não me valho dessas palavras [do diretor-geral da OMS] para negar a importância das medidas de prevenção e controle da pandemia,...

Se, no pronunciamento, o presidente não usou declarações do diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, para refutar medidas de prevenção e controle ao Covid-19, mais cedo, em entrevista, Bolsonaro citou as mesmas falas para sugerir um recuo da entidade sobre a quarentena obrigatória, o que não ocorreu. Portanto, esta declaração é CONTRADITÓRIA. Em entrevista coletiva nesta segunda-feira (30), Ghebreyesus foi questionado sobre o impacto da quarentena na Índia e alertou, de fato, que os governos devem ponderar os impactos sociais e econômicos do confinamento sobre a população mais pobre e buscar soluções, mas não defendeu o fim ou o relaxamento da quarentena. Ainda assim, na manhã desta terça-feira, Bolsonaro afirmou, em referência a fala do chefe da entidade: “Eu achei excepcional a palavra dele, e meus parabéns: OMS se associa a Jair Bolsonaro”. E ainda disse: “Vocês viram o que o diretor-presidente da OMS falou, não? Alguém viu aí? Que tal eu ocupar rede nacional de rádio e TV hoje à noite para falar sobre isso? O que ele disse praticamente, em especial, tem que trabalhar (...) Quando eu comecei a falar isso, entraram até com processo no Tribunal Penal Internacional contra mim, me chamando de genocida. Eu sou um genocida por defender o direito de você levar um prato de comida para tua casa”.

... mas para mostrar que, da mesma forma, precisamos pensar nos mais vulneráveis. Esta tem sido a minha preocupação desde o princípio.

O presidente disse que “Alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. Essa é a vida”, referindo-se às pessoas mais suscetíveis a contrair casos graves da doença. Mas não foi só isso. Em live na última quinta-feira (26), Bolsonaro afirmou, ainda, que é a população, e não o governo, que deve se preocupar com a saúde dos idosos durante a pandemia. “A primeira pessoa que tem que se preocupar com o grupo de risco é você, que tem o pai, a mãe e o avô dentro de casa. Não é esperar que o governo faça alguma coisa”. O presidente também tem defendido como medida de combate à Covid-19 o isolamento vertical, quando apenas os grupos de risco permanecem confinados. De acordo com especialistas, a medida é perigosa, porque pessoas jovens e saudáveis que voltassem a circular poderiam expor à infecção outros indivíduos menos resistentes com quem morassem.

O que será do camelô, do vendedor de churrasquinho de “gato”, da diarista, do ajudante de pedreiro, do caminhoneiro e dos outros autônomos com quem venho mantendo contato durante toda minha vida pública?

Por isso determinei ao nosso ministro da Saúde que não poupasse esforços, apoiando através do SUS todos os estados do Brasil aumentando a capacidade da rede de saúde e preparando-a para o combate à pandemia.

Assim, estão sendo adquiridos novos leitos já com respiradores, equipamentos de proteção individual, kits para testes e demais insumos necessários.

No dia de hoje, em comum acordo com a indústria farmacêutica, decidimos adiar, por 60 dias, o reajuste de medicamentos no Brasil.

Determinei ainda ao nosso ministro da Economia que adotasse todas as medidas possíveis para proteger sobretudo o emprego e a renda dos brasileiros.

Fizemos isso através de ajuda financeira aos estados e municípios, ...

... linhas de crédito para empresas, ...

Embora o governo tenha anunciado linhas de crédito para socorrer empresas durante a pandemia, ainda não editou a Medida Provisória que efetivamente implementa a medida. O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) afirmou na sexta-feira (27) que emprestará até R$ 40 bilhões para ajudar pequenas e médias empresas a arcarem com o salário de seus funcionários por dois meses. O limite do crédito será de dois salários mínimos (R$ 2.090) por trabalhador e poderão participar companhias com faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. O prazo para pagar a dívida será de 30 meses e os juros, de 3,75% ao ano. O governo também anunciou outras duas linhas de crédito: uma de R$ 2 bilhões para empresas do setor de saúde e outra de R$ 10 bilhões para as Santas Casas.

... auxílio mensal de R$ 600 aos trabalhadores informais e vulneráveis, ...

Embora o Congresso tenha aprovado o pagamento por três meses de um auxílio de R$ 600 a trabalhadores informais de baixa renda para mitigar os impactos causados pela Covid-19, é IMPRECISO afirmar que a concessão do benefício nesse valor tenha sido iniciativa do governo federal. O Ministério da Economia havia anunciado, no dia 18 de março, que a ajuda seria de apenas R$ 200. O valor só aumentou depois de negociações com o relator do Projeto de Lei sobre o assunto, Marcelo Aro (PP-MG), e com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que defenderam publicamente o pagamento de R$ 500 por mês. O texto foi aprovado pelo Senado na segunda-feira (30) e ainda aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro para entrar em vigor.

... entrada de mais 1,2 milhão no programa Bolsa Família, ...

O governo federal editou em 25 de março a Medida Provisória 929, que libera mais de R$ 3,04 bilhões para a inclusão de novos beneficiários no Bolsa Família. Segundo o Ministério da Cidadania, o valor permite a inclusão de 1,2 milhão de novas famílias no programa, mas a pasta ainda não divulgou o número de beneficiários incluídos em março, o último dado disponível é de fevereiro. Como não é possível afirmar com base em dados públicos se houve aumento no número de famílias atendidas, a declaração foi considerada INSUSTENTÁVEL. Outra informação importante é que em fevereiro, segundo informações obtidas pelo jornal "O Estado de S. Paulo" por meio da Lei de Acesso à Informação, havia 1,5 milhão de famílias que aguardavam ser incluídas no Bolsa Família. Segundo dados do Ministério da Cidadania, entre janeiro e fevereiro houve uma redução no número de beneficiários.

... adiamos o pagamento de dívidas dos estados e municípios, ...

A declaração é FALSA, pois o adiamento do pagamento das dívidas de estados e municípios ainda não foi implementado. O governo ainda negocia a inclusão da medida no chamado Plano Mansueto (PLP 149/2019), que trata da recuperação fiscal de estados endividados. Em postagens no Twitter em 23 de março, o presidente informou que pretendia suspender o pagamento de R$ 12,6 bilhões de dívidas dos estados com a União, mas até o momento isso não ocorreu. A suspensão já foi obtida pelo estado de São Paulo por decisão do Supremo Tribunal Federal.

... só para citar algumas das medidas adotadas.

Temos uma missão: salvar vidas, sem deixar para trás os empregos.

Por um lado, temos que ter cautela e precaução com todos, principalmente junto aos mais idosos e portadores de doenças preexistentes. Por outro, temos que combater o desemprego, que cresce rapidamente, em especial entre os mais pobres.

Vamos cumprir essa missão ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas.

O vírus é uma realidade, ainda não existe vacina contra ele ou remédio com eficiência cientificamente comprovada, apesar da hidroxicloroquina parecer bastante eficaz.

De fato, não existe vacina ou medicamento com eficiência comprovada contra o novo coronavírus. No entanto, a declaração foi classificada como CONTRADITÓRIA porque Bolsonaro tem afirmado que medicamentos à base cloroquina são eficazes para o tratamento da Covid-19, mesmo que ainda não haja evidências científicas sobre os benefícios da substância. No último domingo (29), por exemplo, durante uma volta que deu por Brasília e cidades-satélites, o presidente disse que a cloroquina "está dando certo em tudo que é lugar". Essa declaração motivou a remoção de um vídeo no Twitter, no Facebook e no Instagram por conter informações que vão contra as recomendações das autoridades mundiais de saúde. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) já esclareceu, entretanto, que “apesar de promissores, não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desses medicamentos para o tratamento da Covid-19”. O Ministério da Saúde autorizou no dia 27 de março o uso do medicamento para tratamentos de até cinco dias somente para pacientes hospitalizados com quadro grave da doença decorrente do novo coronavírus.

O coronavírus veio e um dia irá embora, infelizmente teremos perdas neste caminho. Eu mesmo já perdi entes queridos no passado e sei o quanto é doloroso. Todos nós temos que evitar ao máximo qualquer perda de vida humana. Como disse o diretor-geral da OMS, “todo indivíduo importa”.

Ao mesmo tempo, devemos evitar a destruição de empregos, que já vem trazendo muito sofrimento para os trabalhadores brasileiros.

Na última reunião do G-20, nós, os chefes de Estado e de governo, nos comprometemos a proteger vidas e a preservar empregos. Assim o farei.

Desde fevereiro determinei o emprego das Forças Armadas no combate ao coronavírus.

Antes de anunciar a repatriação no dia 2 daquele mês, o presidente havia se posicionado contra a operação. Em entrevista na porta do Palácio do Planalto no dia 31 de janeiro, Bolsonaro afirmou que o custo de um voo para o país asiático seria muito caro e que a operação colocaria a vida dos brasileiros em risco. “Se lá [na China] temos algumas dezenas de vidas, aqui temos 210 milhões de brasileiros”, disse na ocasião. O presidente só mudou de ideia após os brasileiros isolados gravarem um vídeo lendo uma carta endereçada ao governo Bolsonaro.

O Ministério da Defesa realizou o resgate de brasileiros na China. Agora as Forças Armadas atuam em apoio às áreas de Saúde e Segurança, em todo o Brasil.

Foi ativado um Centro de Operações, que coordena as ações e 10 Comandos Conjuntos foram criados, cobrindo todo o território nacional.

O Ministério da Defesa anunciou, no dia 20 de março, a criação do Centro de Operações Conjuntas, composto por Aeronáutica, a Marinha e o Exército, para fornecer apoio logístico em ações de combate à pandemia do novo coronavírus. De acordo com a pasta, o objetivo é ajudar em medidas como o controle de passageiros em portos, aeroportos e terminais marítimos, além do controle de acesso às fronteiras. Para isso, foram implantados dez comandos conjuntos -- com integrantes das três Forças -- que devem atuar em pontos específicos das cinco regiões do país.

Realizam ações que vão desde a montagem de postos de triagem de pacientes, apoio a campanhas informativas e campanhas de vacinação, logística e transporte de medicamentos e equipamentos de Saúde. Equipes de Defesa Biológica, Nuclear, Química e Radiológica fazem diariamente a descontaminação de áreas de grande circulação, como rodoviárias e aeroportos. Sem jamais descuidar das nossas fronteiras e dos portos, fazem o patrulhamento e inspeção em apoio à Polícia Federal. Os Laboratórios Químicos Farmacêuticos Militares entraram com força total e, em 12 dias, serão produzidos um milhão de comprimidos de cloroquina, além de álcool gel.

Repito: o efeito colateral das medidas de combate ao coronavírus não pode ser pior do que a própria doença.

A minha obrigação como presidente vai para além dos próximos meses. Preparar o nosso país para a retomada no futuro próximo, reorganizar nossa economia e mobilizar todos os nossos recursos e energia para tornar o Brasil ainda mais forte após a pandemia.

Aproveito a oportunidade para me solidarizar e agradecer o empenho e sacrifício pessoal de todos os profissionais de saúde, da área de segurança, caminhoneiros e todos os trabalhadores de serviços considerados essenciais que estão mantendo o país funcionando, bem como aos homens e mulheres do campo que produzem nossos alimentos.

Com este mesmo espírito agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade civil.

A declaração de que é necessária a união das diferentes esferas do Executivo é CONTRADITÓRIA porque Bolsonaro atacou os governadores em várias oportunidades desde que a pandemia da Covid-19 começou. Em live no dia 19 de março, ele classificou como exageradas as medidas de isolamento social adotadas por alguns estados. No dia seguinte, repetiu a crítica: "Tem certos governadores que estão tomando medidas extremas. Não compete a eles fechar aeroporto, fechar rodovias. Não compete a eles fechar shopping, feiras dos nordestinos no Rio de Janeiro. O comércio para, o pessoal não tem o que comer". Em 21 de março, disse que os estados estavam "extrapolando" e que o governador de SP, João Doria (PSDB), era um "lunático". No dia 24, o presidente defendeu o fim do isolamento social e a “volta da normalidade”, indo contra parte dos governadores. Por fim, em reunião com governadores do Sudeste em 25 de março, Bolsonaro voltou a criticar Doria, dizendo que o tucano “não tem altura para criticar o governo federal, que fez completamente diferente o que outros fizeram no passado. Vossa excelência não é exemplo para ninguém. Não aceito, em hipótese alguma, essas palavras levianas como se vossa excelência fosse o responsável por tudo que acontece de bom no Brasil”.

Todos juntos pelo Brasil.

Deus abençoe a todos!

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