Homem que diz que ‘trabalhar é castigo’ não é petista

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Não é verdade que o homem que aparece em vídeo dizendo que “trabalhar é castigo” e que “gosta de vadiar” seja filiado ao PT. A gravação mostra a fala do poeta Nêgo Bispo que, apesar de ter sido filiado ao partido antes da década de 1990, deixou o movimento político para focar no ativismo quilombola. Em sua fala, tirada de contexto pelos posts enganosos, Bispo questionava o significado da palavra “pobre” – que em sua acepção, se refere a quem dedica a vida apenas a trabalhar.

Os posts enganosos acumulavam ao menos 1.500 curtidas no Instagram e centenas de compartilhamentos no Facebook até a tarde desta quinta-feira (4).

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Selo falso

Petista diz: trabalhar é castigo. Está na Bíblia. Eu sou é vagabundo.

Vídeo de palestra de Nêgo Bispo circula junto de logos do PT e da CUT

São mentirosas as publicações que identificam como petista o homem que afirma em vídeo que “trabalhar é castigo”. As peças de desinformação recortam o trecho de uma fala do poeta e ativista quilombola Antônio Bispo dos Santos (1959-2023), conhecido como Nêgo Bispo, durante um evento na USP. Diferentemente do que sugerem as publicações, ele não era filiado ao partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em maio de 2023, meses antes de morrer, Bispo explicou, em entrevista à Folha de S.Paulo, que foi filiado ao PT e ao PSB, mas que preferiu se desvincular da política e do movimento sindical ainda na década de 1990 para se dedicar a estruturar a comunidade quilombola.

O vídeo mostra um trecho da palestra realizada na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP) em março de 2023 para discutir o livro “Uma Ecologia Decolonial” (Ubu, 2022). O evento foi organizado pela universidade em parceria com a editora Ubu, a embaixada francesa e os Institutos Français e Pólis. Não houve participação do PT ou da CUT (Central Única dos Trabalhadores), cujos logos foram inseridos digitalmente nas imagens compartilhadas pelos posts enganosos.

Na fala completa (veja abaixo), Bispo questiona quem chama os quilombolas de “pobres” e faz um paralelo com um dos professores que estava presente na mesa de discussão, o pesquisador Guilherme Moura Fagundes.

“Só para concluir, meu filho, a nossa situação nos quilombos, o que é que ocorre? Todos os dias, nós recebemos bombardeamento de informações para dizer que nós somos pobres, vai dizer que nós somos pobres.

Essa história de pobre é uma arma colonialista utilizada pela política para nos vender a ilusão. Os sindicatos são corretores de direitos. Os sindicatos vivem vendendo direito para os patrões entregarem. Como os patrões nunca entregam, os que compram nunca recebem. As igrejas vivem vendendo salvação para Deus entregar. Como Deus nunca entrega, os compradores das salvações nunca recebem. E da mesma forma, os partidos políticos vivem vendendo política pública para o Estado entregar. Como o Estado nunca entrega, os compradores nunca recebem. É preciso dar um basta em tudo isso.

É preciso dizer o seguinte: se hoje, hoje, agora eu estou aqui, mas se chegar dez pessoas lá na minha casa, dez comem, bebem e dormem. Porque a nossa casa é grande, a nossa cozinha é grande, a nossa panela é grande. Aqui na cidade, por mais generosos que sejam os nossos amigos — o Guilherme [Fagundes] é super generoso, me hospedou na casa dele, mas na casa dele não cabem dez pessoas para comer, beber e dormir. E ele ganha um salário vinte vezes maior do que o meu, que é um salário mínimo da aposentadoria rural. Mas a minha casa é maior do que a dele, porque a minha casa é feita para recepcionar, não é feita só para eu dormir. Então, esse povo da cidade que fica dizendo que é rico, na casa deles não cabe a mãe. Que riqueza é essa?

Então, para concluir, é dizer que nós precisamos entrar valendo nessa guerra das narrativas. Pobres são vocês que não podem receber os amigos. Pobres são vocês que não podem passar um dia sem trabalhar. Pobres são vocês que são escravos do sistema colonialista. Porque trabalhar é castigo, está lá na Bíblia. Eu sou é vagabundo, eu gosto é de vadiar. Muito obrigado.”

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O Estadão Verifica também desmentiu a peça de desinformação.

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