Marcos Côrrea/PR

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Janeiro de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

No Roda Viva, Moro distorce fatos ao comentar relação de Bolsonaro com imprensa e Polícia Federal

Por Bruno Fávero e Ana Rita Cunha

21 de janeiro de 2020, 17h57

O ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), em entrevista ao Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira (20), distorceu fatos ao defender que o presidente Jair Bolsonaro não cerceia a liberdade de imprensa e que a Polícia Federal tem total liberdade de atuação.

Diferentemente do que disse Moro, Bolsonaro já barrou repórteres em entrevistas coletivas, ameaçou não renovar concessão de emissora de TV por não gostar de uma reportagem e anunciou medidas com o explícito intuito de afetar a receita de jornais. Levantamento do Aos Fatos também mostrou que entre janeiro e outubro de 2019, ele criticou jornalistas e veículos mais de 160 vezes.

O ministro também exagera ao afirmar que a Polícia Federal trabalha com “absoluta liberdade” porque Bolsonaro já tentou interferir nas nomeações de um diretor e de um superintendente da corporação e questionou a atuação dos policiais numa investigação sobre supostos crimes eleitorais do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.

Em resumo, o que checamos:

1. É FALSO que Bolsonaro não tenha tentado cercear a imprensa, como diz Moro. O presidente barrou parte dos jornalistas de sua primeira entrevista coletiva após eleito, editou uma medida provisória com o objetivo declarado de prejudicar jornais financeiramente, ameaçou não renovar a concessão da TV Globo após veiculação de uma reportagem que o desagradou, excluiu a Folha de S. Paulo de uma licitação federal e, durante entrevista coletiva, mandou uma repórter do jornal "calar a boca". Segundo levantamento do Aos Fatos, ele também fez mais de 160 críticas a jornalistas e veículos de janeiro a outubro de 2019.

2. A afirmação do ministro de que houve uma redução "sem precedentes históricos" nos índices de criminalidade no primeiro ano do governo Bolsonaro é INSUSTENTÁVEL porque a fonte oficial sobre o assunto, o Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), só traz dados a partir de 2015. Séries históricas organizadas por instituições independentes, como o Atlas da Violência, ainda não têm dados de 2019.

3. É EXAGERADO dizer que a Polícia Federal trabalha "com absoluta liberdade". Apesar de ser impossível medir com quanta liberdade os policiais atuam, houve duas tentativas públicas do presidente de interferir em nomeações no comando da instituição. E, em ao menos uma ocasião, Bolsonaro criticou a conduta de agentes que trabalham no inquérito sobre o PSL em que o nome do presidente é citado.

4. Moro também exagera ao afirmar que não havia nada de novo no depoimento do ex-ministro Antonio Palocci, publicizado pelo então juiz dias antes das eleições de 2018. Aquela foi a primeira vez que Palocci afirmou, por exemplo, que 90% das medidas provisórias dos governos Lula e Dilma Rousseff envolveram emendas compradas e que as campanhas eleitorais da ex-presidente custaram mais do que o declarado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A seguir, leia as checagens em detalhes.


FALSO

Não se vê qualquer iniciativa do presidente de cercear a liberdade de imprensa.

Diferentemente do que Moro afirma, o presidente Jair Bolsonaro já agiu em diversas ocasiões para dificultar o trabalho da imprensa.

Antes mesmo de assumir, em 1º de novembro de 2018, sua equipe barrou jornalistas de veículos como Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Valor Econômico e CBN de participar da primeira coletiva de Bolsonaro como presidente eleito.

Em agosto, o presidente assinou uma medida provisória que desobrigava empresas de publicarem seus balanços na imprensa, o que, segundo o próprio Bolsonaro, representaria uma receita de R$ 900 mil anuais para os veículos. Dias depois, ele afirmou que a iniciativa era uma retribuição à cobertura negativa sobre seu governo. A MP perdeu efeito porque não foi votada pelo Congresso no prazo constitucional de 120 dias.

Em outubro, depois que uma reportagem do Jornal Nacional revelou que seu nome havia sido citado na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), o presidente ameaçou não renovar a concessão da TV Globo, que veicula o telejornal.

Em novembro, Bolsonaro excluiu a Folha de S.Paulo de uma licitação que definiria as assinaturas de jornais e revistas do governo federal e sugeriu boicote aos anunciantes do jornal. Depois da repercussão negativa, ele recuou e revogou o processo de compra.

Em seus discursos e entrevistas, o presidente também ataca veículos jornalísticos e repórteres recorrentemente. No exemplo mais recente, recusou-se a responder perguntas de uma repórter da Folha de S.Paulo e mandou-a "calar a boca" depois que o jornal revelou que o chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), Fabio Wajngarten, era sócio de uma empresa que tem como clientes emissoras de TV que recebem verba publicitária do governo.

Um levantamento do Aos Fatos mostrou que, de janeiro a outubro, ele criticou o trabalho da imprensa 162 vezes e teve como alvos mais frequentes o jornal Folha de S.Paulo e o Grupo Globo. Já relatório anual da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) mostrou ainda que o número de ataques à liberdade de imprensa subiu 54% no primeiro ano do governo Bolsonaro em relação a 2018 e que 58% do total desses ataques foram desferidos pelo próprio presidente.


INSUSTENTÁVEL

[Houve, no primeiro ano do governo Bolsonaro,] uma queda sem precedentes históricos nos números dos principais crimes como assassinatos, latrocínios, roubos. Todos esses indicadores criminais caíram.

A declaração de Sergio Moro é INSUSTENTÁVEL porque não existe série histórica longa o suficiente para afirmar que não há precedente histórico do nível de redução dos indicadores de criminalidade. Além disso, não há dados nacionais de criminalidade consolidados do primeiro ano do governo Bolsonaro.

O Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), base de dados do Ministério da Justiça alimentada por órgãos estaduais de segurança pública, apresenta os números de violência apenas de 2015 até setembro de 2019.

O Aos Fatos não encontrou nenhuma base com informações nacionais de roubo com dados de mais de quatro anos. Já os registros de homicídios e latrocínio têm bases mais antigas, mas sem dados de 2019 e com metodologias diferentes da do Sinesp, o que impede a comparação entre elas.

O Atlas da Violência, organizado pelo Ipea, tem uma série histórica de mortes violentas de 1979 a 2017, usando dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde. Nesse período, as maiores quedas no número de homicídios ocorreram entre 1991 e 1992 (7%) e entre 2003 e 2004 (5%). O Anuário do Fórum de Segurança Pública tem uma série de mortes violentas de 2011 a 2018, usando dados de secretarias de Segurança Pública estaduais. A maior queda registrada nessa série se deu entre 2017 e 2018 (10,5%).

Dados de 2019. Levando em conta os números dos nove primeiros meses do ano passado, é verdade que houve queda nos indicadores criminais de assassinato, latrocínio e roubo na comparação com 2018. Os dados mostram, ainda, que a tendência de queda começou naquele ano e se intensificou em 2019.

De janeiro a setembro de 2019, o número de assassinatos (homicídio doloso, lesão seguida de morte e latrocínio) caiu 21% em comparação com mesmo período de 2018. Nos nove primeiros meses de 2018, a queda foi de 12% ante igual período de 2017.

Considerando apenas os dados de latrocínio, a queda foi de 22% nos nove meses de 2019 em comparação ao mesmo período do ano anterior. Em 2018, o número de latrocínios até setembro foi 21% menor ao registrado em igual período de 2017.

Os dados de roubo tiveram queda de 20% nos noves primeiros meses de 2019 em comparação com 2018. Entre esse período de 2018 e de 2017, a queda foi de 10%.


EXAGERADO

A Polícia Federal tem trabalhado com absoluta liberdade.

Aos Fatos classificou a declaração como EXAGERADA, porque, embora não seja possível avaliar objetivamente com quanta liberdade a Polícia Federal atua, o presidente Jair Bolsonaro já tentou interferir na nomeação de um superintendente da PF no Rio de Janeiro, defendeu trocar o diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, e criticou a atuação dos policiais na investigação sobre o uso de candidatos laranja em campanhas do PSL em 2018.

O episódio do Rio de Janeiro aconteceu em agosto, quando o presidente anunciou a substituição do então superintendente da PF no estado, Ricardo Saadi, por questões de "produtividade". Segundo os jornais O Globo e Folha apuraram à época, a troca de Saadi já estava prevista, mas foi antecipada a pedido de Bolsonaro, o que gerou desconforto no comando da instituição.

No mesmo dia do anúncio de Bolsonaro, a direção da PF confirmou a troca por meio de nota, mas disse que havia sido o próprio Saadi que pedira transferência para Brasília. A instituição também afirmou que ele seria substituído por Carlos Henrique Oliveira Sousa, então superintendente em Pernambuco. No dia seguinte, Bolsonaro contestou a informação e disse que quem assumiria o cargo seria, na verdade, o chefe da PF do Amazonas, Alexandre Silva Saraiva.

A declaração gerou reação dos policiais e acusações de que Bolsonaro estaria tentando interferir no comando da polícia. O presidente da ADPF (Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva disse que a postura do presidente poderia "desacreditar" a PF.

Horas depois da primeira coletiva, o presidente recuou e disse que "tanto faz" qual dos dois candidatos assumiria o cargo. A nomeação de Sousa, preferido pela PF, prevaleceu, mas, por conta do atrito, só foi oficializada em novembro.

Em setembro, Bolsonaro voltou a comentar o episódio em entrevista à Folha de S.Paulo, e defendeu a substituição do diretor da PF, Maurício Valeixo, para dar uma "arejada" no comando da corporação.

Bolsonaro também já fez críticas públicas à atuação da PF no inquérito que apura se o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, usou candidatos laranja nas eleições de 2018 para desviar verba do fundo eleitoral. Em uma transmissão ao vivo pelo Facebook em outubro, Bolsonaro afirmou que a investigação era conduzida com má-fé e tinha o objetivo de atingi-lo.


EXAGERADO

O próprio Palocci já havia prestado depoimento em audiência pública perante a 13ª Vara (...), o que ele falou nessas audiências públicas é o que basicamente está naquele depoimento por escrito. Não há nenhuma novidade ali.

A declaração de Moro veio após ele ter sido perguntado sobre os motivos que o fizeram levantar o sigilo de um depoimento do ex-ministro Antonio Palocci com acusações a lideranças do PT dias antes do primeiro turno das eleições de 2018. O ministro argumentou que o conteúdo não era inédito, já que Palocci havia feito denúncias similares antes. Embora a maior parte do que o ex-petista falou de fato já houvesse sido divulgada, existiam, sim, trechos novos nos documentos tornados públicos pelo então juiz da Lava Jato. Por isso, a declaração foi considerada EXAGERADA.

O depoimento publicizado por Moro havia sido concedido à Polícia Federal em abril de 2018, quando Palocci tentava fechar um acordo de delação premiada. Aos policiais, ele acusou de corrupção nomes importantes do PT, como os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, e do MDB, como o ex-presidente Michel Temer e o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (RN).

Moro teve acesso à transcrição da conversa em junho e decidiu torná-la pública três meses depois, em 1º de outubro, a seis dias das eleições presidenciais. Na época, ele foi criticado por supostamente tentar usar o cargo de juiz para influenciar o processo eleitoral.

É verdade que as principais as acusações feitas por Palocci já haviam sido noticiadas no ano anterior, quando o ex-ministro tentara, sem sucesso, um acordo similar com a PGR (Procuradoria-Geral da República). Ele já havia dito, entre outras acusações, que Lula e Dilma sabiam da corrupção na Petrobras revelada pela Lava Jato e que o ex-presidente tinha um "pacto de sangue" com a empreiteira Odebrecht.

Mas também havia alegações inéditas no documento revelado por Moro, como registrou o jornal Folha de S.Paulo. Foi a primeira vez, por exemplo, que Palocci afirmou que 90% das medidas provisórias editadas por Lula e Dilma envolveram pagamento de propinas. Ele também não havia dito antes que as campanhas presidenciais de Dilma Rousseff em 2010 e 2014 haviam custado R$ 600 milhões e R$ 800 milhões respectivamente, mais de três vezes o que fora registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Aos Fatos também não encontrou registros de que Palocci tenha mencionado em depoimentos anteriores ao revelado por Moro que 3% da verba dos contratos de publicidade da Petrobras eram desviados para o PT.

Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com a assessoria do ministro para que ele pudesse se posicionar em relação às checagens, mas não recebeu resposta até a publicação das checagens, na noite de terça-feira (21).

Referências:

1.TV Cultura (Youtube)
2. Aos Fatos
3. Folha de S. Paulo 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9
4. Congresso Nacional
5. Estado de S. Paulo
6. TV Globo
7. UOL 1 e 2
8. Governo federal
9. Fenaj
10. Sinesp
11. Ipea
12. Fórum Brasileiro de Segurança Pública
13. O Globo 1, 2 e 3
14. Polícia Federal
15. Valor Econômico
16. Poder 360
17. YouTube (Jair Bolsonaro)
18. BBC Brasil
19. Buzzfeed Brasil


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.