Ricardo Stuckert/PR

Lula retoma mito centenário desmentido pela Nasa para exagerar tamanho da transposição do São Francisco

Por Luiz Fernando Menezes

5 de abril de 2024, 17h35

Diferentemente do que sugeriu Lula (PT) em discurso na última quinta-feira (4), não é possível avistar as obras da transposição do rio São Francisco a partir da Lua. A alegação exagerada do presidente é uma versão atualizada de uma mentira contada ao menos desde 1904: a de que seria possível avistar a Muralha da China dessa distância. Imagens feitas durante missões espaciais mostram que nenhuma estrutura construída na Terra pode ser avistada do satélite — que está a mais de 380 mil km de distância.

O presidente também engana ao alegar que a transposição tem extensão total de mais de 640 km. Ainda que essa fosse a dimensão prevista inicialmente, Lula omite que o projeto foi modificado ao longo dos anos e que a extensão final da obra principal foi de 477 km.

Confira abaixo o que checamos.

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Selo falso

'Sobrevoe de helicóptero a transposição porque é a segunda grande coisa que você vê da lua. Você vê o muro da China e você vê o canal do São Francisco, que é uma obra de mais de 640 quilômetros' — Lula, em discurso no dia 4.abr.2024.

A fala de Lula retoma um boato que circula nas redes há décadas e que foi desmentido pela Nasa há pelo menos 20 anos. Diferentemente do que sugere o presidente, não é possível enxergar a Muralha da China — tampouco qualquer construção humana — da Lua.

O primeiro registro do mito sobre a obra chinesa é do início do século 20:

  • De acordo com o site americano Snopes, o primeiro a registrar o boato foi o livro “The Peoples and Politics of the Far East”, publicado por Henry Norman em 1904 — décadas antes, portanto, de o homem pisar na Lua;
  • Já o primeiro desmentido de que se tem registro aparece no livro “More Misinformation”, de Tom Burnam, lançado em 1980. Nele, o astronauta da Nasa Alan Bean nega que seja possível ver a muralha da Lua: “A única coisa que você pode ver da Lua é uma bela esfera, principalmente branca (nuvens), um pouco azul (oceano), manchas amarelas (desertos) e, de vez em quando, alguma vegetação verde. Nenhum objeto feito pelo homem é visível nesta escala”;
  • O boato parece ter se popularizado, no entanto, a partir da década de 1990. Foi nessa época que a Nasa publicou imagens da Muralha registradas por meio de um satélite que estava a uma altitude orbital de 225 km. As fotos fazem parte do projeto Visible Earth, com registros espaciais de diferentes partes do planeta;


Duas imagens registradas por satélite mostram riscos que foram identificados como a construção chinesa
Imagens de satélite. Linhas verticais laranjas representam a Grande Muralha da China (Nasa)

  • Desde então, é possível encontrar a alegação enganosa de que a Muralha da China seria a única estrutura construída por humanos que poderia ser vista do espaço, e não só da Lua. Essa afirmação é desmentida pelo próprio Visible Earth, que traz fotos das pirâmides egípcias e até de prédios de Nova York;
  • Em 2003, Yang Liwei, primeiro astronauta chinês, falou sobre o mito quando retornou à Terra: “o cenário era bonito, mas eu não consegui ver a Grande Muralha”;
  • Em 2009, a própria Nasa publicou um desmentido em seu site: “a muralha não é visível da Lua e é difícil ou impossível vê-la da órbita da Terra sem lentes de alta potência”.

Como a Lua fica a cerca de 384 mil quilômetros de distância da Terra, não é possível enxergar a olho nu nenhuma estrutura existente no planeta. Isso pode ser comprovado a partir de fotos e vídeos registrados ao longo dos anos:

Foto mostra planeta Terra visto da superfície da Lua
Lua. Além da baixa definição causada pela grande distância, nuvens atrapalham a visão da Terra (Nasa)

Transposição

Se o desmentido vale para a Muralha da China — que tem 21 mil km de extensão — vale também para a transposição do São Francisco, obra que tem 477 km. Esse é outro erro da fala de Lula: a extensão citada pelo presidente, de mais de 640 km, é próxima do tamanho previsto no projeto original, de 699 km, que foi reduzido em 2013.

A transposição foi concluída em fevereiro de 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro. Na época, a gestão anunciou ainda que iria retomar o projeto original, com a extensão de 699 km (incluindo, portanto, os ramais do Agreste, do Salgado e do Apodi), e construir mais 3.000 km de canais e adutoras auxiliares.

Mapa mostra canais da transposição
PISF. Mapa mostra que obra principal (em verde) possui 477 km de extensão (ANA)

Essas obras, no entanto, não foram todas finalizadas. De acordo com a última atualização do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, de fevereiro deste ano:

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Outro lado. Procurada pelo Aos Fatos na tarde desta sexta-feira (5), a assessoria de Lula não comentou a checagem.

Referências:

1. Snopes
2. Straight Dope
3. Nasa (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7)
4. Science Direct
5. The Guardian
6. Britannica
7. Governo federal (1, 2, 3, 4, 5, 6)
8. YouTube (Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional)

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