Não é verdade que o governo Lula (PT) assinou em setembro um acordo de cooperação técnica com o Hamas, como alegam publicações nas redes. Celebrado em 2010 e promulgado neste ano, o tratado citado pelas peças de desinformação foi firmado entre o governo brasileiro e a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) — grupo multipartidário do qual o Hamas não é membro —, em nome da ANP (Autoridade Nacional Palestina), governo provisório palestino que não tem relação com o grupo extremista.
Publicações com o conteúdo enganoso acumulavam 14 mil compartilhamentos no Facebook e 10 mil views no TikTok até a tarde desta terça-feira (17).
Governo Lula assinou acordo de cooperação técnica com o Hamas
Em vídeo que circula nas redes, um homem não identificado engana ao afirmar que o governo Lula assinou em setembro um acordo de cooperação técnica com o Hamas — grupo extremista palestino atualmente em conflito com Israel. O tratado citado foi celebrado, na verdade, entre o governo Lula e a OLP, uma organização multipartidária que não engloba o Hamas.
- Assinado em março de 2010 em Ramallah, sede do governo palestino, o acordo foi fechado entre o Brasil e a OLP, entidade multipartidária que busca uma coexistência pacífica entre israelenses e palestinos;
- O texto prevê, entre outras medidas, ações que facilitem a circulação de pessoas e equipamentos para a execução de projetos que tragam benefícios às duas regiões e até medidas que facilitem a repatriação em situações de crise;
- O tratado foi celebrado em nome da ANP, criada na década de 1990 como governo autônomo provisório da Palestina. O grupo é atualmente controlado pelo Fatah, partido laico que integra a OLP e que reconhece o Estado de Israel. A ANP é responsável pelo controle da região da Cisjordânia;
- Já o Hamas, considerado um grupo terrorista pela União Europeia e pelos Estados Unidos, nega a existência do Estado de Israel e foi responsável pelos ataques ocorridos no fim de semana do último dia 7. O grupo extremista controla a região da Faixa de Gaza.
Apesar de ter sido assinado em 2010, o acordo de cooperação técnica entre Brasil e Palestina só entrou em vigor em setembro deste ano, quando foi promulgado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) — que ocupava interinamente a Presidência enquanto Lula participava da Cúpula do G20, na Índia. Antes disso, em 2012, o documento foi aprovado pelo Congresso. Segundo a Constituição, tratados, acordos ou atos internacionais precisam ser referendados pelo Legislativo.
Outras peças de desinformação que citam o documento afirmam ainda que o texto prevê que o governo brasileiro seria obrigado a abrigar refugiados palestinos. Não há no documento, no entanto, qualquer menção a asilo político.
Legislativo. O autor da peça de desinformação reproduz um trecho do discurso do deputado federal Giovani Cherini (PL-RS) na Câmara durante sessão realizada em 10 de outubro, que aprovou moções de repúdio ao conflito entre Hamas e Israel. Na ocasião, o parlamentar citou o acordo para alegar de maneira enganosa que o Brasil “está em cooperação técnica” com o Hamas, o que não é verdade.
Como suposta prova para a alegação de Cherini de que o governo brasileiro reconheceria o Hamas como partido político, o autor da peça de desinformação compartilha prints de matérias publicadas na imprensa que fazem menção à participação do grupo no CLP (Conselho Legislativo Palestino).
De fato, o Hamas chegou a ter maioria absoluta no CLP após as eleições de 2006. Apesar de os mandatos terem validade de apenas quatro anos, os eleitos continuaram no poder até 2018, quando a Suprema Corte da Palestina dissolveu o CLP de 2006 e convocou novas eleições, que ainda não ocorreram.
É importante destacar, no entanto, que o CLP não desempenhava papel nas negociações com Israel, já que a condução das relações exteriores da Palestina é de competência da ANP. As funções do Legislativo se limitavam a questões como a fiscalização das finanças públicas.
Outro lado. Contatado por Aos Fatos, o deputado Giovani Cherini reafirmou que o Hamas faz parte da OLP e enviou como supostas provas prints de notícias antigas (veja aqui e aqui) sobre tentativas fracassadas de reconciliação entre o Fatah e o Hamas entre 2011 e 2017.
Cherini também replicou a peça de desinformação já desmentida por Aos Fatos de que o governo brasileiro repassou US$ 25 milhões para o Hamas. Aprovado pelo Congresso em 2010, o valor citado pelo parlamentar foi destinado à ANP, não ao grupo extremista.