Em pronunciamento, Bolsonaro infla seus atos e falseia ações do próprio governo

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O presidente da República, Jair Bolsonaro, fez mais um pronunciamento em cadeia de rádio e TV nesta quarta-feira (8) para falar da pandemia do novo coronavírus. Aos Fatos checou suas declarações. Veja, abaixo, a íntegra do discurso e o que nossa equipe de checadores analisou.

Reveja também o que checamos nos pronunciamentos anteriores aqui, aqui e aqui.

De acordo com nossos esforços para alcançar mais pessoas com informação verificada, Aos Fatos libera esta reportagem para livre republicação com atribuição de crédito e link para este site.

Jair Bolsonaro

Boa noite!

Vivemos um momento ímpar em nossa história. Ser Presidente da República é olhar o todo, e não apenas as partes.

Não restam dúvidas de que o nosso objetivo principal sempre foi salvar vidas.

A declaração é CONTRADITÓRIA, porque, apesar de agora dizer que sempre teve como objetivo salvar vidas, Bolsonaro minimizou no passado as mortes decorrentes da Covid-19. Em 16 de março, por exemplo, ele afirmou que a pandemia “não é isso tudo que dizem”. Já no dia 27, em entrevista à Band, disse: “alguns vão morrer? Vão, ué, lamento. Essa é a vida”. Dois dias depois, repetiu a ideia ao dizer que "todos nós vamos morrer um dia". Bolsonaro também tem se manifestado recorrentemente contra o isolamento social recomendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pelo Ministério Saúde, além de descumprir ele mesmo a medidas tendo contato regular com o público. No dia 15 de março, por exemplo, quando ainda não tinha recebido o resultado do teste que certificaria de que não estava contaminado com o novo coronavírus, cumprimentou apoiadores à porta do Palácio do Planalto. No fim de março, o presidente voltou a circular por Brasília cidades-satélites e a ter contato com o público. As orientações para evitar circulação e contato durante a pandemia são consideradas importantes pelas autoridades de saúde porque minimizam a transmissão do novo coronavírus entre a população.

Gostaria, antes de mais nada, de me solidarizar com as famílias que perderam seus entes queridos nesta guerra que estamos enfrentando.

Tenho a responsabilidade de decidir sobre as questões do país de forma ampla, usando a equipe de ministros que escolhi para conduzir os destinos da nação. Todos devem estar sintonizados comigo.

Sempre afirmei que tínhamos dois problemas a resolver: o vírus e o desemprego, que deveriam ser tratados simultaneamente.

Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade exclusiva dos mesmos.

A fala do presidente contradiz outras declarações suas recentes — uma, inclusive, proferida nesta quarta-feira (8). Em entrevista ao Brasil Urgente, da Band, Bolsonaro sugeriu que teria pronto um decreto para rever decisões de governadores que fecharam o comércio em razão da pandemia de Covid-19: “tá aqui para ser assinado [o decreto], mas eu tô estudando se assino ou não assino”. Em 2 de abril, ele fez uma ameaça semelhante. À Jovem Pan, afirmou que poderia reabrir o comércio “em uma canetada”. Nas últimas semanas, Bolsonaro tem, repetidas vezes, criticado governadores por causa de suas decisões em relação ao isolamento social. "Tem certos governadores que estão tomando medidas extremas. Não compete a eles fechar aeroporto, fechar rodovias. Não compete a eles fechar shopping, feiras dos nordestinos no Rio de Janeiro", afirmou o presidente em 19 de março. Já em 21 de março, o presidente chamou o governador de SP, João Doria (PSDB), de "lunático". Para além das declarações, Aos Fatos não identificou, até o momento, medidas efetivas do Executivo federal contra a autonomia de estados e municípios.

O governo federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração.

Ao contrário do que afirma Bolsonaro, o governo federal foi questionado ao menos duas vezes pela Frente Nacional dos Prefeitos a respeito de qual era a recomendação oficial para lidar com a pandemia do novo coronavírus. A entidade, que reúne prefeitos de todo o país, perguntou em ofício enviado em 27 de março se o governo orientava "os entes subnacionais a suspender imediatamente as restrições de convívio social". "Caso positivo, por meio de qual instrumento oficial?", continuou. O questionamento voltou a ser feito três dias depois, também por meio de ofício. Além disso, governadores, como Wilson Witzel (PSC-RJ), também já disseram publicamente ter implantado medidas de distanciamento social seguindo orientação do Ministério da Saúde. "Para tomar as medidas severas que tomamos para conter o coronavírus, seguimos orientação da OMS, de Mandetta e do nosso secretário de Saúde, Edmar Santos", escreveu Witzel no Twitter em 26 de março.

Espero que brevemente saiamos juntos e mais fortes para que possamos melhor desenvolver o nosso país.

Como afirmou o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, cada país tem suas particularidades, ou seja, a solução não é a mesma para todos.

Em entrevista coletiva no dia 30 de março, o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Ghebreyesus, de fato disse que "cada país é diferente do outro" e destacou que, para "alguns têm uma forte rede de proteção social e outros, não". Segundo Ghebreyesus, deve haver políticas sociais que garantam dignidade às pessoas mais pobres dignidade e permitam que elas cumpram as medidas de saúde pública contra a Covid-19. Vale ressaltar que a OMS possui um documento que indica diferentes ações para quatro classificações de países: os sem casos; os que têm casos esporádicos; países com grupos de casos; e os que têm com transmissão comunitária). Ao Brasil, que se enquadra no quarto tipo, é indicado um esforço maior na realização de testes, principalmente em pessoas dos grupos de risco, a redução da disseminação por meio da quarentena de pessoas que tiveram contato com casos suspeitos e o isolamento de casos confirmados.

Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar o seu pão de cada dia.

As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a própria doença. O desemprego também leva à pobreza, à fome, à miséria, enfim, à própria morte. Com esse espírito, instruí meus ministros.

Após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado de outros países, passei a divulgar, nos últimos 40 dias, a possibilidade de tratamento da doença desde sua fase inicial.

A primeira menção pública do presidente ao uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19 foi em 19 de março — há 20 dias, portanto. Em transmissão ao vivo no Facebook, Bolsonaro afirmou que “Os Estados Unidos liberou remédio com potencial para tratar do coronavírus". Na época, o presidente americano, Donald Trump, havia requisitado à FDA (Food and Drug Administration, agência sanitária americana) que estudasse o potencial da cloroquina e da hidroxicloroquina, usadas no tratamento de doenças como a malária e o lúpus, em pacientes com Covid-19. O nome do medicamento foi citado expressamente por Bolsonaro pela primeira vez no dia seguinte, 20 de março. Durante entrevista na porta do Palácio do Planalto, ele afirmou: “Conversei hoje com o almirante Barra [Torres], médico, presidente da Anvisa, sobre hidroxicloroquina. (...) Num primeiro momento, em laboratório, deu certo essa questão". Aos Fatos não identificou declarações de Jair Bolsonaro a respeito das drogas em 29 de fevereiro, há 40 dias do pronunciamento desta quarta-feira. Naquele mês, a Folha de S.Paulo noticiou que o presidente havia decidido delegar a maior parte da comunicação a respeito da doença a auxiliares, como o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. E, por mais que um estudo chinês já tivesse demonstrado que a hidroxicloroquina poderia ser eficiente no tratamento da Covid-19 por meio de um experimento in vitro, o teste clínico que levou a comunidade médica a considerar o medicamento como alternativa terapêutica só foi finalizado no dia 16 de março.

Há pouco, conversei com o dr. Roberto Kalil. Cumprimentei-o pela honestidade e compromisso com o Juramento de Hipócrates, ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina, bem como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão salvos.

A declaração foi considerada insustentável, pois, por mais que o médico cardiologista Roberto Kalil Filho, do Hospital Sírio-Libanês, tenha se tratado com hidroxicloroquina e administrado a droga a outros pacientes internados com Covid-19, não há dados que mostrem que todos foram curados, ou ainda que tenham tido melhora clínica causada pelo uso do medicamento. Em entrevista à Folha de S.Paulo, um dos médicos que atendeu o cardiologista, Carlos Carvalho, afirmou que não é possível determinar se a hidroxicloroquina foi a responsável pela cura de Kalil. "Não há como dizer que foi a cloroquina que ajudou o Kalil. Ele tomou outros remédios além dela. (...) Eu mesmo tive coronavírus, tomei Novalgina e outros remédios e estou curado. Vou dizer que a Novalgina cura coronavírus?”. O próprio Kalil, ao se pronunciar sobre o assunto, reforçou que não tomou só a hidroxicloroquina, mas também vários outros medicamentos, e que não é possível saber se a droga teve alguma participação efetiva em sua recuperação. Questionada a respeito da taxa de melhora clínica de pacientes com Covid-19 submetidos ao tratamento com o medicamento, a assessoria do Sírio-Libanês afirmou que "O Hospital Sírio-Libanês não divulga informações sobre os seus pacientes e seus respectivos tratamentos. Para dados sobre o uso de hidroxicloroquina, aguardamos os resultados dos estudos que estão em andamento".

Disse-me mais. Que, mesmo não tendo finalizado o protocolo de testes, ministrou o medicamento agora para não se arrepender no futuro. Essa decisão poderá entrar para a história como tendo salvo milhares de vidas no Brasil. Nossos parabéns ao dr. Kalil.

Temos mais boas notícias. Fruto de minha conversa direta com o primeiro-ministro da Índia, receberemos, até sábado, matéria-prima para continuarmos produzindo a hidroxicloroquina, de modo a podermos tratar pacientes da Covid-19, bem como malária, lúpus e artrite. Agradeço ao primeiro-ministro Narendra Modi e ao povo indiano por esta ajuda tão oportuna ao povo brasileiro.

A partir de amanhã começaremos a pagar os R$ 600 de auxílio emergencial para apoiar trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores durante três meses.

Concedemos, também, a isenção do pagamento da conta de energia elétrica aos beneficiários da tarifa social por três meses, atendendo a mais de 9 milhões de famílias que tenham suas contas de até R$ 150.

O governo editou, quase duas horas depois do pronunciamento, a Medida Provisória 950, que isenta beneficiários da tarifa social de energia (desconto na conta de luz para famílias de baixa renda) de pagar as contas de 1º de abril a 30 de junho. De acordo com a MP, para as famílias de baixa renda “a parcela do consumo de energia elétrica inferior ou igual a 220 kWh/mês, o desconto será de 100%” e “para a parcela do consumo de energia elétrica superior a 220 kWh/mês, não haverá desconto”. A declaração foi inicialmente classificada como falsa porque ainda não havia nenhuma medida implementada no momento da fala do presidente. Atualmente, o desconto para beneficiários da tarifa social varia em função do consumo, indo de 65% de desconto para consumo de até 30kWh por mês a 10% de desconto para consumo até 220kWh por mês.

Disponibilizamos R$ 60 bilhões via Caixa Econômica Federal para capital de giro destinados a micro, pequenas e médias empresas e à construção civil.

É verdade que a Caixa Econômica Federal anunciou uma linha de crédito emergencial para micro e pequenas empresas no valor de R$ 60 bilhões para capital de giro. A medida provisória que autoriza o programa foi editada por Bolsonaro no dia 3 de abril. Para solicitar o empréstimo, a empresa interessada deve ter um faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. O dinheiro pode ser usado apenas para cobrir a folha de pagamento no valor de até dois salários mínimos (R$ 2.090) por funcionário. Em contrapartida, a empresa não pode demitir pelos próximos dois meses funcionários com salários financiados. O empréstimo poderá ser pago em 36 meses com taxa de juros de 3,75% ao ano.

Os beneficiários do Bolsa Família, que são quase 60 milhões de pessoas, também receberão um abono complementar do auxílio emergencial.

Autorizamos, ainda, para junho, um saque de até R$ 1.045 aos que têm conta vinculada ao FGTS.

O governo federal publicou na noite da última terça-feira (7) a Medida Provisória 946, que autoriza o saque extraordinário de até R$ 1.045 de contas ativas e inativas do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) entre 15 de junho e 31 de dezembro.

Repatriamos mais de 11.000 brasileiros que estavam no exterior, num esforço capitaneado pelo Itamaraty, Ministério da Defesa e Embratur.

De acordo com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o governo brasileiro já repatriou 11.700 brasileiros que procuraram embaixadas para conseguir voltar ao país em meio às medidas de restrição adotadas em razão da pandemia de Covid-19. Segundo Araújo, as viagens ocorreram por meio de voos comerciais ou fretados pelo Itamaraty. Outros 6.000 brasileiros ainda aguardam o retorno ao país. Vale destacar, no entanto, que, para enaltecer a iniciativa do governo, o presidente Jair Bolsonaro publicou em suas redes no último sábado (4) um vídeo de brasileiros supostamente repatriados que, na verdade, voltaram ao país por meio de companhias aéreas privadas pagando a passagem do próprio bolso. De acordo com um dos passageiros, a ação do Itamaraty se resumiu à reserva de um outro voo, após contato com a companhia aérea.

Tenho certeza de que a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar.

Esta sempre foi minha orientação a todos os ministros, observadas as normas do Ministério da Saúde.

Quando deixar a Presidência, pretendo passar ao meu sucessor um Brasil muito melhor do que aquele que encontrei em janeiro do ano passado.

Sigamos João 8:32, “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará!” Desejo a todos uma Sexta-Feira Santa de reflexão e um feliz domingo de Páscoa!

Deus abençoe o nosso Brasil!

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