🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Setembro de 2015. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Dilma faz balanço otimista de clima e crise

Por Tai Nalon e Sérgio Spagnuolo

28 de setembro de 2015, 20h40

O anúncio de novas metas brasileiras de redução de gases do efeito estufa foi o carro-chefe da passagem da presidente Dilma Rousseff pela ONU neste ano, mas suas declarações sobre a economia do país também fizeram barulho. Nesta segunda-feira (28), em seu tradicional discurso de abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, disse que o modelo de crescimento econômico brasileiro se esgotou. "Diante dessa situação, estamos reequilibrando o nosso orçamento e assumimos uma forte redução de nossas despesas, do gasto de custeio e até parte do investimento", afirmou.

Além de repercussões sobre o tema, Dilma enumerou outros feitos na área ambiental e iniciativas no combate à pobreza. Aos Fatos checou todas essas afirmações em parceria com o Volt Data Lab.


IMPRECISO

O Brasil está fazendo grande esforço para reduzir as emissões de gases de efeito estufa sem comprometer seu desenvolvimento, nosso desenvolvimento. Continuamos diversificando as fontes renováveis em nossa matriz energética, que está entre as mais limpas do mundo.

É difícil dizer que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, quando petróleo e carvão mineral ainda correspondem a 45% da energia gerada no país. Talvez seja mais preciso dizer que a geração de energia de outros países é mais suja.

No entanto, o Brasil é um dos países com matriz energética mais orientada para energias renováveis no mundo, com cerca de 40% de sua energia vindo de fontes renováveis em 2014, ante 13% em média em outros países, puxado em boa parte pelo crescimento da matriz eólica no Brasil, segundo dados de 2012 comparados pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

Vale, porém, notar duas coisas: 1. uma leve redução dessa matriz de 2013 para 2014 (gráfico acima); e 2. que, segundo a própria EPE, gás natural, petróleo e derivados responderam por nada menos do que 80% do crescimento da oferta interna de energia, que foi de 3,1% em 2014.

"Isto se deveu basicamente à redução na oferta interna de hidroeletricidade com consequente aumento de geração térmica, seja gás natural, carvão mineral ou óleo", disse relatório da EPE.

Fonte: Empresa de Pesquisa Energética

VERDADEIRO

Reduzimos em 82% o desmatamento na grande floresta amazônica.

Dilma foi de fato precisa em sua afirmação sobre desmatamento na Amazônia, mas existem outros detalhes que devem ser considerados — sobretudo porque existem outros indicadores ambientais oficiais que apresentam números um pouco diferentes. Segundo dados do projeto Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), de 2004 a 2014 o desmatamento na região despencou em 82%, de 27.772 km² para 5.012 km². O projeto monitora o desmatamento por satélite na Amazônia Legal e seus dados são utilizados pelo governo para políticas públicas.

Entretanto, Aos Fatos mostrou em agosto que, de janeiro a maio deste ano, foram desmatados, segundo dados do Deter (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real), 679 km2 de floresta amazônica. No mesmo período de 2014, os números oficiais apontaram devastação de 413 km2. Trata-se de um aumento de 266 km2 de um ano para o outro, ainda que os anos anteriores tenham registrado queda.

Segundo o projeto InfoAmazônia, que atualizou esses números, foram destruídos 5.121km² de florestas (até julho de 2015), ante 3.036km² devastados de agosto de 2013 a julho de 2014. O número de alertas de desmatamento, conforme esses dados, disparou 68% neste ano na Amazônia. Trata-se da maior taxa de desmatamento verificado pelo Deter nos últimos seis anos.


IMPRECISO

Enfatizo que, desde 2003, políticas sociais e de transferência de renda contribuíram para que mais de 36 milhões de brasileiros superassem a pobreza extrema. O Brasil saiu, no ano passado, do Mapa Mundial da Fome.

Aos Fatos já mostrou que a chamada "linha da miséria" do governo federal é defasada em relação à inflação. Sua última atualização foi em junho de 2014, de R$ 70 para R$ 77. Mas, se reajustada desde 2011 até então pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), chegaria a R$ 82.

Dessa maneira, é discutível dizer que 36 milhões de brasileiros, com base no Cadastro Único para Programas Sociais, de fato saíram da miséria. O que é possível dizer, apenas, é que houve um grande fluxo de pobres ascendendo a classes mais favorecidas.

A tendência, portanto, é de redução da pobreza. Segundo o Banco Mundial, o Brasil vem reduzindo sua taxa de pobreza extrema para pessoas que vivem com até US$ 2 por dia — medida chamada de poverty gap at $2 a day. Em 1990, por exemplo, essa taxa era de 12,4%. Em 2012, último número no banco de dados da entidade, essa taxa passou para 3,3%.

Relatório mais recente do Banco Mundial, divulgado em abril, corroborou essa tendência. “O percentual de brasileiros vivendo em extrema pobreza caiu de 10% para 4% entre 2001 e 2013”, diz o estudo.

O Brasil saiu do Mapa Mundial da Fome em outubro de 2014.

EXAGERADO

O Brasil, no entanto, não tem problemas estruturais graves, nossos problemas são conjunturais. E, diante dessa situação, estamos reequilibrando o nosso orçamento e assumimos uma forte redução de nossas despesas, do gasto de custeio e até de parte do investimento. Realinhamos preços, estamos aprovando medidas de redução permanente de gastos. Enfim, propusemos cortes drásticos de despesas e redefinimos nossas receitas.

O mapa para a saída da crise passa por fórmulas conjunturais e reformas estruturais. É verdade que o governo tenta articular um ajuste fiscal difícil de ser viabilizado no Congresso, com apenas R$ 5,5 bilhões de R$ 54,4 bilhões assegurados na previsão do Orçamento do ano que vem. A aprovação de projetos que limitam gastos e brecam investimentos é a fórmula considerada essencial pelo Palácio do Planalto para que o país tenha condições de perseguir alguma estabilidade econômica — ainda que haja contestação vinda de alas mais à esquerda do governo.

Entretanto, é algo consensual que, sem mudar a Previdência, o ajuste proposto neste ano terá eficácia momentânea. Daí a necessidade de mudar aposentadorias e benefícios semelhantes — e a prova de que, ao contrário do que Dilma diz, problemas são também estruturais.

O ministro Joaquim Levy (Fazenda) vem dizendo que a Previdência tem "problemas que são imediatos e problemas que vão crescendo ao longo do tempo". E defende reforma na Previdência, que está sujeita, no ano que vem, a um rombo estimado em R$ 125 bilhões.

O governo já discute com centrais sindicais, por meio da Secretaria Geral da Presidência, formas de fazer mudanças previdenciárias sem gerar grandes ruídos com movimentos sociais. Aos Fatos apurou que, para isso, essas mudanças, se ocorrerem, serão feitas em etapas, com alterações progressivas no regime da Previdência que vão de mudanças na idade mínima para a aposentadoria de homens e mulheres, até mais rigidez na concessão de auxílios-doença.


EXAGERADO

Hoje, a economia brasileira é mais forte, sólida e resiliente do que há alguns anos atrás. Temos condições de superar as dificuldades atuais e avançar na trilha do desenvolvimento.

De fato, a economia brasileira foi fortalecida nos últimos anos. Mas, daí a fazer disso um cenário otimista é um longo caminho, especialmente com toda a turbulência dos últimos dois anos. Um dos pontos que suportam o que a presidente disse é que, primeiramente, as reservas em dólar do Brasil são bastante robustas se comparadas com 12 anos atrás (veja quadro abaixo). E o dólar, como sabemos, está em trajetória de alta diante do real, o que é um fator que gera algum conforto ao Banco Central.

Em segundo lugar, apesar das altas taxas de juros, a taxa referencial Selic encontrou um ponto de estabilização na banda de 10% a 15% nos últimos dez anos, se comparada com os altos patamares de antes.

No entanto, a presidente parece desconsiderar a fraqueza do PIB brasileiro o qual, após anos de crescimento, ficou praticamente estagnado em 2014 — e as previsões para este ano não são boas.

A estabilidade econômica, como já dissemos, está condicionada à articulação do Planalto com o Congresso — e as perspectivas não são muito boas. Ainda que não haja solução pronta para a crise, existe consenso entre economistas das mais variadas correntes que, sim, será necessário aumentar impostos para resolver, a curto prazo, o rombo nas contas. O argumento é que o governo não tem como levantar, só com corte de gastos, R$ 70 bilhões para atingir as metas estabelecidas para o ano que vem.

Contando com esse dinheiro, o governo prevê crescimento de 0,2% do PIB para o ano que vem. Sem a aprovação do pacote fiscal, as "condições de superar as dificuldades atuais e avançar na trilha do desenvolvimento", conforme Dilma disse, são exageradamente otimistas.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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