Por que espalhar desinformação sobre as enchentes agrava a crise no Rio Grande do Sul

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As enchentes no Rio Grande do Sul deixaram até agora mais de 90 mortos e pelo menos 130 desaparecidos — além de desespero, dor e luto. O país se mobiliza em solidariedade às vítimas e suas famílias.

Mas o ecossistema da desinformação mostrou que não descansa nem em meio à calamidade pública. Pelo contrário, alimenta-se dela em busca de dinheiro, apoio político ou engajamento. Ou tudo junto.

A Plataforma de hoje explica por que espalhar desinformação só agrava a crise.


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Monetizando a tragédia

No trabalho cotidiano de monitorar a desinformação, a equipe do Aos Fatos se deparou com dezenas de conteúdos falsos sobre as enchentes. E não estamos sozinhos. Outras iniciativas de checagem, como Agência Lupa, UOL Confere, Estadão Verifica e Fato ou Fake, chegaram às mesmas conclusões.

Como a desinformação tem muitas faces, vale a pena detalhar algumas delas:

  • Uso de cenas fora de contexto: vídeos com cenas ocorridas em outros lugares ou em outras épocas. O vídeo de um resgate realizado com uma carregadeira traz imagens gravadas na China, após a passagem de um ciclone. Este outro, com cenas de um rebanho sendo arrastado, foi gravado no México em julho de 2020.
  • Divulgação de medidas falsas: tais conteúdos atribuem a autoridades resoluções inexistentes, como exigir documentação especial de barcos e jet-skis de voluntários que auxiliam nos resgates ou desligar a rede elétrica. Tudo falso.
  • Disseminação do pânico: postagens apostam no sensacionalismo ao divulgar fatos que não ocorreram; circulou nas redes, por exemplo, a alegação de que foram encontrados 300 corpos na cidade gaúcha de Canoas. Quem tem parentes em Canoas se desesperou ao ler isso — só que é falso.
  • Ataques políticos: postagens aproveitam a tragédia para criticar opositores. Algumas afirmaram, por exemplo, que o empresário Luciano Hang cedeu mais aeronaves para o resgate do que as Forças Armadas. Outras usaram um vídeo antigo para afirmar que o presidente Lula foi vaiado esta semana no Rio Grande do Sul. Outras alegaram que o governo federal patrocinou o show de Madonna e deixou de enviar dinheiro para socorrer os gaúchos. Até Elon Musk apareceu na história, como se a Starlink fosse a única provedora de internet funcionando no Rio Grande do Sul.

Nenhum dos conteúdos acima é verdadeiro.

Há quem indague: mas falar das enchentes, mesmo usando informações erradas, não ajuda a chamar a atenção para a calamidade?

Não.

Conteúdos descontextualizados — ocorridos em outros lugares ou em outras épocas — desviam a atenção de profissionais envolvidos no socorro às vítimas reais. Atrapalham resgates urgentes. Dividem esforços, em vez de somar.

Divulgar proibições e apoios inexistentes é uma forma de provocar revolta ou dar esperanças falsas a todos os envolvidos: vítimas, famílias e voluntários. Alguém que pensa em oferecer ajuda, transportando donativos ou ajudando nos resgate, pode acabar desistindo.

Disseminar o pânico aumenta o sofrimento e o medo. Decisões individuais e coletivas tomadas sob pânico acarretam enormes riscos para toda a população.

Cobrar medidas de governos de todas as instâncias é fundamental para a democracia. Apontar o descaso de governantes com as crises climáticas é tarefa do jornalismo. Fiscalizar, criticar, reivindicar, apontar erros, são atitudes cidadãs. Usar conteúdos falsos para fazer isso é atrapalhar a todos. Não ajuda a democracia.

Afirmei em entrevista à BBC Brasil que, ao divulgar conteúdos falsos sobre as enchentes, o ecossistema da desinformação zomba da dor alheia e tripudia sobre os mortos. Não se constrange em produzir conteúdos falsos com objetivo de amealhar cliques, engajamento, dinheiro ou adesão a determinada visão política. Essa engrenagem organizada monetiza a tragédia e lucra com ela.

Como se não bastasse a exploração do sofrimento alheio, há também quem se aproprie de doações destinadas às vítimas das enchentes. Não faltam golpes pedindo dinheiro que jamais chegará aos desabrigados. Aos Fatos fez um guia para quem quer enviar ajuda ao Rio Grande do Sul desviando de tais armadilhas.

Nos últimos dias, jornalistas, estudantes e leitores têm perguntado: como não disseminar desinformação em meio à tragédia das enchentes?

Algumas dicas:

  • Fique atento aos apelos por urgência — “compartilhe agora” é o mais comum. Muitos conteúdos de desinformação se valem exatamente desse recurso para se disseminar rápido;
  • Observe se aquele conteúdo já foi publicado em algum veículo jornalístico;
  • Busque outras fontes de informação, como sites e redes sociais de governos, prefeituras ou outros órgãos oficiais;
  • Na dúvida, não repasse conteúdos sem ter certeza sobre a veracidade deles;
  • Envie o conteúdo para verificação; no Aos Fatos, um dos canais para isso é a Fátima, nossa robô checadora.

Nas horas de comoção, de crise, de grandes tragédias, o trabalho jornalístico se torna ainda mais relevante. É necessário senso crítico para cobrar providências, responsabilidade social para não aumentar o pânico e respeito pela dor das vítimas.

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