Desinformação é moeda de troca entre Bolsonaro e empresário

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O ex-presidente Jair Bolsonaro enviou, em junho do ano passado, um vídeo ao empresário Meyer Nigri com mensagens que exortavam por “guerra civil” e “sangue”, sugeriam seu compartilhamento e diziam: “A PF precisa ver isso”. Não ironicamente, foi baseado em investigação da Polícia Federal que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes pediu na última terça-feira (22) a prorrogação das investigações sobre a disseminação dessas mesmas mensagens golpistas por empresários bolsonaristas.

O jornalista Aguirre Talento, do UOL, teve acesso a relatórios da PF sobre o caso e reportou sobre essa conversa. Ele narra que o ex-presidente encaminhou ao empresário um vídeo com informações falsas sobre um “esquema para fraudar eleições” com instruções para encaminhá-lo a grupos de WhatsApp.

Nesta quinta-feira (24), o repórter do Aos Fatos Luiz Fernando Menezes encontrou vídeos com exatamente esses dizeres nas plataformas de vídeos Kwai e Helo, com datas a partir de 31 de maio de 2022 — quase um mês antes da troca entre Bolsonaro e Nigri, portanto. Uma parte desse vídeo trazia um homem levantando dúvidas sobre a lisura do sistema eleitoral. Seu conteúdo já havia sido verificado pelo Aos Fatos em 2 de junho de 2022, que mostrou que a publicação desinformava a partir de um vídeo satírico.

O fato de não ter sido Bolsonaro a gênese da desinformação não torna o engajamento direto do ex-presidente na disseminação dessas notícias falsas menos grave. Até porque, convenhamos, foram pelo menos 356 mentiras envolvendo urnas, Judiciário e golpe ditas em público e em alto e bom som pelo ex-presidente desde 2019. Esse caso, porém, ajuda a entender como o combate à desinformação deve ser sistêmico e transversal, porque ela mesma não é episódica.

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É típico da desordem informacional — nome dado à proliferação de informações sem distinção de confiabilidade no ambiente digital — o envolvimento de pessoas que agem simultaneamente como autoras e reprodutoras de mentiras. Isso faz com que seja muito difícil definir onde começa uma campanha coordenada. Mais do que isso, prova que a desinformação fabricada só é eficiente se estiver dentro de um contexto mais amplo, como o conjunto de valores pessoais de um grupo, sendo a mentira da ocasião apenas mais um elemento de uma grande narrativa.

Escrevi na edição #03 desta newsletter, a partir do caso Marielle Franco, sobre como é difícil comprovar a intenção de desinformar na internet, mesmo no caso de agentes públicos. Essas pessoas podem alegar ignorância ou imperícia com as redes, por exemplo.

Entre Nigri e Bolsonaro, porém, fica comprovado o caráter transacional da mentira. Não que isso não estivesse claro antes. Meu argumento é que, neste caso em específico, a desinformação aparece como um processo — um meio para atingir um fim. Bolsonaro tem responsabilidade mesmo que não tenha sido o pai da mentira.

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