🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Spotify monetizou Allan dos Santos durante parceria de combate à desinformação com o TSE

Por Alexandre Aragão

2 de agosto de 2023, 19h04

Na sexta-feira (28), Alexandre de Moraes aplicou multa de R$ 300 mil ao influenciador Monark, que passou a ser investigado por desobediência, e determinou que o Spotify retirasse o podcast dele do ar.

Na decisão, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) cita reportagem do Aos Fatos que revelou que centenas de episódios de Monark e de Allan dos Santos, com conteúdos mentirosos e golpistas, são distribuídos pela plataforma de streaming — que também fornece uma ferramenta de monetização ao blogueiro foragido.

Após cumprir a ordem judicial, o Spotify respondeu ao pedido de posicionamento feito pela reportagem, dizendo que os extremistas não infringiram regras da empresa.

A Plataforma de hoje reflete sobre o que o Spotify se comprometeu a fazer ao celebrar parceria com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em 2022, e o que diz a empresa agora.

EM 5 PONTOS:

  • Allan dos Santos e Monark não violam as regras de conteúdo do Spotify, segundo a empresa;
  • O blogueiro foragido utiliza uma ferramenta de monetização para criadores, que permite doações mensais de até R$ 9,99;
  • “Juiz de merda”, “paquita das trevas” e “tirania jurídica” são alguns dos termos que ele usa para atacar Moraes e mentir sobre o sistema eleitoral em episódios que seguem no ar;
  • Em 2022, o Spotify celebrou a “parceria” com o TSE em uma ação de relações públicas, ao mesmo tempo em que permitia que Allan dos Santos lucrasse ao debochar do Judiciário;
  • Enquanto o risco for apenas reputacional, big techs continuarão a tratar autoridades brasileiras como café com leite.

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🤝 O Spotify e suas parcerias

Ao contrário do que costuma fazer, Allan dos Santos publicou uma verdade nas redes sociais. O foragido da Justiça fez um post no Instagram em que diz que o “Spotify apoia Allan”, opinião que agora encontra base no posicionamento público da empresa.

  • Na semana passada, o Spotify optou pelo silêncio quando a repórter Gisele Lobato enviou perguntas sobre ataques à democracia e mentiras sobre a pandemia feitos por ele e por Monark;
  • O Aos Fatos publicou a reportagem na segunda-feira (24), mostrando também que Allan dos Santos usa uma ferramenta de monetização do Spotify;
  • O “apoio do ouvinte” permite a usuários brasileiros doações mensais de até R$ 9,99, repassadas à conta do criador de conteúdo após descontos de taxas e impostos;
  • Durante a semana, o grupo de ativismo digital Sleeping Giants cobrou um posicionamento, levando aos assuntos mais comentados a expressão “Spotify apoia fake news”;
  • Foi nesse contexto que Allan liderou uma contraofensiva, com o “Spotify apoia Allan”;
  • Questionado novamente na quinta-feira (27), o Spotify respondeu na noite de sexta (28), após cumprir a decisão judicial citada no início desta newsletter.

Leia a íntegra:

“Nossas regras de plataforma deixam claro que removeremos conteúdos que tentem manipular ou interferir em processos relacionados às eleições. Após uma análise minuciosa, esse conteúdo não violou nossas políticas. Como sempre, o contexto e o conteúdo que não desencoraje ou impeça claramente a participação em um processo cívico, ou que não intimide ou desencoraje claramente os eleitores de participar de uma eleição, pode permanecer na plataforma. Em 2023, até o momento, removemos milhares de episódios de podcasts por violar nossas políticas.”



‘Pequena doação mensal.’ Banner do Spotify convida ouvinte a dar dinheiro a foragido da Justiça (Reprodução)

“Esse conteúdo”, para ficar no termo utilizado pelo Spotify, inclui palavras como “juiz de merda” e “paquita das trevas”, em referência a Alexandre de Moraes. Teses conspiratórias, como a suposta existência de uma “tirania jurídica brasileira” liderada pelo STF, são repetidas à exaustão.

“Aceitar ser julgado pelo TSE é dizer que teve eleição limpa”, prega Allan dos Santos em um episódio que segue no Spotify. “Qualquer pessoa que você queira que seja político, ela vai ter que ser eleita como urna eletrônica ou sem urna eletrônica? Porque se for com urna eletrônica, eu acho que eu não preciso dizer o que vai acontecer.”

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A empresa tem liberdade para definir as próprias regras de moderação. Não surpreende que o Spotify — que assinou contrato de US$ 200 milhões para distribuir com exclusividade o podcast do desinformador contumaz Joe Rogan — mantenha postura semelhante em mercados menos relevantes, como é o brasileiro.

  • Em outubro de 2021, Alexandre de Moraes determinou a prisão de Allan dos Santos, bem como o bloqueio e a desmonetização de seus canais nas redes sociais;
  • Entraram na lista contas no Facebook e no Instagram, da Meta; no YouTube, do Google; no Twitter; e na Twitch, da Amazon;
  • A decisão, que atendeu a um pedido da Polícia Federal, também determinou o bloqueio das contas bancárias do blogueiro, bem como de qualquer remessa de dinheiro para ele no exterior;
  • Por não ter sido citado na decisão, o Spotify não estaria descumprindo ordem judicial ao manter Allan dos Santos no ar.


‘Seja premium.’ Imagem publicada por Allan dos Santos no Instagram (Reprodução)

Ninguém obrigou o Spotify a assinar um acordo com o TSE. “A parceria entre a Justiça Eleitoral e a plataforma de streaming é fruto de uma busca contínua para coibir a proliferação das chamadas fake news, que têm por objetivo macular a legitimidade do processo eleitoral e a capacidade das eleitoras e dos eleitores de exercer o voto consciente”, declarou à época o então presidente do tribunal, ministro Edson Fachin.

No entanto, basta ler o documento firmado pela empresa com o TSE para constatar que se trata mais de uma carta de intenções, sem qualquer compromisso concreto em retirar conteúdo mentiroso — apenas a divulgação de um canal “para recebimento e análise mais célere” de denúncias contra desinformação.

Ao mesmo tempo em que posava com Fachin para uma ação de relações públicas, o Spotify permitia que Allan dos Santos mentisse sobre o sistema eleitoral, debochasse do Judiciário brasileiro — e ainda por cima recebesse dinheiro para fazer isso. Grande parceria essa.

Questionado sobre a monetização de Allan dos Santos no Spotify, o TSE afirmou que “eventuais processos que tratem do tema correm sob sigilo”.

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Enquanto o risco for apenas reputacional, empresas como o Spotify continuarão a tratar autoridades brasileiras como café com leite. A versão mais recente do PL 2.630/2020 não enquadra a empresa. O parecer atribui a aplicativos que oferecem conteúdo sob demanda apenas obrigações relacionadas a direitos autorais, sem exigências de moderação.

Ao jornalismo profissional e a grupos organizados resta exercer dupla vigilância, cobrando que empresas tenham responsabilidade social — e no mínimo abram mão de financiar mentiras golpistas — e que Legislativo, Executivo e Judiciário adequem com urgência a legislação e a aplicação dela à realidade do século 21.

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