Registros de mortes por pneumonia e insuficiência respiratória não foram substituídos por Covid-19 em 2020

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Publicações nas redes sociais (veja aqui) usam dados do Portal da Transparência do Registro Civil de óbitos por pneumonia e insuficiência respiratória em 2019 ao insinuar que essas causas foram substituídas por Covid-19 em 2020 para inflar a estatística da pandemia, o que não é verdade. As postagens desconsideram que essa base de dados está em constante atualização e que, neste ano, cresceu o número de mortos por causas inespecíficas e por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave).

Como usam dados verídicos mas omitem as limitações da fonte para chegar a uma conclusão enganosa, as publicações foram marcadas com o selo DISTORCIDO na ferramenta de verificação do Facebook (saiba como funciona). Na plataforma, a peça de desinformação reunia ao menos 10.800 compartilhamentos nesta quarta-feira (12).


DISTORCIDO

Portal da Transparência! Óbitos por pneumonia em 2019: 97.091. Óbitos por insuficiência respiratória: 41.220. Entendeu onde estão as 100 mil mortes? Renomearam pneumonia e insuficiência respiratória para Covid-19.

Postagens que circulam nas redes sociais insinuam que óbitos causados por pneumonia e insuficiência respiratória estariam sendo nomeados como Covid-19 para inflar os dados de mortes pela doença no Brasil.

De fato, as informações presentes no Portal da Transparência do Registro Civil, fonte citada nas peças de desinformação, mostram números menores de mortes por essas causas em 2020 comparado a 2019. Entretanto, é necessário considerar que a base do Registro Civil apresenta um crescimento nos óbitos por causas inespecíficas e por SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave). Além disso, existe um prazo legal para a inserção de registros, algo que interfere em análises de datas recentes.

Em consulta realizada por Aos Fatos nesta terça-feira (11), é possível verificar que, no período entre 16 de março e 11 de agosto, o número de registros de óbitos causados por pneumonia citados são 99.177 em 2019 e 66.064 em 2020. Insuficiência respiratória aparece com 42.141 (2019) e 38.497 (2020). Por outro lado, mortes por causas inespecíficas passaram de 2.805 (2019) para 3.676 (2020) e óbitos por SRAG saltaram de 691 (2019) para 10.941 (2020).

Márcio Sommer Bittencourt, médico do Centro de Pesquisas Clínicas Epidemiológicas do Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo), comenta que há diversos motivos para uma possível diminuição de mortes por outras causas nas bases de dados. Um deles é a menor procura por atendimento médico, algo que dificulta um diagnóstico preciso quando a pessoa morre.

Assim, atestados de óbitos são emitidos com diferentes códigos, inclusive de causas inespecíficas. “O que está diminuindo de pneumonia, infarto, insuficiência respiratória, na verdade, está aumentando em demais causas, está nos códigos de várias outras coisas, como no código de mortes inespecíficas. Inclusive, nas demais causas tem Covid-19 não diagnosticada”, diz.

Outro fator a ser considerado é que o Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19, tem predominância nos resultados laboratoriais positivos entre doenças respiratórias. Segundo boletim semanal publicado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) no dia 10 de agosto, entre os casos reportados de SRAG com resultado laboratorial positivo para algum vírus respiratório, 96,9% são referentes ao Sars-CoV-2. Em relação a óbitos, o percentual é de 99,1.

Dados do Registro Civil. O tempo mínimo para um óbito aparecer na plataforma de transparência é de 14 dias. No entanto, a Lei nº 6.015/1973 permite que pessoas que moram em cidades que ficam a mais de 30 km de distância de um cartório tenham até três meses para fazer o registro do óbito de um familiar. Conforme mostra uma análise do Núcleo Jor, dados de meados de 2019 foram atualizados em 2020.

Por fim, a Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) diz que, por causa da pandemia, também houve mudanças nos prazos em alguns estados, pois Corregedorias-Gerais da Justiça editaram normas legais e permitiram o sepultamento com a guia da funerária, algo que permite um prazo maior para a família comparecer ao cartório e registrar um óbito. Por exemplo, a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas determinou que familiares teriam até 15 dias para registrar o óbito em cartório. No Ceará, a Corregedoria-Geral da Justiça do estado estabeleceu um prazo de 60 dias para a lavratura de registros de óbitos pelos cartórios.

Bittencourt ressalta que é necessário cautela ao utilizar dados do Registro Civil porque se em um atestado de óbito é citada causa que não seja Covid-19, mas depois sai um resultado positivo do teste, costuma haver atualização somente na base do Ministério da Saúde. Por este motivo, os dados do governo costumam ser mais altos do que os do Registro Civil. A Arpen explica que uma retificação no atestado de óbito só é feita quando o responsável retorna ao cartório com o laudo oficial comprovando a causa da morte. A medida não é obrigatória. Portanto, se não há o pedido de retificação, permanece a causa informada no primeiro documento.


De acordo com nossos esforços para alcançar mais pessoas com informação verificada, Aos Fatos libera esta reportagem para livre republicação com atribuição de crédito e link para este site.

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