Emerson Nogueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2021. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Por que os preços dos alimentos sobem tanto no Brasil

Por Priscila Pacheco

17 de novembro de 2021, 16h58

Os preços de alimentos e bebidas no país acumulam uma alta maior do que a média da inflação aferida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em nove setores da economia. Nos últimos 12 meses, comer no Brasil ficou 11,71% mais caro, enquanto o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ficou em 10,67%, segundo dados de outubro, os mais recentes. É o dobro do teto da meta de inflação fixada pelo Banco Central para este ano, de 5,25%.

A inflação tem o efeito de reduzir o poder de compra das famílias, e o encarecimento dos preços de alimentos afeta de forma ainda mais drástica os mais pobres, que comprometem a maior parte da renda para a garantia de itens básicos. Cerca de 28 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza no país, e a renda média se recupera com lentidão.

Há uma tendência em todo o mundo de alta nos preços da comida, muito em função de problemas nas cadeias globais de oferta causados pela pandemia. De acordo com a FAO (Organização de Alimentos e Agricultura das Nações Unidas), houve uma alta de 33% no custo global de alimentos entre setembro de 2020 e o mesmo mês de 2021.

Mas a Covid-19 não é o único motivo da carestia de alimentos, como sugerem narrativas desinformativas. Fatores internos, como a insegurança econômica e política, a consequente desvalorização cambial e o desmatamento das florestas, agravam esse problema.

A seguir, Aos Fatos explica quatro fatores que influenciam no preço dos ingredientes que compõem a dieta do brasileiro.

  1. Valorização das commodities
  2. Combustíveis mais caros
  3. Dólar em alta
  4. Crise climática

Valorização das commodities

Commodities são produtos de origem agropecuária ou mineral pouco ou nada industrializados. O desequilíbrio entre o consumo global crescente e a queda de produção elevou o preço desses itens, o que gerou pressão nos alimentos.

Segundo um relatório publicado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em setembro, o preço das commodities e os custos globais de transporte acrescentaram 1,5 ponto percentual à inflação anual das 20 maiores economias do mundo — bloco em que o Brasil está incluído.

Segundo a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), de agosto de 2020 a agosto de 2021, o aumento de preços de commodities agrícolas utilizadas na indústria alimentícia variou de 18% a 74%. A soja, por exemplo, teve alta de 37%. Em paralelo, o óleo de soja ficou 67% mais caro.

Nesse ponto, o Banco Mundial aponta, em relatório, que há influência das interrupções nas cadeias de abastecimento — impactadas pelas restrições de atividades provocadas pela pandemia. Esse impacto se deu por meio da incapacidade de escoamento da produção, que inviabilizou acesso a insumos agrícolas, de acordo com a OCDE. Além disso, surtos de Covid-19 em empresas de processamento de alimentos também prejudicaram a logística de abastecimento, resultando em custos mais elevados ao consumidor final.

Em 2020, por exemplo, o aumento da demanda da China por mais grãos e carne por causa da gripe suína de 2019 contribuiu para que os preços subissem, lembra Julia Braga, economista e professora da UFF (Universidade Federal Fluminense). Hoje, os valores oscilam, mas permanecem em alta.

Outros segmentos da indústria alimentícia sentem os impactos dessa alta. Por exemplo, a ração que alimenta animais destinados para o abate é feita de grãos. Em outubro, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) indicou alta de 2,8% no preço do frango inteiro, puxada pelo aumento dos preços da ração, conforme explicou Pedro Kislanov, gerente do IPCA no IBGE.

Combustíveis mais caros

Uma das commodities que mais influencia na alta geral dos preços é o petróleo, porque derivam dele os combustíveis usados nos transportes marítimo e rodoviário. O preço do barril segue em valorização, tendo atingido em julho o valor mais alto em seis anos. A dinâmica da variação cambial do dólar e a cotação internacional do petróleo pressionam os preços no Brasil, onde cerca de 65% do transporte de cargas é feito por caminhões.

A Petrobras, dona de 13 das 17 refinarias de petróleo em território nacional e responsável por 98,6% da capacidade total de produção local, adotou em 2017 o PPI (preço de paridade de importação), atrelando a política de preços às flutuações do mercado internacional. O diesel, usado nos caminhões, teve reajuste de 9,15% no fim de outubro de 2021, acumulando uma alta de 65,3% no ano. A gasolina subiu 73% no período.

O petróleo também é usado na fabricação de embalagens de plástico e de fertilizantes agrícolas, como a ureia. Os fertilizantes tiveram mais de 55% de aumento desde janeiro, diz o Banco Mundial. Segundo Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), esse tipo de insumo deve continuar pressionando os preços dos alimentos nos próximos meses.

Apesar de produzir petróleo, o Brasil importa o produto refinado por causa das limitações operacionais das refinarias nacionais, como incapacidade de refinar óleo pesado. Com o dólar mais caro, o país paga mais pelo produto importado.

A negociação mundial do combustível fóssil tem sido pressionada pelo aumento da demanda dos Estados Unidos e dos continentes asiático e europeu, tanto pela reabertura da economia com o avanço da vacinação contra Covid-19, como pela necessidade de mais energia para o aquecimento durante o inverno.

Dólar em alta

O real foi uma das moedas mais desvalorizadas em 2020 frente ao dólar. Nesse cenário, tudo o que tem o preço definido no mercado internacional fica mais caro, como soja, milho e trigo, e as vendas para o exterior se fortalecem pela vantagem da moeda americana.

A queda do real está relacionada com as crises política e econômica enfrentadas pelo Brasil. O risco fiscal provocado pelo déficit nas contas públicas afasta investidores internacionais e a circulação de dólares, de acordo com André Braz, analista da FGV (Faculdade Getúlio Vargas).

Ele explica que um aumento nas exportações diminui a oferta no mercado interno, provocando a subida dos preços. A carne bovina, por exemplo, bateu recordes de exportação em setembro, antes de a China suspender as compras do Brasil. Foram 187 toneladas de carne in natura vendidas para o exterior naquele mês.

“Quando a nossa moeda desvaloriza, é como se o Brasil virasse uma grande vitrine em promoção”, ilustra o economista.

O exemplo da carne é emblemático. As exportações do produto somaram US$ 2 bilhões em setembro de 2021, um aumento de 62,3% em relação ao mesmo mês de 2020. Em contrapartida, o consumo interno de carne terá em 2021 o menor nível em 26 anos, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Isso representa uma queda de 14% em relação a 2019, antes da pandemia. O impacto da suspensão de exportações por parte da China deve reduzir a alta nos preços, que está em 8,48% no ano, segundo o IBGE.

O arroz teve um aumento de vendas externas de 73,5% entre janeiro e agosto em comparação ao mesmo período de 2019. Enquanto isso, no supermercado, o preço subiu 19,25%. Em abril do ano passado, o Brasil importou 102,1 mil toneladas de arroz, sendo 56% vendidos pelo Paraguai — valores impactados pela alta do dólar.

A desvalorização da moeda brasileira também encarece os custos do transporte dos alimentos, devido à alta nos preços dos combustíveis, o que é repassado para o consumidor.

Crise climática

A carestia de alimentos também é influenciada pelos eventos climáticos extremos que afetam plantações. A cana-de-açúcar e o café, por exemplo, foram culturas prejudicadas por períodos de seca e geada, o que diminuiu a oferta de produtos.

Segundo o IPCA de outubro, o café moído teve um aumento de 4,57%. O tomate, que tem a maturação intensificada ou retardada por condições climáticas como temperatura e chuva, teve alta de 26,01% no preço. O açúcar ficou mais caro nas 15 capitais avaliadas pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). O maior reajuste foi no Rio de Janeiro (RJ), de 7,02%.

A crise hídrica, que diminui os reservatórios das hidrelétricas, principal fonte geradora de energia elétrica do país, também encarece a conta de luz, que é repassada ao consumidor no preço final.

A produção de energia elétrica é um custo fixo alto de algumas linhas de produção de alimentos, como a de frango. As granjas precisam manter a eletricidade ligada sem interrupções para acelerar o processo de maturação dos animais. Os preços de aves e ovos subiram 22,24% em outubro de 2021, comparando com o ano anterior.

A falta de chuvas e outros eventos climáticos extremos também têm relação com o desmatamento e as queimadas na floresta amazônica, conforme o Aos Fatos já explicou. A devastação contribui para essas mudanças no clima, o que piora as condições para o agronegócio.

O Brasil registrou entre outubro de 2020 e maio de 2021 o menor volume de chuvas em 91 anos. Em outubro, dado mais recente, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) detectou desmatamento em 877 km² da Amazônia, área 5% maior em comparação ao mesmo mês de 2020.

Ilustração: Luiz Fernando Meneses

Referências:

1. IBGE (Fontes 1 e 2)
2. OECD (Fontes 1 e 2)
3. Banco Mundial
4. ANP
5. Senado
6. Tesouro Transparente (Fontes 1 e 2)
7. Fiocruz
8. Site Governo do Brasil
9. Conab (Fontes 1 e 2)
10. Dieese
11. Avicultura Industrial
12. Observatório das Metrópoles
13. Abia
14. Petrobrás
15. Jornal da USP
16. CNN Brasil (Fontes 1 e 2)
17. BBC Brasil (Fontes 1, 2, 3 e 4)
18. UOL (Fontes 1 e 2)
19. Valor Econômico (Fontes 1 e 2)
20. Estadão
21. Agência Brasil (Fontes 1 e 2)
22. G1 (Fontes 1, 2 e 3)
23. Bloomberg
24. O Globo
25. Metrópoles
26. Aos Fatos

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