O jornalismo é profissional; os anúncios, não

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Há anos, Aos Fatos tem se esforçado em mostrar como é deletéria a desinformação feita para lucrar com o auxílio de ferramentas de publicidade programática. O Google AdSense é a mais conhecida e com maior penetração dentre elas, mas alternativas como Taboola e Outbrain também são comuns em sites maliciosos. Para fazer frente ao duopólio Google e Meta, ambas oferecem taxas de conversão mais vantajosas para publishers e políticas de uso flexíveis. É possível, por exemplo, incorporar o sistema ao design do site, e os anúncios aparecerão como se fossem reportagens comuns.

Como mostrou o Intercept Brasil mais de três anos atrás, os maiores jornais do país também não se furtam em usar essas ferramentas, mesmo que isso signifique veicular alguns tipos de desinformação de dar inveja a certas emissoras. Pouco mudou desde então.

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Na última sexta-feira (24), a Folha de S.Paulo anunciou que virou líder de audiência depois da revisão metodológica de um índice que mede a circulação dos jornais. O IVC (Instituto Verificador de Comunicação) apontou o diário paulistano como o jornal com mais assinantes no país. São 752.019, contra 325.598 de O Globo e 185.106 de O Estado de S. Paulo.

O modelo de assinaturas é apontado há anos como a solução dos veículos digitais para garantir sua sustentabilidade e independência, já que o modelo baseado em venda de espaço publicitário foi canibalizado pelas plataformas digitais. Embora o volume de clientes seja a métrica principal, a vantagem estratégica das assinaturas é a possibilidade de retenção dos dados dos clientes para aumentar a capacidade de perfilamento da audiência, a fim de vender produtos adicionais e precificar parcerias publieditoriais.

Na prática, porém, as estratégias comerciais desses veículos não conseguem fazer frente à indústria da influência que se consolidou ao longo dos últimos dez anos, por consequência de um fenômeno chamado plataformização da internet. Esse processo tirou o protagonismo de uma internet povoada por portais, sites e blogs para centralizar a distribuição de conteúdo em empresas como Google e Meta.

Hoje veículos com audiência na casa das dezenas ou centenas de milhões mensais, como os jornais campeões do IVC, competem com influenciadores cujo tamanho da audiência é semelhante ou maior. Pesquisa Datafolha realizada em maio apontou Virginia Fonseca como a maior influenciadora brasileira. Com mais de 43 milhões de seguidores no Instagram e 11 milhões de inscritos no seu canal no YouTube, ela registra seu dia a dia e o de sua família entre viagens de jatinho e looks grifados. A Folha de S.Paulo, por sua vez, tem 844 mil inscritos no YouTube e 4 milhões de seguidores no Instagram.

Na mesma página em que registra seu recorde de assinantes, o jornal veiculou anúncios como “O QI Médio no Brasil é 83. Faça este Teste de QI e descubra se o seu é mais alto” e “Nutricionista: ‘Perder peso depois dos 60 anos depende deste hábito diário’”. A primeira peça leva a um “teste de inteligência” que ranqueia pessoas de diferentes nacionalidades com 22 perguntas. Só os inteligentes veem como isso é problemático. A segunda propaganda, por sua vez, leva a um site que vende um método de emagrecimento cujos relatos, segundo as letras pequenas do rodapé, “podem ser reais ou fictícios”.

Anúncio de teste de QI veiculado em sites noticiosos

Na mesma página em que registra seu recorde de assinantes, o jornal veiculou anúncios como “O QI Médio no Brasil é 83. Faça este Teste de QI e descubra se o seu é mais alto” e “Nutricionista: ‘Perder peso depois dos 60 anos depende deste hábito diário’”. A primeira peça leva a um “teste de inteligência” que ranqueia pessoas de diferentes nacionalidades com 22 perguntas. Só os inteligentes veem como isso é problemático. A segunda propaganda, por sua vez, leva a um site que vende um método de emagrecimento cujos relatos, segundo as letras pequenas do rodapé, “podem ser reais ou fictícios”.

Já uma visita à página do editorial desta quinta-feira (31) de O Globo me entregou o estranho anúncio: “Deltan Dallagnol vive em uma casa dos sonhos com seu parceiro”. A peça remete a um site gringo chamado Sundaydigest, que tem toda a cara e o jeito de fazenda de conteúdo. Essa terminologia é dada a sites que replicam notícias, em geral de fofocas, por meio de inteligência artificial, com o objetivo de ganhar dinheiro com anúncios. Nesse caso, trata-se de um meta-anúncio, e o erro na chamada deve ter sido gerado por um tradutor automático.

Anúncio exibido em site de notícias desinforma sobre Deltan Dallagnol

Não existe um cálculo confiável que dê conta de estimar quanto os jornais ganham com esse tipo de publicidade. Mesmo as centenas de milhares de assinantes de O Globo e Folha de S.Paulo, como eu, estão condenados a pensar na próstata inchada do leitor metafórico ao ler sobre déficit fiscal. Sensação semelhante deve ter sentido o fã daquela influenciadora de beleza que vendeu cosmético estragado. A diferença é que ela não construiu uma reputação centenária.

Talvez seja o caso de os jornais trabalharem melhor o perfilamento de seus clientes, de modo que gente sem próstata não seja impactada por anúncio de tratamento fake para disfunção erétil. Melhor ainda seria banir essas plataformas de publicidade fraudulenta e deixar o monopólio dos golpes virtuais para as big techs.

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