🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Setembro de 2022. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Desinformação eleitoral alcança 30 milhões impulsionada por Telegram, WhatsApp e anúncios do Google

Por Ethel Rudnitzki, João Barbosa e Tai Nalon

19 de setembro de 2022, 19h46

Popular instrumento de monetização de sites por meio de anúncios automáticos, o Google AdSense beneficia 9 dos 10 sites hiperpartidários mais populares em grupos e canais de WhatsApp e Telegram durante as eleições. São veículos identificados com pautas “conservadoras”, declaram preferência por Jair Bolsonaro (PL) e lucram com informações falsas e teorias conspiratórias sobre o processo eleitoral, as urnas eletrônicas e as pesquisas de opinião. Com esse tipo de conteúdo, obtêm dezenas de milhões de visitas para explorar lacunas na aplicação de termos de uso da plataforma de anúncios mais usada no país.

Levantamento conduzido pelo Radar Aos Fatos durante o primeiro mês de campanha eleitoral em 578 comunidades de Telegram e 285 grupos de WhatsApp revela que links para de sites hiperpartidários foram compartilhados ao menos 40.796 vezes desde 16 de agosto. Essas publicações emulam o formato jornalístico e, com desinformação e propaganda, têm audiência de cerca de 30 milhões de usuários por mês.

Além de publicações com títulos apelativos que insinuam fragilidades nas urnas eletrônicas, textos e vídeos veiculados nesses sites levantam dúvidas sobre pesquisas de opinião, repercutem ofensas contra adversários políticos e repetem expressões de teorias da conspiração sobre “a mídia” e o “comunismo”.

Segunda maior audiência dentre a amostra pesquisada, o Jornal da Cidade Online foi banido do Google AdSense em 2020, mas segue oferecendo incentivo aos seus pares. Sites que veiculam publicidade programática facilitada pela ferramenta do Google republicam seu conteúdo em texto e em vídeos hospedados no YouTube.

De acordo com a política de combate a “declarações não confiáveis e prejudiciais” do Google AdSense, a plataforma diz não permitir o uso de anúncios em sites que veiculam conteúdo que “faça afirmações comprovadamente falsas e que possa prejudicar de forma significativa a participação ou a confiança no processo eleitoral ou democrático”. A empresa elenca exemplos como “informações sobre processos de votações públicas, qualificação de candidatos políticos com base na idade ou local de nascimento, resultados eleitorais ou dados do censo que contradizem os registros oficiais do governo”.

SUCESSOS DE AUDIÊNCIA

Site mais popular dentre os analisados, o Terra Brasil Notícias é exemplo de conduta oposta a essas diretrizes. Desde 16 de agosto, início da campanha eleitoral, publicou informações cujo objetivo é pôr em dúvida resultados de pesquisas de opinião, levantar suspeitas sobre a confiabilidade de urnas eletrônicas, insinuar que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é alcoólatra e que recebeu orientações da TV Globo durante entrevista ao Jornal Nacional, além distorcer fatos sobre agressão sofrida pela jornalista Vera Magalhães, atacada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) durante o debate entre presidenciáveis organizado pelo pool Band, TV Cultura, Folha de S.Paulo e UOL.

Um dos links do site que mais circulou nos aplicativos trazia um vídeo que dizia que a "imprensa americana" estaria "detonando urnas eletrônicas sem voto impresso". Sem deixar claro que não se tratava de urnas usadas no sistema de votação brasileiro, a publicação reproduzia trechos do programa do apresentador britânico John Oliver, na HBO, que levantava suspeitas sobre voto eletrônico no contexto americano. No trecho, ele defende que as urnas em questão emitam um comprovante de votação para posterior checagem caso haja suspeita de fraude. Esse argumento, usado pelo Terra Brasil Notícias para pôr em dúvida a confiabilidade das urnas no Brasil, desconsidera que os equipamentos do TSE emitem um boletim quando encerradas as votações.

Outro expoente desse ecossistema, o Portal Novo Norte, por sua vez, veicula textos e vídeos que dão a entender que pesquisas de opinião ocultam propositalmente declarações de voto em Bolsonaro e que repercutem suspeitas infundadas e rejeitadas pela Justiça Eleitoral sobre ligação de Lula e o PCC. Também reproduz discurso conspiracionista de bolsonaristas, segundo quem Lula vai trazer o comunismo ao Brasil.

O site Pleno.News age de modo mais sutil: em vez de questionar a veracidade de pesquisas que mostram Lula à frente, prefere destacar resultados de levantamentos favoráveis a Bolsonaro. O link mais compartilhado do portal em grupos de WhatsApp monitorados pelo Radar Aos Fatos, por exemplo, trata de enquete — que não tem valor de pesquisa — do UOL sobre desempenho dos candidatos no debate de 28 de agosto na qual Bolsonaro ficou em primeiro lugar.

Em outro link frequentemente compartilhado, o site anunciou os resultados do Datafolha na mesma semana dando destaque à rejeição ao petista no título, que marcou 39%, em vez dos números do presidente, que 52% dos entrevistados disseram não votar em nenhuma hipótese.

A página também repercute falas de apoiadores de Bolsonaro e influenciadores que atacam instituições. É o caso de manchete com afirmação do influenciador Monark — ex-apresentador do podcast Flow, afastado após afirmar ser a favor da criação de um partido nazista — em que ele diz que o TSE estaria “fazendo campanha para Lula”.

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REPUBLICAÇÃO DE SITE IRREGULAR

Tanto o Portal Novo Norte quanto o Terra Brasil Notícias reproduzem conteúdo do Jornal da Cidade Online, outro líder de popularidade nos grupos de Telegram e de WhatsApp monitorados. José Tolentino, seu proprietário, é investigado no STF no inquérito das milícias digitais sob suspeita de ter recebido dinheiro de publicidade oficial por meio do AdSense para atacar a Justiça e promover desinformação.

Em 2020, Aos Fatos mostrou que o site lucrava com informações falsas sobre a pandemia de Covid-19 ao veicular, por exemplo, mentiras sobre resultados positivos de uso da hidroxicloroquina para tratar a doença. Naquele mesmo ano, o site foi banido das plataformas de anúncios e monetização do Google e do YouTube, na esteira das investigações do STF.

Apesar disso, seu conteúdo permanece rendendo dinheiro para reprodutores das publicações. Em 14 de setembro, última quarta-feira (14), 5 dos 5 textos mais lidos do Portal Novo Norte eram reproduções do Jornal da Cidade Online.

Desde o início da campanha oficial, o site tem republicado textos que insinuam que institutos de pesquisa escondem intencionalmente voto em Bolsonaro e que vinculam PT e Lula com o PCC. Destacam-se também chamadas apelativas como “batendo recordes e fazendo história”, Bolsonaro “impôs derrota acachapante à Globo”. Só que, diferentemente do título, o texto fala do debate com todos os presidenciáveis e afirma que “entre 22h15 e 22h25, o debate venceu o Fantástico por 14,7 a 14,1 pontos”.

A ESTRATÉGIA DE ENGANAR

Assim como veículos que usam desinformação como estratégia de monetização não publicam apenas mentiras, os sites investigados distorcem informações factualmente corretas, seja com títulos que não correspondem aos fatos relatados no texto, seja com conteúdo opinativo e expressões apelativas. Misturam-se alegações de suspeitas de fraude no processo eleitoral com publicações de cunho hiperpartidário, ilações contra a imprensa e elogios a bolsonaristas.

“A desinformação é um meio para um fim: fazer dinheiro com comunicação. A desinformação é um produto rentável e de baixo custo. Ao contrário do jornalismo profissional, não necessita de redação, conselho editorial, ou manual de redação. Entretanto, permite receitas das mais diversas, de anúncios a livros”, explica o diretor-executivo do ITS-Rio (Instituto Tecnologia e Sociedade), Fabro Steibel.

Ele vê em títulos sensacionalistas e opiniões radicais uma maneira de alcançar um público específico para vender outros produtos — como livros, roupas, cursos. “O que está sendo investigado no inquérito [4.874, que apura milícias digitais] do Alexandre de Moraes são atos de campanha, conjunto de ações com o objetivo de ameaçar a democracia. Há crimes que estão sendo investigados que vão além de conteúdos isolados. O que está se investigando é a existência de um ecossistema de desinformação agindo, de maneira coordenada, com objetivo de cometer atos criminosos, com ganho financeiro”, diz Steibel.

Combater esse tipo de prática é um desafio diante dos mecanismos previstos na legislação eleitoral. Diretor executivo do InternetLab, o especialista em direito eleitoral Francisco Brito Cruz diz que sites hiperpartidários estão suscetíveis a sofrer punições, como multas e ações de remoção de conteúdo, mas comprovar uma ação coordenada na Justiça é mais difícil. "Do mesmo jeito que um jornal pode pedir voto em alguém e declarar uma posição, não pode ser exigido que um site hiperpartidário deixa de ser hiperpartidário", defende.

O problema, segundo ele, é provar que essas publicações constituem de fato propaganda eleitoral e que estão empenhadas em propagar desinformação coordenada. “Esses atores não fazem parte da campanha oficial, aos olhos da Justiça Eleitoral, mas fazem diferença na campanha real.”

COMO FUNCIONA O ADSENSE

O Google AdSense é a plataforma que permite que publicadores gerenciem os espaços publicitários comprados pelos anunciantes em seus sites. Assim, um usuário pode financiar o próprio site por meio de anúncios automáticos baseados na audiência e no conteúdo publicado. Ou seja, o Google serve de intermediário entre o publicador e o anunciante, pagando o primeiro de acordo com a quantidade de impressões de anúncios ou de cliques dos usuários nesses anúncios.

Somente no segundo trimestre de 2022, a Alphabet, detentora do Google, faturou US$ 56 bilhões em receitas de publicidade — mais de 80% do faturamento total da empresa no período. Em comparação, a Meta — dona do Facebook e do Instagram, principais concorrentes do Google nesse segmento — faturou US$ 28,8 bilhões com anúncios no mesmo trimestre.

OS SITES E SEUS DONOS

Criado em maio de 2020 pelo casal potiguar Micarla Rocha da Silva Melo e Agacy Vieira de Melo Júnior — conhecido como Júnior Melo — o Terra Brasil Notícias foi o site mais compartilhado também em grupos monitorados pelo NetLab da UFRJ em 2021. Os fundadores contaram à Folha de S.Paulo que a página se sustenta por meio de anúncios direcionados pelo Google AdSense que, na época, arrecadavam cerca de R$ 6 mil por mês.

No mesmo ID de Google AdSense do Terra Brasil também está registrado o site JuniorMelo.com.br, com conteúdos assinados pelo criador e voltados para os assuntos locais, mas igualmente partidários. Tal qual o Terra Brasil, o site chama pesquisas de opinião de “fajutas” e repercutiu falas contrárias aos protocolos sanitários contra a Covid-19 em 2021.

Já o Portal Novo Norte pertence a Pablo Fernandes de Carvalho, que foi assessor especial do governo do Tocantins sob a gestão de Mauro Carlesse (DEM), aliado de Bolsonaro. Segundo o Grupo de Trabalho de Combate à Desinformação e Discurso de Ódio na Amazônia Legal, capitaneado pela ONG Intervozes, o site é um dos portais hiper partidarizados mais compartilhados na região Norte do país. Além dos anúncios via AdSense, o site é financiado por assinaturas intermediadas pela plataforma Eduzz.

Criado em 2017, o site Pleno News pertence ao Grupo MK de Comunicação, dono de uma gravadora de músicas gospel e uma rádio no Rio de Janeiro. Em 2020, fazia a administração de canais de YouTube de celebridades do mundo gospel e políticos, como o senador e filho do presidente, Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), conforme revelou reportagem da Agência Pública. A empresa pertence à família do ex-senador Arolde Oliveira (PSD-RJ), que morreu em outubro de 2020 em decorrência da Covid-19. Antes de morrer, o parlamentar foi alvo de inquérito no STF que apurou a organização de atos antidemocráticos em 2020, arquivado em julho de 2021.

O QUE DIZ O GOOGLE

Aos Fatos questionou o Google, via assessoria de imprensa, a respeito das políticas da plataforma de anúncios para sites que promovem desinformação eleitoral. A reportagem perguntou:

  1. quais são as políticas do Google AdSense para sites que promovem desinformação eleitoral;
  2. como o Google monitora sites que publicam informações que violam as políticas de anúncios da empresa;se o Google já baniu ou suspendeu de sua plataforma de anúncios algum site por violar políticas de combate à desinformação;
  3. por qual motivo o Google baniu o Jornal da Cidade Online de suas plataformas de monetização;
  4. se o Google está ciente de que outros sites republicam conteúdo do Jornal da Cidade Online e ganham dinheiro com isso por meio do Google AdSense.

Em nota, a plataforma limitou-se a afirmar que não comenta casos específicos de violações às regras do Google AdSense e que tem “políticas rigorosas” sobre o tipo de conteúdo em que veiculam anúncios. Encaminhou também à reportagem uma lista pública de políticas da plataforma contra más práticas, segundo a qual não é permitido veicular anúncios em site que “faça afirmações comprovadamente falsas e que possa prejudicar de forma significativa a participação ou a confiança no processo eleitoral ou democrático”.

Conforme o Google, “informações sobre processos de votações públicas, qualificação de candidatos políticos com base na idade ou local de nascimento, resultados eleitorais ou dados do Censo que contradizem os registros oficiais do governo” são alguns dos exemplos que a plataforma diz considerar irregulares.

A assessoria de imprensa da empresa disse ainda que o Google proíbe a monetização de conteúdos copiados de outros sites. “Quando encontramos uma página ou site que viole nossas políticas, agimos imediatamente”, afirmou.

Até a última atualização desta reportagem, os sites mencionados na reportagem ainda veiculavam anúncios da plataforma AdSense.

O QUE DIZEM OS SITES

Aos Fatos entrou em contato por e-mail com os responsáveis pelos sites Terra Brasil Notícias, Pleno News, Portal Novo Norte, Jornal da Cidade Online, Gazeta Brasil, Contra Fatos, Folha da Política, Pensando Direita, Portal Cidade News e Folha Destra para registrar o que dizem a respeito das estratégias de desinformação adotadas durante a campanha eleitoral. Até a última atualização desta reportagem, apenas o Terra Brasil Notícias havia retornado — em seu site, antes mesmo da publicação das informações elencadas no Aos Fatos.

Sob o título “Aos Fatos, empresa checadora que foi condenada a pagar indenização por Fake News e que faz parte de um grupo de veículos da mídia de esquerda, tenta criar narrativa nefasta contra o Terra Brasil Notícias”, o veículo afirma que não publica desinformação. “O Terra Brasil Notícias repudia esse comportamento e já está com sua equipe jurídica estudando a melhor forma de parar com essa tentativa velada de censura prévia, o que é expressamente proibida pela Constituição Federal no seu artigo 220”, afirma.

Segundo o site, uma publicação como a que insinua que Lula bebia cachaça durante um evento e que “supostamente” recebera orientações do Jornal Nacional durante entrevista “cumpriu seu dever de informar” e não configuram “afirmações de nossa parte”. Afirma o mesmo a respeito de texto enganoso sobre urnas eletrônicas, em que admitiram somente à reportagem do Aos Fatos, e não no texto publicado, que não se trata das mesmas máquinas usadas no sistema brasileiro de votação.

Esta reportagem permanece aberta para manifestações dos veículos mencionados.

Referências:

1. Google (1, 2)
2. Aos Fatos (1, 2)
3. G1
4. Alphabet
5. Meta
6. Folha de S.Paulo
7. Intervozes
8. Agência Pública
9. Congresso em Foco

sobre o

Radar Aos Fatos faz o monitoramento do ecossistema de desinformação brasileiro e, aliado à ciência de dados e à metodologia de checagem do Aos Fatos, traz diagnósticos precisos sobre campanhas coordenadas e conteúdos enganosos nas redes.

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