No Roda Viva, Ciro repete dados errados sobre Previdência e Orçamento

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O pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes, citou valores errados sobre déficit da Previdência, exagerou sobre o tamanho da importação de medicamentos no país e repetiu dados imprecisos sobre contas públicas. Ele foi entrevistado no Roda Viva, na TV Cultura, na última segunda (28). Ele foi o quarto pré-candidato à presidência convidado para o programa. Antes dele, foram entrevistados Marina Silva (Rede), Guilherme Boulos (PSOL) e João Amoêdo (Novo) (clique nos nomes para ler as checagens).

Veja abaixo o que checamos.


FALSO

O déficit da Previdência é real, só que ele não é de R$ 180 bilhões; ele foi R$ 25 [bilhões], R$ 30 bilhões.

Ciro Gomes tem dado declarações diferentes e às vezes contraditórias sobre o déficit da Previdência. Na sabatina do UOL, na semana passada, o candidato disse que “é perfeitamente possível afirmar que o regime geral da Previdência não tem déficit”. Uma semana antes, em entrevista ao portal GauchaZH, do grupo RBS, o pedetista admitiu que há um déficit: “neste ano, o buraco foi de R$ 180 bilhões”, disse, usando um número próximo ao oficial para o déficit do Regime Geral da Previdência Social.

No Roda Viva, Ciro afirmou que existe o déficit da Previdência — sem especificar a qual regime referia-se — , mas que ele não corresponde aos dados do governo. Segundo Ciro, o déficit real da Previdência seria de R$ 25 bilhões ou R$ 30 bilhões. O candidato não informou a fonte do cálculo e o Aos Fatos não encontrou referência a esses valores nas fontes oficiais.

De acordo com a Receita Federal, o déficit do Regime Geral de Previdência Social atingiu R$ 182,5 bilhões em 2017, como resultado de R$ 374,8 bilhões de arrecadação e R$ 557,2 bilhões de despesas. Não foi encontrado nenhum dado oficial ou de instituições de pesquisa que divulgassem o valor de R$ 30 bilhões de déficit afirmado por Ciro Gomes. Nesse déficit não está incluso o dos Regimes Próprios de Previdência Social dos servidores públicos federais civis e militares, que, em 2017, tiveram déficit de R$ 86,4 bilhões: R$ 37,1 bilhões de receitas contra R$ 123,5 bilhões em despesas. Somando os dois regimes, a previdência acumula um déficit de R$ 268,799 bilhões.

Em outro momento da entrevista, Ciro afirma que, “com a DRU”, o déficit da Previdência alcançaria R$ 180 bilhões, valor próximo ao calculado pelo governo para o déficit do Regime Geral de Previdência. O candidato refere-se à Desvinculação de Receitas da União, a DRU, mecanismo criado por emenda constitucional em 1994 e que permite gastar parte das receitas de impostos e contribuições para seguridade social em áreas diferentes das destinadas constitucionalmente.

Essa declaração do candidato também é incorreta, pois a DRU não impacta o déficit previdenciário. A Constituição Federal, no artigo 167, proíbe o uso das contribuições previdenciárias para outros fins.

Outro lado. A assessoria de imprensa de Ciro Gomes informou por nota que por déficit da Previdência Social, o pré-candidato usou os "cálculos o estabelecido pelo Artigo 195 da Constituição Federal", considerando que "a apuração correta e legal deve obedecer ao Orçamento da Seguridade Social", que "engloba as despesas sociais (despesas previdenciárias, Bolsa Família, LOAS, Gastos com Saúde, etc.) e todas as receitas do referido orçamento - OSS (COFINS, CSLL, receitas previdenciárias e receitas de loterias, dentre outras)". Ainda segundo a nota da assessoria, "por esta metodologia, o Orçamento da Seguridade Social teve superávit até 2015 e um déficit, a partir de 2016, da ordem de R$ 30 bilhões, conforme afirmou Ciro no Roda Viva".

Os dados apresentados pela a assessoria de imprensa divergem das contas do TCU (Tribunal de Contas da União). De acordo com o relatório de 2017 do órgão, o orçamento de Seguridade Social teve déficit de R$ 242,458 bilhões em 2016, após a desvinculação de receitas, e de R$ 149,935 bilhões, desconsiderando essa desvinculação. Em 2015, diferente do mencionado pela assessoria de Ciro, o TCU calcula que a Seguridade Social registrou déficit de R$ 150,788 bilhões, após a desvinculação de receitas, e R$ 90,167 bilhões desconsiderada essa desvinculação.


IMPRECISO

Nós importamos 80 de cada 100 remédios que consumimos.

Os números oficiais mais recentes sobre importação de medicamentos é do Conta - Satélite Saúde, um levantamento do IBGE em conjunto com outras quatro instituições e lançado em 2017 com dados de 2015. Na pesquisa, o consumo de bem ou serviço que um residente brasileiro faz no exterior também é considerado no cálculo de importação.

De acordo com os dados do IBGE, em 2015, dado mais recente, 26,3% dos medicamentos para consumo humano tinham vindo do exterior. A declaração de Ciro só estaria correta se, ao dizer “remédios”, estivesse se referindo aos produtos farmoquímicos (substâncias químicas ativas utilizadas na preparação de medicamentos). Em 2015, 77,4% de todos os insumos químicos para preparação de medicamentos foram importados, segundo o levantamento. Como Ciro não especificou, ao falar de remédio, a que se referia, Aos Fatos considera a declaração IMPRECISA.

Outro lado. De acordo com a nota da assessoria de Ciro Gomes, que ao falar em remédios "é evidente que Ciro estava se referindo ao impacto dos custos de importação de todos os componentes dos medicamentos consumidos no Brasil".


FALSO

Metade do orçamento brasileiro, de tudo que se arrecada de imposto, é despesa financeira, juro e rolagem de dívida.

Ciro já havia comentado sobre o tema do impacto da dívida pública no orçamento. O orçamento público é composto de dois tipos de despesas: as despesas primárias e as despesas financeiras.

De acordo com o balanço do orçamento do Tesouro Nacional, as despesas orçamentárias somaram R$ 2,483 trilhões de janeiro a dezembro de 2017. Desse total, 60% (R$ 1,496 trilhão) são despesas primárias que incluem previdência, salários de servidores, gastos para a manutenção de prédios públicos, investimentos, entre outros. O restante, 40% (R$ 986,118 bilhões), são despesas financeiras, que incluem juros e amortização da dívida.

Além de não estar correto sobre a proporção, Ciro também erra sobre a fonte para pagamento das despesas financeiras. Uma parte da dívida é paga com a emissão de títulos de dívidas públicas com prazos mais longos de vencimento, a chamada rolagem da dívida. Segundo os dados do Tesouro, as despesas com amortizações da dívida por refinanciamento ficaram em R$ 462,633 bilhões, em 2017.

A outra parte são as despesas com juros e encargos da dívida, que somaram R$ 203,109 bilhões, e as com amortizações da dívida sem refinanciamento (que permite a redução do montante principal da dívida), que correspondeu a R$ 320,369 bilhões. Essas despesas também podem ser pagas com as receitas financeiras como, por exemplo, os rendimentos de aplicações financeiras, recebimentos de empréstimos concedidos pela União, dividendos de empresas estatais ou resultado positivo do Banco Central (que é obrigatoriamente usado para pagar o endividamento público).

É preciso, portanto, cuidado ao comparar as despesas primárias com as despesas financeiras, uma vez que estas últimas não são pagas apenas com o dinheiro dos impostos, como afirmou Ciro, sendo em boa parte refinanciadas ou pagas com receitas financeiras.

O orçamento previsto para esse ano é de R$3,506 trilhões, segundo a Lei Orçamentária Anual, a LOA. Desse montante, R$ 1,776 trilhão (51%) são despesas financeiras e R$ 1,730 trilhão (49%) são despesas primárias. Como explicado anteriormente, o fato das despesas financeiras representarem a maior parte do orçamento não significa que elas representem a maior parte dos gastos com impostos. Do gasto financeiro previsto para 2018, a maior parte (R$ 1,157 trilhão) é referente ao refinanciamento de dívida, ou seja, dívidas que serão pagas com outras dívidas.

Outro lado. Em nota a assessoria de Ciro Gomes afirmou que "metade do orçamento é destinado a despesas financeiras" e repetiu na nota os dados da Lei de Orçamento Anual de 2018 que são citados na checagem. Segundo a assessoria, "muitos argumentam que os recursos oriundos do refinanciamento voltam na forma de receitas; adotando essa linha de raciocínio, podemos afirmar então que essa receita é derivada da chamada rolagem da dívida e, essa última, por sua vez, nada mais é do que despesa financeira".


IMPRECISO

Nós temos o melhor Ideb do Brasil [em Sobral].

O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é um indicador calculado pelo Inep desde 2007 e baseado nos resultados de rendimento escolar (a partir da informações do Censo Escolar do Inep) e das avaliação de desempenho aplicadas pelo Inep (Prova Brasil e Saeb).

O Inep divulga duas notas do Ideb, uma referente aos anos iniciais do ensino fundamental e outra referente aos anos finais. Em 2015, dado mais recente disponível, a rede pública de escolas (federais, estaduais e municipais) do município cearense de Sobral, como afirmado por Ciro Gomes, tem a melhor nota do Ideb dos anos iniciais, de 8,8. Ela é seguida por outro município cearense, Pires Ferreira, que tem Ideb de 8,7 nos anos iniciais.

Nos anos finais, no entanto, é a rede pública de Sebastianópolis do Sul, município paulista, que lidera o ranking, com Ideb de 6,7. A rede pública de Sobral tem o sexto maior Ideb nos anos finais, com 6,3.

O candidato não especificou a qual nota do Ideb referia-se, então, como a rede pública de Sobral lidera o Ideb nos anos iniciais, mas fica em sexto lugar na nota referente aos anos finais, a declaração de Ciro Gomes foi classificada como IMPRECISA.

Outro lado. A assessoria de imprensa de Ciro Gomes, informou que o candidato usou como referência "uma informação de domínio público e se refere à média geral dos anos do Ensino Fundamental". Na nota, foram incluídos links para uma coluna da Folha de S. Paulo e matérias do Jornal do Comércio e da Folha de S. Paulo. O Inep não divulga nenhuma média geral, bem como nenhuma das matérias citadas pela nota da assessoria menciona essa média. Assim como na checagem de Aos Fatos, as reportagens elencadas pela assessoria de Ciro fazem a distinção entre a nota dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental.


INSUSTENTÁVEL

Só 8 [homicídios] em cada 100 são investigados.

Ciro Gomes voltou a repetir esse dado, assim como fez na sabatina da semana passada. Na ocasião, a assessoria de imprensa do candidato afirmou que o dado saiu de análise do levantamento de 2010 do Conselho Nacional do Ministério Público, citado em relatório do Instituto Sou da Paz. Segundo a nota da assessoria em resposta a Aos Fatos, usando os dados desse levantamento seria possível concluir que “7,8 ou melhor, arredondando-se para o número mais próximo, somente oito homicídios são devidamente investigados”. Essa conclusão é errada, pois, de acordo com a pesquisa do CNMP, 19 a cada 100 casos de homicídios monitorados foram para a fase de denúncia.

O percentual de elucidação em casos de homicídio citado por Ciro é bastante usado por pesquisadores e especialistas em diversas bibliografias. Já foi mencionado também pelo atual ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmman e pelo próprio Ciro Gomes em outras oportunidades. O dado consta também em um documento oficial da Enasp (Estratégia Nacional de Segurança Pública), uma comissão que reúne o Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Ele é atribuído a uma pesquisa da Associação Brasileira de Criminalística que, em 2011, teria constatado que a taxa de esclarecimento variava entre 5% e 8%. Aos Fatos entrou em contato com a associação, mas não encontrou essa pesquisa.

O Truco, projeto de checagem da Agência Pública, também checou essa afirmação recentemente, dita em outra ocasião pelo pré-candidato. À agência, o Instituto Sou da Paz afirmou que a pesquisa não existe. “O que existe são pesquisas regionais que precisam ser avaliadas por não seguirem um mesmo padrão”, afirmou Bruno Langeani, gerente de sistemas de justiça e segurança pública do Sou da Paz.

Há, no entanto, tentativas de mensurar a capacidade de investigação no país. Como o levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público citado anteriormente.

No ano passado, um levantamento do Instituto Sou da Paz mostrou que 21 unidades federativas não têm dados sobre investigação e denúncia de envolvidos em assassinatos. Só seis conseguiram calcular um índice de esclarecimento desses crimes: Pará (4%), Rio de Janeiro (11%), Espírito Santo (20%), Rondônia (24%), São Paulo (38%) e Mato Grosso do Sul (55,2%). Com um estudo publicado em outubro de 2017, o Instituto também mostrou que, em São Paulo, sobre uma amostra representativa de inquéritos de homicídio doloso, 34% geraram denúncias penais e apenas 5% chegaram a ser julgados. O instituto defende a criação de um Indicador Nacional de Investigação de Homicídios para mensurar o desempenho das investigações criminais de cada estado.


IMPRECISO

Eu sou campeão de superávit primário.

O maior percentual de superávit primário da série histórica do Banco Central, que vai de 1991 a 2002, foi o de outubro de 1994, quando o valor atingiu 6,33% em relação ao PIB e Ciro era ministro da Fazenda. O pré-candidato ocupou o cargo entre setembro de 1994 e dezembro do mesmo ano.

Vale ressaltar que Ciro foi o terceiro ministro a assumir a Fazenda em 1994. Fernando Henrique Cardoso ocupou o cargo até março, seguido por Rubens Ricupero que foi ministro entre março e setembro. A receita primária já vinha subindo nos primeiros meses de 1994, quando os outros ministros estavam na pasta.

No entanto, essa série histórica teve sua metodologia descontinuada a partir de dezembro de 2001. Hoje, a Eletrobras e a Petrobras não são mais consideradas para a medição desse resultado e, de acordo com a assessoria do Banco Central, esses valores não podem ser comparados com os resultados atuais.

Portanto, Ciro detém o recorde quando se leva em consideração a série histórica velha, de 1991 a 2002, mas não a atual. Na nova metodologia, o ministro “campeão de superávit primário” é Antonio Palocci Filho, que obteve 3,71% de superávit em relação ao PIB, em abril de 2003.

Outro lado. A assessoria de imprensa de Ciro Gomes afirmou que "a própria explicação da agência comprova com dados do Banco Central a informação apresentada por Ciro" e que "em 1994, quando era Ministro da Fazenda, o superávit primário foi de 6,33%, o maior já registrado".


A reportagem foi alterada no dia 01 junho de 2018, às 14h35, para incluir a resposta da assessoria de imprensa de Ciro Gomes.

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