Não é verdade que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, cometeu crime e invadiu a jurisdição americana ao assinar um mandado de prisão contra uma cidadã americana. A ordem que tem sido compartilhada nas redes tem como alvo uma brasileira que mora nos Estados Unidos. Segundo a legislação brasileira, nada impede que uma autoridade do país emita um mandado contra uma cidadã que more no exterior.
A peça de desinformação acumulava ao menos 2.000 compartilhamentos no X (ex-Twitter) e centenas de compartilhamentos no Facebook até a tarde desta quarta-feira (24).
URGENTE: ALEXANDRE DE MORAES IMPÕE ORDENS DE PRISÃO SEM FRONTEIRAS. Um cidadão norte-americano residente nos EUA é alvo de mandado de prisão expedido pelo ministro Moraes em fevereiro passado (...). Esta é mais uma prova dos crimes cometidos por Alexandre de Moraes não só contra cidadãos brasileiros, mas agora ele está invadindo as fronteiras americanas para emitir um mandado de prisão contra um cidadão americano.
Publicações enganam ao sugerir que o ministro Alexandre de Moraes cometeu um crime ao assinar um mandado de prisão contra uma cidadã americana. Diferentemente do que afirmam as peças de desinformação, a Justiça brasileira pode pedir a prisão de pessoas residentes em outros países. No caso citado nas peças, a investigada, que é brasileira, teve a prisão decretada.
Apesar das publicações omitirem o número do processo e o nome do alvo do mandado, há a indicação de que o documento foi emitido no dia 8 de fevereiro de 2024. Em busca no portal do CNJ, Aos Fatos identificou que há dois mandados de prisão emitidos pelo gabinete de Moraes na mesma data: um contra Ana Cláudia Vajda e outro contra Flavia Cordeiro Magalhães Soares. Os trechos que vêm sendo compartilhados são referentes ao segundo processo (veja comparação abaixo).
Magalhães, portanto, é acusada de incitação ao crime e associação criminosa, de acordo com o Código Penal. No mandado, Moraes escreve: “insiste no descumprimento de decisões por mim anteriormente proferidas ao continuar divulgando notícias fraudulentas nas redes sociais, bem como se utiliza de passaporte internacional para ingressar e sair do país sem se submeter às autoridades nacionais”. Por isso a prisão preventiva foi decretada.
Magalhães é integrante do grupo evangélico Yes Brazil USA, que já organizou eventos com Bolsonaro nos Estados Unidos, e publicou desinformações referentes à fraude eleitoral e ao 8 de Janeiro (veja abaixo). Ela teve seu perfil no X (ex-Twitter) bloqueado e seu passaporte retido em 2023, a pedido de Moraes.
Em entrevista ao UOL na época, Magalhães afirmou que morava na Flórida e tinha dupla cidadania. Ela mesma diz, no vídeo, que só conseguiu voltar aos Estados Unidos porque possui um passaporte americano, uma vez que Moraes reteve seu passaporte brasileiro.
De acordo com o advogado constitucionalista Acácio Miranda, o fato de Magalhães ter, como afirma, cidadania americana — situação que Aos Fatos não conseguiu confirmar — e morar nos Estados Unidos não impede a expedição de mandado de prisão contra ela. “Se os fatos estão sendo apurados pelo Judiciário brasileiro, não há nenhum obstáculo”, explicou ao Aos Fatos.
O advogado criminalista Marcelo Feller concorda: “É absolutamente comum que um juiz brasileiro decrete a prisão de uma pessoa que mora em outro país, e aí o que vai ter de discussão ou não é se o país onde a pessoa está vai cumprir ou não a decisão brasileira seguindo suas próprias regras”.
Conforme Aos Fatos já explicou, o mandado de Moraes não tem aplicação imediata no território dos Estados Unidos. Magalhães só pode ser presa no Brasil ou em caso de extradição. Esse segundo cenário só pode ocorrer se a Justiça brasileira solicitar um acordo de cooperação e as autoridades americanas decidirem aceitar o pedido.
Aos Fatos tentou procurar Magalhães por meio de sua advogada. Nenhuma das tentativas de ligações da reportagem, no entanto, foi atendida.