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Juíza censura reportagem do Aos Fatos sobre venda de imagens de abuso infantil no Telegram

29 de abril de 2024, 15h20

A juíza Heloísa da Silva Krol Milak, do 3º Juizado Especial Cível de Ponta Grossa (PR), determinou, em decisão provisória, que o Aos Fatos remova o nome de uma das pessoas citadas na reportagem “Criminosos usam contas laranjas para vender imagens de abuso infantil no Telegram”, publicada em 13 de março deste ano. De acordo com a magistrada, a exposição do nome e da profissão da autora da ação poderia causar “danos patrimoniais e extrapatrimoniais”.

O Aos Fatos cumpriu a decisão judicial, e o processo segue em tramitação, com os recursos cabíveis. De acordo com Flavia Penido, advogada do Aos Fatos, “a matéria jornalística foi feita seguindo as melhores técnicas de redação, em linguagem neutra, e por esta razão estamos certos que o processo será julgado improcedente ao final”.

A reportagem que foi alvo da decisão mostra que criminosos usavam chaves Pix de terceiros para negociar conteúdo de abuso infantil em grupos no Telegram que somavam 2 milhões de membros. O texto ressalta que esses terceiros podem ter emprestado seus nomes em troca de participação nos lucros ou ter sido vítimas de golpes bancários.

Após o contato do Aos Fatos, o Telegram removeu os grupos em que ocorria a venda de conteúdos ilícitos e suspendeu o perfil de um dos principais criminosos.

A mulher que teve o nome retirado do texto por decisão judicial foi procurada pela reportagem antes da publicação e informada que seus dados bancários estavam sendo usados para negociar conteúdo ilegal. Depois de dizer que iria verificar o que estava ocorrendo, ela bloqueou o Aos Fatos e deixou de atender ligações telefônicas.

O jurista Lenio Streck classificou a liminar como uma forma de censura prévia contra o Aos Fatos e afirmou que a reportagem não fez nada fora da lei. “Onde está a legalidade de um juizado especial fazer esse tipo de censura? Decisão inconstitucional formalmente. Além de ser inconstitucional materialmente”, acrescentou.

A advogada e especialista em liberdade de expressão Tais Gasparian afirmou que recorrer ao juízo criminal contra uma reportagem lhe parece abusivo. “Toda ordem de remoção de conteúdo, a princípio, e a meu ver, é desmedida e sem lastro legal”, ela afirma.

“A internet possibilita que matérias jornalísticas sejam completadas e corrigidas se necessário, de forma que a remoção não me parece fazer sentido.”

Para o constitucionalista e criminalista Adib Abdouni, a ordem judicial de remoção do nome foi precipitada, já que o ordenamento garante o direito de resposta proporcional e a possibilidade de responsabilização nas esferas civil e penal.

“A antecipação da tutela inibitória não se justifica, tendo-se ainda em vista que a matéria jornalística, além de representar exercício das liberdades de pensamento, de criação e de imprensa, guarda relação direta com o interesse público e com o regime democrático, não comportando censura prévia, o que é repudiado pela Constituição Federal”, disse.

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