Não há evidências científicas de que chá de folha de mamão combata dengue em humanos

Por Gisele Lobato

16 de fevereiro de 2024, 17h34

É falso que existam evidências científicas de que o chá de folha de mamão é eficaz para combater a dengue em humanos ou evitar complicações da doença, como a dengue hemorrágica, como afirmam publicações nas redes. Os estudos sobre o potencial da planta no tratamento da doença ainda estão em estágio inicial. Sem remédio específico, o manejo da dengue envolve hidratação e uso de medicação para aliviar os sintomas.

As peças desinformativas acumulam milhares de visualizações no TikTok e cerca de 1.300 curtidas no Instagram. Correntes com a alegação falsa também têm sido compartilhadas no WhatsApp, plataforma na qual não é possível estimar o alcance dos conteúdos (fale com a Fátima).

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Selo falso

Combata a dengue com folha de mamão!

Vídeo mostra imagem de um mosquito picando pele humana. Legenda diz: combata a dengue com a folha de mamão

Publicações enganam ao alegar que o chá de folhas do mamoeiro é eficaz no combate à dengue. Os posts desinformativos alegam que a bebida aumentaria a quantidade de plaquetas — responsáveis pela coagulação do sangue — e, assim, evitaria a evolução da doença para formas mais graves, como a dengue hemorrágica.

Embora de fato haja estudos que investigam as propriedades da espécie no combate à doença, eles ainda estão em estágios iniciais e não comprovam que o tratamento seja eficaz em humanos, segundo especialistas ouvidos pelo Aos Fatos.

Análises preliminares indicam que existe uma chance de as folhas de mamão potencializarem a geração de glóbulos vermelhos e plaquetas pela medula óssea — o que, se comprovado, poderia evitar complicações da doença. Porém, de acordo com o infectologista Leonardo Weissmann, médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, e Laura Marise, doutora em biociências e biotecnologia responsável pelo canal Nunca vi 1 cientista, essas pesquisas apresentam problemas e limitações:

  • Os estudos sobre as propriedades terapêuticas da folha de mamão (Carica papaya) foram realizados predominantemente em laboratório ou com modelos animais e, segundo Weissman, “deixam uma lacuna quanto à comprovação de segurança e eficácia em humanos”;
  • Uma revisão publicada em 2022 por pesquisadores da Malásia na revista científica Nutrients, por exemplo, analisou 28 estudos sobre o impacto do suco da folha de mamão no combate à dengue, dos quais apenas dez foram feitos em humanos — e, destes, só dois eram ensaios clínicos randomizados, que permitem comparar um grupo que teve acesso à substância com outro que recebeu um placebo;
  • Mesmo quando um teste é feito em humanos, isso não garante a qualidade dos resultados. A maior parte dos estudos disponíveis hoje não está em revistas conceituadas e apresenta problemas, como dados não confiáveis ou ensaios com grupos muito pequenos ou homogêneos de pessoas;
  • Por causa das lacunas, uma revisão sistemática publicada em 2021 na revista Frontiers in Pharmacology concluiu que ainda são necessários “extensos ensaios clínicos e investigações adicionais” não apenas para confirmar a eficácia do composto, mas também identificar seu mecanismo de ação;
  • Ainda que os estudos venham a mostrar a eficácia do composto, ainda faltaria estabelecer “padronização, otimização de dose, regime terapêutico, estudos de toxicidade extensos e de longo prazo e aprovação por autoridades reguladoras”, destacam os pesquisadores.
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Além dos problemas metodológicos, também é importante considerar que os estudos não analisam os efeitos do chá, e sim de outros preparos com a folha de mamão, como cápsulas ou sucos extraídos com pressão. “Fazer um extrato a frio e fazer um extrato a quente são coisas muito diferentes. O calor pode degradar o composto que faz efeito ou pode extrair da folha coisas que são tóxicas”, explica Laura Marise.

Ela lembra também que as pesquisas, realizadas majoritariamente na Ásia, não foram feitas com variedades de mamão existentes no Brasil, e que não é possível determinar se as espécies disponíveis aqui possuem as mesmas substâncias, que permitiriam replicar os efeitos observados nos estudos.

É importante ressaltar, no entanto, que algumas pesquisas apresentam metodologias mais confiáveis e podem justificar algum otimismo. É o caso de um estudo feito na Índia e publicado em 2020 na revista americana Plos One, que concluiu que o extrato da folha de mamão pode ser eficaz para aumentar a quantidade de plaquetas em doentes acometidos por quadros graves de dengue hemorrágica. Por ser um estudo-piloto com 50 pessoas, porém, não é possível tirar conclusões para a população geral.

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TRATAMENTO

Não existe hoje nenhum medicamento antiviral específico para combater a dengue, cujo tratamento se concentra no manejo dos sintomas e na assistência clínica ao paciente. O Ministério da Saúde e os especialistas fazem as seguintes recomendações:

  • É importante fazer repouso e se manter hidratado;
  • No combate aos sintomas, podem ser usados analgésicos e antipiréticos (para baixar a febre), que devem ser sempre receitados pelo médico;
  • É necessário procurar os serviços de urgência imediatamente em caso de sintomas como sangramento, dor abdominal e vômito persistente;
  • O paciente deve evitar medicamentos como a aspirina e anti-inflamatórios não esteroides (caso do ibuprofeno, do diclofenaco e da nimesulida, entre outros), que podem agravar o quadro da doença ao induzir episódios hemorrágicos.

Publicações desinformativas similares também foram verificadas pela Agência Lupa e pelo UOL Confere.

Referências:
1. YouTube (@nuncavi1cientista)
2. Nutrients
3. Frontiers in Pharmacology
4. Plos One
5. Ministério da Saúde
6. Agência Lupa
7. UOL Confere

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