🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Fevereiro de 2024. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Cinco coisas sobre cyberbullying para conversar em casa e na escola

Por Fernanda da Escóssia

7 de fevereiro de 2024, 19h15

Na volta às aulas, as escolas brasileiras terão um assunto novo para discutir: cyberbullying agora é crime. É o que diz a lei 14.811/2024, sancionada em janeiro.

  • Bullying é a intimidação sistemática de uma ou mais pessoas, com violência física ou psicológica, de modo intencional e repetitivo. Inclui atos de intimidação, humilhação e discriminação. Pela nova lei, o crime é punido com multa, “se a conduta não constituir crime mais grave”.
  • Já o cyberbullying acontece quando essa intimidação se dá no ambiente digital, seja por meio de redes, aplicativos, jogos ou transmitida em tempo real. A pena vai de dois a quatro anos de prisão, mais multa, “se a conduta não constituir crime mais grave”.

Esta breve contribuição à Plataforma traz cinco pontos sobre cyberbullying para conversar com aqueles que mais amamos — e que agora mesmo, de celular na mão, estão navegando por alguma plataforma da qual nunca ouvimos falar.


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🙅‍♀️ Cyberbullying tem gênero

Mulheres são as principais vítimas da violência digital, e os dados da ONG Safernet ratificam isso. De 2012 a 2023, no total dos atendimentos sobre cyberbullying, 867 eram de homens e 1.639 de mulheres — o dobro. Nesses 12 anos, aconteceu o mesmo com atendimentos sobre exposição de imagens íntimas (1.175 de homens, 2.109 de mulheres) e cyberstalking, a perseguição virtual (67 de homens, 109 de mulheres). Não são dados de vítimas, atenção, mas de atendimentos realizados, o que inclui desde pedidos de ajuda até dúvidas para tipificar a conduta.

“Numa cultura hostil às mulheres em diversos aspectos, desde a questão sexual até o ambiente de trabalho, num contexto de intimidade esse risco é muito maior. Ainda que homens possam vir a sofrer ou ser vítimas, nosso canal de acesso tem mais mulheres. É por que as mulheres são mais alvos ou por que buscam mais ajuda? Pode ser um pouco dos dois. A internet reproduz as desigualdades do mundo offline”, resume a psicóloga Juliana Cunha, diretora da Safernet.

🤖 Não use a IA para se tornar alguém pior

A proliferação de ferramentas de IA (inteligência artificial) aumentou as denúncias de circulação de imagens de abusos contra crianças e adolescentes. Reportagem do Aos Fatos mostrou que, no Telegram, é praticamente livre a circulação de bots que fazem deep nudes, juntando rostos reais com cenas irreais de nudez. Trata-se do uso da IA para cometer crimes.

Com o cyberbullying deve ocorrer o mesmo, afirma o advogado Filipe Medon, doutor em direito civil pela Uerj. Para ele, as ferramentas de IA, especialmente as generativas, complicam ainda mais a já trabalhosa identificação da autoria e o rastreio das práticas de intimidação. Também podem aumentar os danos às vítimas.

“A cada dia, apps facilmente acessíveis têm permitido a fabricação de conteúdo que expõe as pessoas ao ridículo, ao constrangimento e à humilhação, tornando a prática do cyberbullying ainda mais acentuada”, alerta.

Medon e Juliana Cunha, da Safernet, afirmam que o fato de o cyberbullying ter sido criminalizado mostra, de um lado, atenção maior para o problema.

Mas há um travo amargo, avisam.

Criminalizar também expõe o insucesso das tentativas de reduzir bullying e cyberbullying com educação e prevenção. Nesta reportagem do El País, uma mãe relata surpresa ao descobrir que a filha praticava bullying contra uma colega, apesar de tudo o que conversavam em casa sobre empatia, aceitação e amizade.

🔀 Ninguém modera ninguém

A IA trouxe algum avanço no modelo de moderação — para os leigos, moderação é a interferência das plataformas em conteúdo publicado por usuários, a fim de coibir crimes. Ainda assim, há consenso, e não só no Brasil, de que a moderação é falha.

Na semana passada, numa audiência no Senado americano, o CEO e cofundador da Meta, Mark Zuckerberg, pediu desculpas a mães e pais cujos filhos e filhas foram vitimados por conteúdos das redes sociais. São jovens que se autoinfligiram ferimentos graves ou se suicidaram em meio à violência no ambiente digital.

“As plataformas têm sido mais cobradas e interpeladas, e estão numa posição de que precisam fazer mais. O debate regulatório está nesse caminho”, analisa a diretora da Safernet. Não há como confiar que as plataformas vão perceber os ataques virtuais, o cyberbullying, a exposição de fotos íntimas, o cyberstalking, e retirar do ar antes que tudo viralize.

🗣️ É preciso contar a alguém

Pesquisas sobre bullying e cyberbullying mostram uma constante: as vítimas não compartilham com pais, mães e professores o sofrimento pelo qual estão passando. Nos casos de cyberbullying, a situação é paradoxal, pois o segredo “caseiro” é do conhecimento de centenas, às vezes milhares de pessoas.

O que os estudos mostram é que as vítimas dividem suas dores primeiro com seus pares, pessoas que estão em seu mesmo nível de poder. São amigos, irmãos, colegas, gente que muitas vezes conhece não só a vítima, mas também o autor das agressões. Quem sofre busca apoio em alguém que não irá julgar seu sofrimento.

Mesmo que doa, é preciso achar alguém a quem contar. O silêncio só ajuda os agressores.

👀 É da sua conta

Desde muito antes da lei, bullying e cyberbullying estão entre os temas estudados pelo Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral), um projeto ligado à Unesp (Universidade Estadual Paulista) e à Unicamp. “Uma das dificuldades de pais e professores para lidar com essas questões é que eles sabem muito menos sobre a cyberconvivência do que seus filhos e alunos”, afirma Luciene Tognetta, professora da Unesp e líder do grupo.

Tognetta destaca, na prevenção e no combate ao bullying e ao cyberbullying, experiências escolares baseadas justamente na solidariedade dos colegas. E que refletem sobre o papel de quem não pratica agressões, mas se cala diante delas. O Gepem orienta alguma escolas que já mantêm equipes de ajuda contra o bullying e o cyberbullying.

“Temos observado que a ação dos pares, dos colegas, às vezes é mais eficaz que a palestra de um professor”, avalia. O desafio é trocar o silêncio — cúmplice ou desaprovador — por um papel ativo. O desafio é dizer: não é comigo, mas é da minha conta.

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