Censura a ‘O Avesso da pele’ é eco da ditadura e tenta abafar debate sobre racismo, diz autor

Por Alexandre Aragão

7 de março de 2024, 12h47

“Há dois grandes problemas que não foram resolvidos no Brasil, a escravidão negra e a ditadura”, disse o escritor Jeferson Tenório à Plataforma, em conversa na manhã desta quinta (7).

O autor de “O Avesso da pele” (Cia. das Letras) relaciona as iniciativas de censura ao livro, a partir de desinformação nas redes, a ambas as questões sociais irresolutas.

“Você tem o racismo justamente por não quererem que a discussão chegue no ambiente escolar, e você tem a censura, que é um método da ditadura”, ele explicou.

“Esse cruzamento faz com que a gente tenha uma estratégia de negar o racismo e, ao mesmo tempo, tirar de circulação qualquer tipo de reflexão nesse sentido.”

E MAIS: Uma declaração do presidente do STF e mais informações sobre o uso de IA na Editora Abril.


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🤐 Censura e desinformação

Em um vídeo que viralizou nas redes na semana passada, a diretora Janaina Venzon, da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, em Santa Cruz do Sul (RS), diz que o livro ganhador do Prêmio Jabuti 2021 na categoria romance literário é uma obra “de baixo calão”, que usa “vocabulário bastante vulgar” e “inadmissível”, e que busca “sexualizar crianças”.

Venzon só não diz que foi ela própria quem escolheu “O Avesso da pele” para compor o acervo da biblioteca. A Companhia das Letras publicou documento que prova que a aquisição foi assinada pela educadora no dia 17 de novembro de 2023.

“O problema acaba sendo direcionado para o palavrão, para as cenas de sexo, justamente para que o foco seja desviado e a gente não resolva o problema que tem que ser resolvido”, afirma Jeferson Tenório.

“Dentro dessa estratégia, a verdade é a primeira que morre, é a primeira que vai sofrendo as consequências, e aí se cria uma concorrência de narrativas e, às vezes, os argumentos são os mais estapafúrdios, que é o que está acontecendo.”

“O Avesso da pele” conta a história de um filho que resgata o passado da família após seu pai ser morto em uma abordagem policial. E reflete sobre a marca do racismo em relacionamentos interraciais. O livro foi aprovado no edital do PNLD (Programa Nacional do Livro e do Material Didático) de 2021, aberto em 2019.

“Eu vejo que as atitudes que têm vindo dos governos ligados ao bolsonarismo, de vereadores ligados ao PL, que são as pessoas que têm feito essa censura e todos esses discursos, tirando o foco do livro, que justamente fala sobre isso, sobre o racismo estrutural, sobre a violência policial e sobre a precariedade do ensino”, explica o autor.

Em um texto recente publicado no livro “Escrita em movimento: sete princípios do fazer literário” (Cia. das Letras), de Noemi Jaffe, Jeferson Tenório explora a importância do estranhamento na literatura.

“Na verdade, a vida é estranha por definição. Acho tão absurda a ideia de viver num planeta que gira ininterruptamente no meio do nada. O cotidiano, tributável, burocrático, naturaliza a vida e nos faz ter uma ilusão de normalidade. No entanto, a realidade para mim é absurda e não há sentido nela”, ele escreve.

O autor afirmou à Plataforma que as redes sociais cumprem um papel ao cultivar esse olhar, porque “esse estranhamento constante do mundo faz com que a gente também fique atento ao que acontece na sociedade”.

“O escritor, quando decide fazer um livro, também é fruto do seu tempo. E ele faz uma análise da sociedade a partir do seu ponto de vista.”


ABRE ASPAS

“Queria dizer que eu nunca fui a Cuba, não tenho relações com o [ex-]ministro José Dirceu e não sou dado a orgias. Embora na vida não descarte nenhuma possibilidade, mas não aconteceu.”

— Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal, em aula inaugural na PUC-SP, na terça-feira (5), ao comentar peças desinformativas que circulam nas redes há anos.


🌲 Ainda a Abril

  • A informação de que o site Bebê.com.br serviu para a Editora Abril testar o uso de inteligência artificial generativa foi reforçada por novas fontes, após ser revelada na Plataforma #29;
  • Além de aumentar a audiência via busca e as impressões de anúncios, como a newsletter mostrou na semana passada, o plano também incluía a geração de conteúdos “evergreen”, como guias de compras, com links de afiliado para a Amazon;
  • Os links de afiliado são uma fonte de receita relevante para empresas de conteúdo. Os sites recebem um percentual das vendas quando os usuários clicam em um link e concluem a compra em sites como a Amazon e o Mercado Livre;
  • Levantamento feito pelo cientista de dados João Barbosa mostra que 232 publicações no Bebê.com.br contêm 2.805 links de afiliado para produtos vendidos na Amazon;
  • Um exemplo é o texto “Redecore o quarto do bebê em 2024 com estas ideias!”, que foi ao ar em 28 de dezembro e é assinado como “da Redação”. Além de links para os produtos, o post também convida o leitor a assinar a Amazon Prime e a baixar o app da empresa;
  • Em geral, as publicações incluem dois links para cada produto, um em uma foto, e outra no texto — o que, em estimativa bruta, indica que há cerca de 1.400 produtos linkados em textos do site da Editora Abril.

Colaboraram João Barbosa, Luiz Fernando Menezes e Tai Nalon.

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